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Sobra exuberância e falta requinte na nova adaptação de “Assassinato no Expresso do Oriente”

Livro é livro, filme é filme. A extenuante discussão sobre fidelidade e acepção numa adaptação literária para o cinema nunca terá fim. Mas ela pode ser resumida nessa afirmação redundante. Dito isso, existe uma terceira via de julgamento dessa correlação. E é sobre ela que trataremos ao falar dessa nova adaptação da obra da grande escritora inglesa Agatha Christie: Assassinato no Expresso do Oriente.

Tido como sua obra mais representativa, onde subverte a lógica e a então previsibilidade do “quem matou?”, o livro foi escrito no início de 1934 e representava o nível de requinte que a autora conseguia com a propriedade com que construía o novelo intrincado de suas tramas policiais. Requinte. Uma palavra que melhor pode mimetizar seu talento. A adaptação cinematográfica de 1974, dirigida por Sidney Lumet impôs sua importância com o passar dos anos, e é mesmo muito digna em sua ambição. Agora, quando foi anunciado que o diretor britânico Kenneth Branagh faria uma nova adaptação da obra, dada as referências de ambos, a expectativa foi alta, o que só se potencializou com os nomes confirmados no elenco. Entretanto, talvez até por isso, a frustração seja tão inevitável.

O próprio Kanneth dá vida ao mitológico detetive Hercule Poirot, já incensado como o melhor detetive do mundo e prestes a entrar de férias após elucidar um crime no Egito, que embarca de última hora no luxuoso Expresso Oriente. Ali conhece a esquisito Edward (Johnny Depp), um comerciante envolvido com falcatruas que o sonda para ser seu segurança particular, o que é prontamente negado pelo detetive. Até que numa noite de forte geleira, o trem fica estagnado e Edward aparece morto em sua cabine.

Com o trem cheio de tipos aparentemente suspeitos, Poirot parte para sua idiossincrática investigação. O diretor cuidou de cada detalhe estético de seu longa, o que pode ser visto na exuberância indiscutível de sua direção de arte e fotografia – o plano sequência que vai pontuando os suspeitos pelo trem é brilhante, especialmente pelos detalhes das particularidades de cada um, detalhes esses que não são desenvolvidos num âmbito mais dramatúrgico do roteiro. A trama usa suas peças do jogo de maneira extremamente superficial e arquetípica, ou seja, estão ali apenas para ilustrar o tal crime.

Daí o brilhante elenco é sumariamente desperdiçado. Com exceção de Michelle Pfeiffer (cuja interpretação é uma das melhores das carreira, num ano em que já mostrou ótima performance em Mãe), quase todos os outros grandes nomes – Judd Dench, Penelope Cruz, Willem Daffoe, Daisy Ridley, só para citar alguns – não têm espaço para que seus personagens sejam algo além de fetiches do gênero. O próprio Poirot, interpretado pelo diretor, talvez numa tentativa de atualização do clássico personagem, cai numa espécie de caricatura de uma idealização. Ainda que uma interpretação literária seja bem subjetiva, e mesmo com o fato dele ser um dos maiores e mais completos atores do mundo, seu Hercule Poirot soa muito mais como forma do que como conceito.

Se a narrativa já fica emperrada na objetivação de seus personagens, o seu final – impactante originalmente – é anticlimático, narrativamente confuso. Diria até mal dirigido (soluções fáceis na elucidação – alusão a “A Última Ceia” – e confusão cênica na cena chave) e que pouca aproveita a genialidade de Agatha ao construir uma justificativa que valha todo o mistério. Requinte. Quem diria que faltaria requinte para o mais shakespeareano dos diretores hollywoodianos.

Dada as qualidades do filme já apontadas, só podemos entender que Kenneth ficou tão fascinado com o gênero que Agatha propiciava que esqueceu de dar dimensão dramática e narrativa ao que tinha em mãos, até porque o livro dá muito essa liberdade para uma interpretação fílmica (na trama literária, boa parte da história consiste no detetive entrevistando os suspeitos). Assim, temos um filme deslumbrante mas oco e sem impacto no fim.

Livro é livro, filme é filme. Mas a, digamos, alma da história e da atmosfera que cria, pode ser usado a favor do veículo em que está sendo adaptado. No entanto faltou requinte, aquele detalhe que Agatha Christie nunca deixava escapar. Vai ver que é por isso que era tão genial. Que o cinema agora continue correndo atrás…

Filme: Assassinato do Expresso do Oriente
Direção: Kenneth Branagh
Elenco: Kenneth Branagh, Johnny Depp, Michelle Pfeiffer
Gênero: Suspense
País: Estados Unidos
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Fox Film do Brasil
Duração: 1h54
Classificação: 14 anos

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