David Byrne, fundador do Talking Heads (banda do hit que marcou os anos 70 e 80, “Psycho Killer” – qu’est-ce que c’est, fa fa fa fa fa fa fa fa fa far better), participou da mesa Tour dos Trópicos na Flip, ao lado do sociólogo e engenheiro, consultor da Associação Nacional de Transportes Públicos, Eduardo Vasconcellos. O nome da mesa é uma alusão ao Tour de France, que está acontecendo neste momento – de 2 a 24 de julho, quando os atletas percorrerão uma distância de 3.430,5 quilômetros de bicicleta pela França – e está na sua 98ª edição (o Tour de France é retratado na animação Bicicletas de Belleville, de Sylvain Chomet).
Byrne exibiu, em sua apresentação inicial, um vídeo bastante motivador com cenas de filmes que tinham pessoas andando de bicicleta. Falou mais sobre cidades do que sobre sua filosofia de vida de usar a magrela como meio de transporte. Para ele, a cidade é um lugar de encontros, de cruzamentos, onde deveriam haver trocas entre as pessoas. No entanto, com o desenvolvimento urbano, elas vieram a se tornar mais favoráveis aos automóveis do que aos ciclistas (“carcentric”, neologismo citado por Byrne). A pergunta que inspirou o músico a escrever “Diários de Bicicleta”, livro onde trata estas questões urbanísticas, foi: “Como chegamos a esta situação atual?”. Ele explicou que o avanço urbano criou muitas zonas mortas pelas cidades, principalmente as dos EUA, como os estacionamentos, por exemplo, “são lugares que mantêm as máquinas das pessoas”, disse Byrne, e espalham uma espécie de veneno que contamina as áreas vizinhas, formando um grande espaço vazio e impedindo que haja alguma forma de interação.
Ele adotou a magrela como meio de transporte desde o começo dos anos 80 e, durante suas turnês, procura conhecer as cidades pedalando. Os registros de sua experiência ao percorrer diversas cidades de bicicleta estão no seu livro, que antes de ser um diário, como o nome insinua, é sobre cidades. Byrne mostrou um gráfico para justificar seu pensamento simples de que quanto mais pessoas usarem as bicicletas para se locomover no dia a dia, mais o índice de acidentes que as envolvem diminuirá, uma vez que menos pessoas estarão dirigindo carros e, conseqüentemente, menos pessoas estarão sujeitas a causar acidentes.
Para finalizar, o cantor disse que acredita que São Paulo tem possibilidades para se tornar apta aos ciclistas pelo fato de ser bastante densa. Mas não é o que pensa o sociólogo e engenheiro Vasconcellos. Segundo ele, o que falta nos países em desenvolvimento, como o Brasil, é cidadania e uma democracia eficiente. Aqui, em terras tupiniquins, não conhecemos nossos próprios direitos e não lutamos por nossos interesses, de acordo com o sociólogo.
Ele explicou que os países ricos passaram por um longo ciclo de desenvolvimento, do qual países em desenvolvimento não fizeram parte. Realmente, havemos de lembrar do lema da campanha do presidente, Juscelino Kubitschek, “50 anos em 5”. Quando assumiu a presidência do Brasil em 1956, aplicou seu ambicioso Plano de Metas por meio do qual pretendia desenvolver diversos setores do país, inclusive o automobilístico e o viário. Para Vasconcellos, este vácuo na história do processo de desenvolvimento do Brasil nos tornou apáticos, de certa forma, a questões de cidadania, interesse público e democracia. Por isso, “construímos cidades hostis a pedestres e ciclistas”, disse ele.
Vasconcellos afirmou que “não podemos ser ingênuos de pensar que vamos mudar nossas cidades em um curto prazo”, uma vez que essa transformação depende também de outros fatores que não os vinculados ao transporte, como a promoção do desenvolvimento da cidadania e a percepção da democracia. Por outro lado, ele vê a conscientização da classe média como um acontecimento positivo, nos dias de hoje, no Brasil. Pois que, segundo ele, “é mito dizer que basta aumentar a malha viária para resolver o problema”, e se desconstruirmos mitos como este e aumentarmos a conscientização, já seria um sinal de melhora em curto prazo.
De fato, a manchete do jornal Folha de S. Paulo tinha razão ao dizer que a mesa ficou com cara de congresso de urbanismo. Mas, afinal, é disso que trata o livro “Diários de Bicicleta”, muito mais profundo do que o nome pode sugerir.