Entrevista com o escritor Luiz Frazon

Luiz Frazon é Educador Social na cidade de Ribeirão Preto, SP. Estudou música, arriscou umas mal traçadas cores nas artes plásticas e faz parte do Sexteto Vocályse: grupo vocal existente desde 2001. Cursou letras, apesar de não concluir o curso e hoje faz bacharelado em Educação Física e Esporte pela USP. Coeditou o Zine “O circense” entre os anos de 2003 e 2007. Aventurou-se como libretista na Opereta Popular de Natal, composição de Lucas Galon. Participou de algumas antologias poéticas. Publicou seu primeiro livro de poemas, Roçando água, em 2009 e em outubro de 2017 seu segundo livro, O nome pela metade, pela Editora Patuá. Confira a entrevista que o autor concedeu à Revista Ambrosia.

Ambrosia: Sua poética com forte noção imagética tenta sondar através da linguagem a questão do conceito que tenta apreender o natural ou a natureza. Somos um pouco ambiciosos em puxar o que é natureza-natural para nosso universo de nomeação partindo, claro, de um código linguístico que tenta relacionar signos linguísticos ao mundo visível. É um tarefa inglória?

Luiz Frazon: Em primeiro lugar, agradeço imensamente por essa entrevista. É um prazer enorme.
Penso que transfigurar a natureza, domá-la ao contorno do verbo e da percepção é, sem dúvida, uma ambição à medida que nos deparamos com sua polivalência cíclica no mundo para os sentidos,  o pensamento e, por conseguinte, a linguagem de mulheres e homens. Solstícios, equinócios, elementos químicos, a pedra, o bicho, a fruição do sol para as folhas, os nutrientes da terra para a raiz, culminando em transformações de tessitura enorme, mas que se condensam na pequena distância entre a  robustez e grosseria do caule à sutileza das flores e fruto, e nos seres que se alimentam e se protegem nessa complexidade expansiva e densa ao mesmo  tempo… Um pouco do todo que a natureza é.
Gosto muito de um poema da Orides Fontela que diz: Duas coisas admiro: a dura lei / cobrindo-me / e o estrelado céu / dentro de mim. Essa releitura kantiana, como a própria poeta diz, remete-nos num certo sentido à uma verdadeira natureza das coisas, e da capacidade de subversão do homem, mais especificamente, à natureza da angústia, daquilo que nos é desvelado em contrastes que nos deixam em estado de aflição e desespero e, por uma capacidade de sublimação poética, de admiração.
De fato, remetemo-nos à natureza para designar algo de essencial, de abissal, porque de certo modo há verdade na natureza. Sua hostilidade, por exemplo, é às claras, sem hipocrisia nem enganações. Podemos nos deparar com uma cascavel pelo caminho, uma cabeça d’água em uma cachoeira em dia de chuva torrencial, ou com um lago de fundo desconhecido conscientes do risco, da possibilidade de uma experiência ruim. De maneira sublime, Byron, como poeta maior, descreve belamente a natureza e finaliza dizendo amá-la mais do que o próprio homem.
Eu, como poeta menor, nesse espaço em que a natureza física e a natureza como metáfora do essencial se confundem (se é que se confundem de fato), muito por ignorância minha ou por falta de um maior arcabouço filosófico, é que encontro um terreno mais palpável, mais familiar para tratar dessas calosidades que me saltam, que me doem e me encantam, em minha relação com a natureza. Este espaço de confusão acaba tangendo para mim uma possibilidade maior de nomeação, de significação. É o meu modo de organizar e desvelar melhor as coisas, uma carta na manga nessa luta que travamos com os limites da linguagem.
A: Há certos traços de coisas-substâncias que buscam uma não coparticipação ao homem como a carne ao sangue. Comemos a carne mas temos pouco contato ao sangue. E esta não relação não seria um ótimo tropos para a arte com seus instrumentos de conflitos-mediação?
Luiz: Acredito que para a arte, de maneira geral, sim, mas é interessante pensar como diferentes linguagens artísticas podem se utilizar deste tropos com maior ou menor maleabilidade. A música, por exemplo, por seu caráter mais líquido, por alcançar lugares que talvez a poesia não alcance, pode, por vezes, alicerçar-se no absoluto, e tornar-se um instrumento mais maleável. A poesia, talvez por ter como matéria prima a linguagem verbal, é mais pedrez, mais dura. Na poesia, não são raras as vezes que, querendo mediar, criamos conflitos. Não seria tão equivocado dizer que a poesia surge, muitas vezes, em algum lugar nessa discrepância, nesse morde e assopra, entre o que queremos dizer e o que realmente dizemos. No entanto, é preciso considerar que poetas maiores são capazes de pegar a poesia no laço, de domá-la à seu gosto. Creio que não seja o meu caso.
A: Há uma ideia de artesanar tanto materiais como conceitos e substâncias através de martelos-formões. Um conceito poético muito interessante. Fale sobre eles.
Luiz: Há uma história que merece ser contada pela figura humana fantástica envolvida: em meados de 2004, eu era estudante de letras em Ribeirão e junto com alguns amigos fazíamos um zine chamado “O circense”. Na época eu estava fascinado pela poesia do Donizete Galvão e decidimos então entrar em contato com ele para saber da possibilidade de ele conceder uma entrevista para o nosso zine, na certeza de que o tempo curto ou outra coisa qualquer o impediria de fazê-lo.
Para nossa surpresa, o Doni respondeu gentilmente todas as perguntas de maneira fantástica e atenciosa, tirando leite de pedra como diz o ditado, o que é, até hoje, uma verdadeira aula de poesia e estética para mim. Eu, então, com muita cara de pau e encorajado pela simplicidade e simpatia dele, resolvi enviar meu primeiro livro de poemas para uma possível leitura crítica. Enviei o arquivo por email esperando receber uma resposta educada, porém negativa com relação à essa possível leitura. Alguns dias depois recebi um envelope com o original do livro impresso e inúmeros rabiscos, anotações, observações… Uma oficina literária particular, como ele mesmo disse. Não satisfeito, o Donizete me apresentou o professor e poeta Alexandre Bonafim, que prefaciou este meu primeiro livro, e o Rogério Barbosa, grande artista de que tenho muita admiração e que havia feito a arte da capa de Mundo Mudo (Nankin, 2003). Os dois gentilmente colaboraram para que em 2009 eu publicasse meu primeiro livro de poemas, Roçando Água.
Posso dizer que, mais do que ter um livro publicado, guardo com enorme carinho e gratidão essa lição de humanidade, de humildade, de alteridade. Enfim, essa não foi a única lição deixada pelo Donizete: respondendo à pergunta inicial, em nossa pequena oficina literária particular, me chamou a atenção, logo de cara, uma observação do Doni em que ele destacava o seu gosto pelo uso de substantivos concretos, e apontou alguns dos meus poemas que traziam essa característica.
A poesia do Donizete é uma poesia de paisagens e de pessoas, da roceira Minas, calcada no real. Dalí surgem suas ruminações. Um modus com que me identifico muito. Ainda assim, percebo que a minha escrita não flui de modo satisfatório para esse entretecer entre o mundo concreto e a ideia, não domino os martelos e formões como gostaria, mas apego-me e acredito muito no trabalho, “a teia, não arte, mas trabalho, tensa”, e na maturidade que virá com o tempo e a experiência na poesia, muito mais como leitor de poesia do que como escritor. No entanto, e isso me serve de álibi, é preciso também considerar que toda ideia inicial, todo programa de arte ou aquilo que pensamos e nos programamos para fazer submete-se à ação do fazer no momento em que este fazer acontece, podendo tomar rumos diferentes, o que Pareyson nos traz de forma fantástica: “A arte é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer.”.
A: O nome não passaria de uma arte de descrever o mundo? Adquirimos conceitos muito mais pelo afeto que traz o nome para perto da gente do que uma especificidade ontológica do nome sobre as coisas?
Luiz: Uma questão muito interessante. Consta uma tradução para o inglês do Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, feita em 1968. Não me recordo quem o traduziu, mas o tradutor ou tradutora renomeou o livro. Essa edição em inglês passou a se chamar The Third Bank of the River and Other Stories. É notório que, para este ou esta tradutora, o belíssimo “A terceira margem do rio” destacou-se significativamente dos demais contos. Eis aí um pequeno exemplo do afeto que perpassa essa especificidade ontológica do nome, da palavra, sobre as coisas.
Acho interessante pensar que a poesia é uma maneira de escancarar a fragilidade da linguagem perante o universo, na tentativa de sublimar algo que tanto nos causa angústia. Num lugar onde o coração é maior que o mundo, às vezes encontramos a rima sem que esta seja uma solução, como tão sabiamente nos ensinou Drummond; é como se soubéssemos do nome apenas a metade, parte dele é um lugar obscuro, indizível. E o nome nos trai à medida que dele esperamos cada vez mais uma representatividade do todo, uma autenticidade do que se deseja expressar, descrever ou nomear. Por essas e outras, sinto que o nome, para mim, é a palavra que nos come.

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