Quatro perguntas ao escritor Charles Marlon

Charles Marlon, autor de Poesia Ltda (Patuá, 2012), Sub-verso (Patuá, 2014), Re-trato (Patuá, 2016), La Siesta sobre Cuchillos (La bodeguita, 2017) e Aqui: este breve intervalo (manual, 2017), participou de algumas antologias, entre elas a do 21º Encuentro Internacional de Poetas (Zamora, México) é poeta e mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo, tendo estudado a obra de Rui Pires Cabral. Nasceu no dia 10 de julho de 1990, em Osasco. Um outro canceriano sem lar, como o próprio se define. Fizemos quatro perguntas ao autor. Confira abaixo.

1 -)  Seus poemas, muito pelo cuidado e trabalho seu com a linguagem, possuem uma fenda que chamo um espaço que o sentido não vem à tona na leitura. E você fala neles muito da questão da ausência muito ligada ao próprio tempo/espaço da  existência humana. Fale-me sobre esta questão nos seus poemas?

Tenho bastante dificuldade em explicar questões relacionadas à poesia e à produção poética, tudo o que escrevo, (claro que passa por uma elaboração formal, mais ou menos, racional), está intimamente ligado ao sentimento que a escrita dos poemas me causa. A escrita é uma experiência mais intuitiva que planejada, para mim.

Acho que a minha expressão poética está ligada a experiência da perda, a poesia vem para preencher as lacunas da vida, do discurso, das sensações, embora deixe outras lacunas sem preencher, as que vão sendo completadas pelos leitores, que por sua vez vão deixando seus próprios vazios nos textos. Dizer uma verdade final, ensinar o caminho, fazer de conta que o poema vai esgotar um assunto pode ser o caso de matar a poesia, ainda que com boas intenções.

2 -) Suas palavras/versos parecem criar um contraste de afecções para ter ou dar uma ideia não certeza/convicção. Partindo da ideia de retrato ou re-trato como uma outra forma de olhar ou fazer ou observar. Ter outras camadas de aferição de olhar o real?   

O real é complexo, nosso conhecimento sobre ele sempre será parcial e incompleto. A única convicção possível é que ter convicções sobre todas as coisas é um erro, ou uma ilusão, nem sempre inocente. O discurso hegemônico, por exemplo, finge ter várias convicções e saber várias verdades “universais”, o que não é nada inocente e em muitos casos perigoso.

A questão do retrato no livro, acho, tem a ver com a captura de momentos, de viagens todos eles, viagens para outros Estados ou mesmo dentro de São Paulo. Olhar o real com curiosidade me ensina a, além de retratar fragmentos de momentos, tratar de outro modo a percepção visual e sensível destes momentos, tentando apreender detalhes que passam desapercebidos muitas vezes, o que me permite sentir a familiaridade em lugares desconhecidos ou estranhamento em locais que frequento ou pelos quais passo diariamente. E o quanto esse movimento me permite tentar interpretar e traduzir o que é estar vivo, naqueles lugares e naqueles momentos.

3 -) Como as fotos criam contextos com os poemas, como elas dialogam entre si?

O livro Re-trato foi composto em três partes que se integram, cada poema tem a sua fotografia e sua epígrafe musical. Algumas vezes as fotografias serviam de estímulo para a escrita dos poemas, outras vezes o contrário. Revendo o livro agora, percebo que os poemas tem um caráter mais individual, a experiência de perda de um sujeito construído no poema que não sou eu, exatamente, mas que também não deixa de ser. As fotografias tem um caráter mais sociológico, às vezes, às vezes, político. Os poemas ampliam o conteúdo das fotografias e as fotografias, os conteúdos dos poemas. Tudo isso guiado por uma trilha sonora que pensa sobre questões que tanto os poemas, quanto as imagens nos fazem refletir. Foi um primeiro movimento para o que estou desenvolvendo agora, poemas escritos diretamente sobre fotografias.

4 -)  Há também um microolhar do afeto. De olhar aquilo do que realmente nos interessa, que é o afeto. E para isso você utiliza apenas a  contenção necessária ao usar o aparelho semântico/linguístico?

Acho que por ser um livro com imagens, o olhar torna-se um principal aliado na leitura/apreciação dele. Parece que há um certo esforço em retrabalhar e re-significar aquilo que o olho capta, tentando buscar um significado mais pessoal, mais próprio para a nossa existência. Nem que seja um aprendizado do desaprender. Uma experiência de ir ficando mais velho mas nunca mais experiente, acumular dúvidas dentro do peito, mas dúvidas próprias, com as quais vamos lidar.

É um esforço também de perceber aquilo que nos atrai o olhar, o que já é por si só um movimento de afeto. Trazer pro coração aquilo que o olho capta, traduzir de maneira incompleta, tatear o movimento do mundo. O que não quer dizer que é uma apologia do ensimesmamento e do egocentrismo de valorizar mais aquilo que nos causa afeto diminuindo os afetos alheios; pelo contrário, é um movimento individual, com outros indivíduos em uma vida social e complexa, sabendo que aquilo que percebemos é parcial e muito pobre sem a troca com as outras pessoas.

O livro só se completa na leitura, pois é na troca com o leitor que esse afeto se concretiza, alguém que para por alguns minutos para trocar com o que fica de nós nos poemas. As lacunas do livro ficam para que o leitor as completem e para que possam, caso sintam intimidade com aquilo lido, deixar suas próprias lacunas. Ler também é um ato de amor.

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