O amor de Osamu Tezuka em “A Canção de Apolo”

O amor de Osamu Tezuka em "A Canção de Apolo" – Ambrosia

Quem já leu Osamu Tezuka (1928-1989) pode notar que um dos temas mais abordados em seus mangas é sobre o conceito do amor. Sentimento este que na filosofia oriental possui um olhar bastante diferente do nosso ocidental. No Japão o contato físico entre as pessoas, inclusive entre as mais próximas e mesmo familiares, é bastante limitado. A educação do país prima pela independência e atualmente alimenta uma geração de jovens que arquejam numa espécie de “síndrome do celibato”, presos nas redes virtuais e reticentes às relações sexuais. Entretanto escritores, poetas e inclusive mangakas e quadrinistas conseguiram expor com qualidade ímpar uma questão tão conflituosa quanto este. Particularmente, um mangá dos anos 1970 do mestre Tezuka protagoniza uma das melhores histórias sobre o tema.

No caso foi Apollo no Uta (アポロの歌), “A Canção de Apolo” (Brasil), publicado na extinta revista Weekly Shonen King, e nunca publicado por aqui, mas que um amigo que mora nos Estados Unidos mandou a edição da Vertical, ao qual li de uma tacada só.

Um trabalho seminal de Tezuka, que rompia com o que escrevera antes dos anos 1970, começando uma nova personalidade artística, passando de títulos como Kimba (1950) ou Astroboy (1952) a histórias mais profundas, maduras e de tom mais adulto como Buda (1972), Black Jack (1973) ou Adolf (1983).

Apollo’s Song é marcada por transmitir o que uma geração que hoje está com seus cinquenta anos sentia no momento em que a educação sexual era um importante tema na sociedade japonesa. Também era um racha pessoal de seu autor, tanto pela relação que tinha com os executivos e os sindicatos, mas também por sua narrativa se tornar mais lúgubre e pessimista do habitual. Como o próprio autor disse “um mangá jovem, influenciado pela juventude de hoje”, reconhecendo a decisiva influência de jovens autores como Yoshihiro TatsumiTakao Saito, Kazuo Umezu e Matsumoto Masahiko.

Inicialmente Ozamu não era partidário deste estilo cru, pois tinha conquistado reconhecimento com a sensibilidade de suas propostas e os traços de evidentes reminiscências dos desenhos animados da Disney. Mas seu gênio e caráter não o deixaram conformado a margem da revolução que ocorria e logo partia com ânsia para renovar e experimentar o gekiga, como ficaria chamado os mangás saídos dos nomes citados.

A narrativa de A Canção de Apolo conta a história de Shogo Chikaishi, um jovem de comportamento agressivo, cuja agressividade foi motivada por uma infância traumática que provocou uma repulsa visceral a qualquer manifestação romântica, carinhosa ou amorosa. Sempre compelido a violência quando ver algo relacionado a sua fobia é levado a sessões psiquiátricas, de hipnose e eletrochoque, que levam Shoko a ter contato com uma entidade divina encarnada pela antiga deusa Atena. A divindade o envia a viver uma série de experiências através do espaço e tempo para descobrir o verdadeiro significado do amor e para se redimir de atos cruéis perpetrados por ele.

O caminho argumentativo que Osamu Tezuka toma leva sua narrativa a dois pontos interessantes, uma introdutória, que apresenta uma visão alegórica do sexo e da vida e outra, épica, que nos leva a uma jornada pele espaço-tempo, metade onírica, metade real, dos horrores nazistas a um futuro remoto, onde a raça humana está próxima de ser extinta e suplantada por seres sintéticos.

Neste trabalho de Tezuka encontramos uma narrativa marcada pelo violência e pelo sexo, paradoxal se sua intenção era dá ao leitor um olhar ao conceito mais puro de amor, e numa análise mais ampla, Tezuka certamente nos direciona para uma forma elemental, mais bucólica e trágica, enraizado lá nos mitos greco-latinos para entendermos o amor considerado no mangá. A história está cheia de reviravoltas, voltas e retornos impossíveis amparados no fantástico que Tezuka utiliza para conceber um irregular e contraditório narrativa-intergênero, onde encontraremos o relato sobre um conflito bélico, o texto de aventuras,  o sci-fi e o drama de aspecto social.

O que é mais interessante que os únicos veículos condutores, o nexo desta diversidade de gêneros estão no protagonista, um esquizofrênico enfant terrible de psicologia tão complexa quanto sórdida, ambígua e gratuita, e nesse discurso filosófico e ficcional sobre o amor.

Por fim, o que posso dizer que A Canção de Apolo é uma boa história do melhor mangaka de todos os tempos. Um trabalho valente que o autor apostou na mudança e que conseguiu fazê-lo brilhantemente. Recomendo, e espero que alguma editora publique por aqui.

Total
0
Links
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Ant
Grandes Momentos do Oscar: Woody Allen ausente ganha o prêmio de Melhor Diretor por Noivo Neurótico Noiva Nervosa
Grandes Momentos do Oscar: Woody Allen ausente ganha o prêmio de Melhor Diretor por Noivo Neurótico Noiva Nervosa – Ambrosia

Grandes Momentos do Oscar: Woody Allen ausente ganha o prêmio de Melhor Diretor por Noivo Neurótico Noiva Nervosa

Na 50ª edição do Oscar realizada em 3 de abril de 1978, Woody Allen ganhou o

Prox
Oscar: Birdman se consagra em uma cerimônia “padrão Hollywood”
Oscar: Birdman se consagra em uma cerimônia "padrão Hollywood" – Ambrosia

Oscar: Birdman se consagra em uma cerimônia “padrão Hollywood”

Vestidos, homenagens, musicais, piadas, desfile de celebridades do momento e

Sugestões para você: