Entrevista com o escritor Carlos Eduardo Pereira

Carlos Eduardo Pereira é carioca da Ilha do Governador, nascido em fevereiro de 1973. Cursou História na UFRJ e Letras na PUC-Rio, na habilitação Produção de Texto. “Enquanto os dentes”, lançado em novembro pela editora Todavia, é seu primeiro romance. Fizemos quatro perguntas ao escritor. Confira abaixo:

1. Você cria uma narração contínua de fluxo incessante. Quais foram as dificuldades para escrever deste modo, e como foi pensando as mudanças de tempo de narração do presente ao passado nas mudanças de parágrafos?

Para escrever o “Enquanto os dentes”, julguei que fazia sentido esse formato contínuo. Uma leitura possível do livro é dizer que ele fala de movimento, ou de manter-se em movimento enquanto possível. Desse modo fui escrevendo os assuntos que me interessavam trabalhar, em blocos mesmo, como capítulos, alguns situados no presente da narrativa, outros no passado. A partir daí, o desafio era unir esses blocos de maneira fluida; concentrando, ao final de cada parágrafo de transição temporal, elementos que seriam abordados na passagem seguinte.

2. Sinto uma preocupação com o perfil do protagonista. Você matiza ele muito bem no decorrer de toda narrativa. Vai soltando informações muito definidas sobre ele. Como no início da escrita foi pensado o Antônio e se houve alguma mudança de perfil no decorrer que você ia escrevendo?

Outra escolha que tive de fazer na construção da trama foi com relação ao narrador; se ele seria o próprio Antônio ou se uma visão de fora acrescentaria algum interesse. Optei por essa voz em terceira pessoa, acompanhando de perto a trajetória de Antônio, porque assim trago o leitor junto, num exercício de empatia. O perfil de cada personagem é composto de forma muito concreta, ou detalhada, antes mesmo do início propriamente da escrita. Algumas características vão aparecer no decorrer da história, outras não. Mas é fundamental conhecer bem essas características, tanto as que vão ficar mais explícitas, quanto as que permanecerão escondidas.

3. A narrativa é concentrada num intervalo de tempo de uma trajetória (uma viagem) para a casa dos pais. Há uma concentração de eventos e fatos entre este percurso criando um efeito de dilatação no momento da narração. Cria um efeito bem interessante. Por que pensou nesta relação entre o tempo (de uma viagem) e a ação narrada de sua trajetória?

Concentrar as ações do tempo presente de Antônio num trajeto de poucas horas, num deslocamento de um ponto a outro da cidade, destaca a importância daquele momento. Um momento em que ele (não quer, mas) precisa ir para a casa dos pais, uma ação de retorno. Penso que é possível que ele se mantenha firme no propósito de cumprir o seu destino, mas talvez consiga escapar desse destino, ainda que mentalmente, acessando eventos ocorridos no passado.

4. Há todo um elemento constituinte de uma pessoa cadeirante que você situa de forma muito expositiva, colocando a relação do cadeirante com o entorno, e como a cidade é excludente com relação a eles. Como foi refletido na escrita esta posição?

Os grandes centros urbanos são excludentes com relação à maioria da população. Uma forma de ilustrar esse desencaixe é propondo uma perspectiva diferente da que estamos acostumados a ver na literatura. Antônio se torna cadeirante, em dado momento de sua vida. A partir daí, passa a enxergar o mundo por um outro ângulo, e essa nova forma de enxergar as coisas é potencialmente interessante como ferramenta de construção ficcional.

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