Cefas Carvalho é escritor, jornalista e poeta. Nasceu em São Paulo, mas, mora em Natal (RN) “desde sempre”. Tem 6 livros publicados, os romances “Ponto de fuga”, “Três”, “Carla Lescaut”, “Os olhos salgados” e mais “Encontos e desencontos” (histórias curtas), e “Reinvenções” (poesia), além de 15 folhetos de cordel lançados. É coordenador do Concurso de Poesia Zila Mamede e atualmente é editor-chefe do Portal Potiguar Notícias e da PNTV. Milita no cenário cultural de Natal, fazendo parte do grupo Samba – Sociedade de Amigos do Beco da Lama de Adjacências, que luta pela revitalização da cultura e boemia do Centro Histórico de Natal. Confira a entrevista que autor concedeu à Revista Ambrosia.
Ambrosia: Em “Olhos Salgados”, a voz do seu narrador, o pai de Violeta, é um narrador atento não só a filha mas ao entorno, como a relação com Alice e Camila. Como foi construir este narrador tão afetuoso e ao mesmo tempo tão demasiadamente humano?
Cefas Carvalho: A construção do protagonista Alberto, que é narrador-participante da história, se deu de maneira natural. Uma vez definida a narrativa na primeira pessoa e com a história exclusivamente vista pelo prisma de Alberto, o personagem foi sendo construído com base no que ele pretendia resgatar (sua relação com sua terra natal, o Rio Grande do Norte e a aproximação com a filha Violeta). Pequenas pinceladas autobiográficas (sou jornalista e já trabalhei como publicitário, tenho uma filha pequena e passei a vida entre Natal e São Paulo) possibilitaram trabalhar com as nuances emocionais do protagonista.
A: Interessante que sua linguagem ao narrar seja jornalística, até um pouco objetiva em lidar com o material narrado, mas sua estória que nos conta é cheia de afetividade e emoções que nunca resvalam para um tipo de emoção exagerada. Queria que você me falasse desta sua opção?
Cefas: Como costumo sempre dizer em entrevistas e debates literários, como devoto de Hemingway, meu escritor favorito, prezo justamente pela objetividade e por escrever “sobre aquilo que se conhece”, como ele dizia. Isso torna a narrativa ainda mais objetiva, sem falar que sou jornalista, assim como Hemingway o era, o que torna a linguagem mais direta, com as famosas frases curtas e períodos calculados. Essa opção pela linguagem objetiva, quando aplicada no caldeirão das emoções humanas que se deseja narrar, faz com que surjam subtextos e nuances.
Claro que o universo escolhido para se descrever, como os salões de Balzac e Maupassant e a geração perdida do citado Hemingway, obriga o narrador, seja ele onisciente ou na primeira pessoa, a esmiuçar as camadas das emoções que muitas vezes são interditas, disfarçadas, sutis. Como registro, um livro que amo e admiro justamente pela narrativa objetiva, quase seca, e gama de emoções “subterrâneas”, é “O jardim do Éden”, de Hemingway. Sem esse livro e sua maneira de ver o mundo e narrar o que se vê, talvez não existisse “Os olhos salgados”, embora as tramas sejam totalmente diferentes.
A: Toda sua descrição da pequena Violeta, desde o universo linguístico, até sua personalidade, é muito bem matizada por você. Você teve alguma inspiração em alguém? E como foi o desenvolvimento da personagem Violeta durante a escrita do seu romance?
Cefas: A parte da relação entre Alberto e Violeta é bastante autobiográfica. Tenho uma filha, hoje adolescente, que tinha a idade de Violeta (entre 8 e 9) quando escrevi o romance e evidentemente a dinâmica da minha relação real me inspirou e influenciou. Como na vida real não aconteceram situações limite ou tragédias (morte da mãe da menina, necessidade de viagem de aproximação e autoconhecimento, a criança testemunhando conflitos de adultos como alcoolismo, agressão verbal e tensão sexual), parti de uma realidade (minha relação com uma filha alegre, falante) para imaginar como seria em um contexto que exigisse um conflito. Esse possivelmente foi o ponto de partida do romance. E o desenvolvimento da personagem Violeta foi natural, a própria forma dela se comunicar e se posicionar motivou o desenrolar da ação e da dinâmica dos demais personagens. Minha preocupação maior era descrever uma menina precoce, questionadora e de vocabulário vasto (como na vida real era/é minha filha) sem perder a “essência” que se trata de uma criança, não um adulto. Esse era o desafio maior da linguagem da personagem.
A: A esposa, Marla, morta, ela é trabalhada por você no romance de forma a não influir tanto no processo identitário dos dois. Ela é lembrada carinhosamente, mas há em Alberto e Violeta um desejo pela descoberta dos projetos a vir, de agir no futuro? Como foi elaborar o tema da perda nos seus dois personagens?
Cefas: Foi uma parte delicada do processo. A perda de esposa/mãe foi uma tragédia que visivelmente alterou a vida deles de forma drástica. Por outro lado, a trama começa no momento exato em que pai e filha estão em uma praia idílica tentando viver após a tragédia. Então, os personagens teriam de lembrar-se de Marla, claro, mas, sem arroubos ou exageros emocionais; no caso de Alberto, porque ele teria que ser forte o suficiente para criar a filha sozinha e não fazê-la sofrer e no caso de Violeta, por ser ainda criança, apesar de precoce, e ter uma noção diferenciada sobre perda.
Claro que o impacto dos personagens que aparecem na vida nos dois atenua a sensação de perda, justamente insinuando na dupla a possibilidade de projetos futuros, tanto que tive o cuidado – até porque seria a ação óbvia da personagem – de Violeta apoiar o pai em relação a Alice e mesmo se afeiçoar por Camila, como se a criança subconscientemente soubesse que a mãe não mais voltaria e que seria natural o pai se interessar/envolver por outras mulheres. Portanto, a perda nos personagens Alberto e Camila é matizada enquanto algo já vivido, já sofrido e cristalizado, sendo necessária – e a viagem por praias potiguares é uma evidência concreta e assumida disso – a superação total da perda para se “tocar a vida” adiante.