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FLIP: Modos de Olhar – Paraty: lado-B, out-takes e alternative mixes, Parte 2

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Na primeira parte deste artigo comentei algumas mesas de discussão e palestras da Festa Literária Internacional de Paraty, e fiz breves vôos imaginativos inspirados nas discussões literárias que acompanhei. Agora ligo o fio-terra para exorcizar a purpurina que recobre a cidade do sul fluminense nesses dias de badalação. Esta foi a quinta edição da FLIP em que eu e Dani estivemos, e quero colocar na roda alguns endereços e telefones que tornaram nossas viagens mais tranqüilas e prazerosas.

Além disso, existe um lado feioso de Paraty que a imprensa sempre ignorou, para manter o cardápio “harmonizado” para a legião cada vez maior de intelectuais glutões que se esbaldam no FLIP – os jornais falam em 25 mil turistas, mas a cobertura ostensiva nos jornais impressos e televisivos dão prova de como é grande o alcance do evento criado por Liz Calder. É preciso botar o dedo nessa ferida, até porque o poder público local terá sempre o natural interesse de maquiar as condições em que se encontra a cidade. E isso independe das intenções ou da competência desse ou daquele governo municipal.

Antes, porém, me permitam uma última divagação sociológica-de-botequim. Tudo o que sei sobre o Twitter ouvi em mesas de botequim. Não faço idéia de como seja uma página do Facebook. Nunca tive MSN. Levei eras para usufruir das benesses do Trama Virtual porque não tinha saco para preencher mais uma ficha de cadastro. Apesar de estar no Orkut há anos, recorro apenas ao scrapbook e apenas quando me falta o telefone ou e-mail da pessoa com quem preciso falar. O Globo publicou uma longa matéria no Caderno “Digital” de ontem. Segundo comentário da Crib Tanaka, estilista e escritora querida, estou correndo o risco de inexistir socialmente. Confesso: não gosto de textos curtos e de ler amarrado a esta cadeira, olhos fixos nessa tela de computador.

E como uma das cenas mais recorrentes nesta FLIP foi aquela do sujeito encolhido no meio-fio, com o celular feito joystick nas mãos, “twitando” e “re-twitando”, fui obrigado a dar um passo para além da minha perplexidade. Percebo que há uma tendência de adesão eufórica a mídias cada vez mais instantâneas, acessíveis por equipamentos mais portáteis e baratos, e que usam para tanto quantidades cada vez menores de dados. Não me refiro à quantidade de bytes, mas ao fato de que antigamente os textos tinham mais de 140 caracteres e os vídeos costumavam ter mais do que 5 minutos (o padrão de uma obra de ficção não é o longa de 100 minutos? E para os documentários de TV, 40 minutos?). O que me passou pela cabeça é que esse fenômeno seja talvez sintomático de uma transformação mais profunda, que tem relação com os limites biológicos, neurológicos mesmo, da cognição humana.

Diante de tamanha oferta de informação (34 autores palestrando na FLIP, mais de 400 filmes a cada edição do Festival de Cinema do Rio etc), estamos criando uma memória externa, porque intuitivamente sabemos que nosso hardware biológico está no limite de sua capacidade de armazenamento. As bibliotecas (e videotecas, audiotecas etc) já tinham essa função, se olharmos para a humanidade como um organismo social. A novidade é que agora até mesmo o que é de foro íntimo, nossas lembranças e confabulações pessoais, estão alcançando um volume que exige um lugar do lado de fora onde guardá-las. Creio que concordaria comigo a francesa Catherine Millet. Na mesa em que participou na FLIP, ela comentou que colocou sua vida no papel também para “se livrar do peso”. Disse que hoje em dia suas lembranças já não têm autonomia em relação ao registro que fez delas, que já não é capaz de discriminar nos relatos o que é fato e que é criação ou estilo. Quando Catherine quer rememorar o que viveu, lê seu próprio livro.

Vejo dois perigos nisso. O primeiro já está em pauta há anos: a quantidade de ruído, de lixo, que se acumula na rede, engarrafando o trânsito virtual e dificultando a busca pela informação de qualidade. A empresa de armazenamento de dados ECM estimou os dados em circulação na rede em 3 sextilhões, 892 quintilhões e uns (colossais) quebrados. (Novamente, li no Globo Digital de segunda.) Me causa estranheza ainda não se discutir uma certa “consciência ecológica” na criação de conteúdo – afinal, todo mundo chia com o excesso de out-doors e panfletadores em nossas metrópoles. O segundo perigo é estarmos abdicando da síntese, o que indo ao ó do borogodó significa um emburrecimento geral. Quando o sujeito ouve uma fofoca, e dá o “furo” segundos depois em seu twitter, está não só incorrendo nos riscos da imprecisão (e de ser processado por calúnia ou difamação), mas também desperdiçando a oportunidade de, digerindo a informação e refletindo sobre ela, elaborar um pensamento crítico a respeito, ou relacionar aquele fato a outro que surja depois, e que possa revelar algo mais interessante sobre o mundo.

Mas, otimista que sou, vislumbro também uma literatura mais enxuta, exata e poderosa. A extensão das mensagens do Twitter remete ao slogan publicitário ou ao hai-cai. Um dos motivos para que eu prefira a prosa à poesia é minha convicção de que a segunda exige muito mais talento do que a primeira. Evito os poetas porque a maioria deles, nessa difícil travessia, se afoga bem antes da praia. Um dos meus escritores prediletos, Salman Rushdie, escreve poderosas frases que se sustentam por si só. Toda prosa, aliás, é um punhado de momentos brilhantes costurados por maneirismos, clichês e cacoetes necessários para que o conjunto tenha uma aparência reconhecível – e passível de ser comercializada. Se no twitter surgirem escritores realmente empenhados, talvez desponte uma forma literária livre dessas amarras e muito desafiadora. E que provavelmente não me terá como leitor, mas isso é irrelevante.

VIDA DE TURISTA: COMO ESCAPAR DAS ROUBADAS

Espero que os leitores possam usar este “guia particular” para que, na FLIP de 2010, não estejam no “coro dos turistas descontentes”. Horas de espera nos restaurantes, pousadas que cobram os olhos da cara por um serviço chinfrim, redes wi-fi que nunca funcionam, dificuldades de voltar pro hotel depois de uma noitada com a Gabriela, contas altas até para se comer besteirinhas. Todo mundo passa por esse calvário das primeiras vezes. Mas não você, camarada leitor.

Fora do centro histórico, a vida é bem mais barata. Seu dia pode começar na Panificadora Melissa (Avenida Roberto Silveira 15), onde o saboroso combo pão na chapa + pingado custa R$ 1,80. No ponto limite, já que fica colado à ponte, na rua que margeia a Praça da Matriz, onde há tráfego, está a barraca que vende gordurosos e deliciosos pastéis de 30 cm de comprimento. Os preços variam entre 6 e 11 reais. O negócio tocado por Maria Lazzuli é um bom termômetro do sucesso da FLIP: nos 5 dias de evento, vendeu 6 mil pastéis.

Margarida Café

Alguns lugares são careiros para certos programas, mas possuem serviços baratinhos, e até gratuitos. Por exemplo: pagando R$ 4,80 por um caprichado café expresso (que vem acompanhado de um copo de água e 3 docinhos – de limão, canela e goiabinha), você pode passar um tempão utilizando a super conexão à web do computador do Margarida Café. Em volta na máquina, dois confortáveis sofás e mesinhas, onde seus amigos podem apoiar o lap-top e usufruírem ainda da melhor rede wi-fi da cidade. Já o almoço lá é pra quem estiver com bala na agulha. O Margarida Café, que virou a redação do nosso “FLIP: Modos de Olhar”, fica na Praça do Chafariz, sem número.

O melhor cybercafé propriamente dito (mesmo não oferecendo café) da cidade fica na Roberto Silveira 38, e foi montado pelo Erik, carioca radicado em Paraty há quase 5 anos. Aliás, é curioso como a Paraty atual parece ser fruto da FLIP, cuja primeira edição aconteceu em 2003. A Livraria Nova Paraty e o Pastelone, pontos de referência para os visitantes, foram criados há 7 anos. Um dos restaurantes com a melhor relação custo-benefício existe há 6 anos e fica ao lado da Igreja Santa Rita, na área menos muvucada do centro histórico. Não consegui anotar os dados, mas é o que tem um quintal com algumas mesas ao ar livre – em frente, na outra esquina, está outro restaurante, péssimo, uma das maiores roubadas da cidade. Aliás, o restaurante bacana fica em frente à saída lateral da Igreja, atrás da sacristia, por onde sai quem visita o seu interior. Culinária sem muita invencionice, mas acima da média. Estávamos em 5, pedimos 2 pratos, comemos e bebemos bem e pagamos 14 pratas por cabeça. Com matemática parecida, o restaurante Caramujo também faz bonito: Rua Domingos Gonçalves de Abreu 139, em frente à Praça do Chafariz (ao lado do Margarida).

Thai Brasil
Thai Brasil

Já para momentos de vacas gordas, meus dois restaurantes prediletos são a Casa do Fogo e o Thai Brasil (mas até aí, é o predileto de toda a torcida do Flamengo), na Rua Dona Geralda 345 – próximo à Igreja Santa Rita. O restaurante de comida tailandesa é representativo do hype internacional de Paraty: foi criado por uma família alemã e lá trabalham um turco e um uruguaio. Aliás, vale citar dois ótimos restaurantes montados por estrangeiros radicados em Paraty: A Teresa Resto-Bar (argentino, na Rua da Lapa 265) e a Creperia Farandole (francês, Rua Santa Rita 190). Mas voltando aos meus prediletos, recomendação maior faço à Casa do Fogo, na Rua Comendador José Luiz (antiga Rua da Ferraria) 390. Especializado em flambados, foi criado pelo simpático casal Leila e Caju – chef de mão cheia. Se estiver em grupo escolha a mesa que fica no meio da rua (charmosa e pouco movimentada), ou vá para ou um cantos do salão para um clima romântico se estiver com a cara-metade.

Alta madrugada. O tabagista ficou sem cigarros e não acha quem o socorra. Procure o Café do Mercador, na esquina da Rua da Lapa com a Roberto Silveira, em frente à corrente que bloqueia o trânsito no Centro Histórico. Ali em frente, do outro lado da rua, ao lado do escritório de atendimento ao turista da prefeitura, está no restaurante campeão para quem topar abrir mão do clima local. Trata-se de um excelente restaurante genérico, onde os pratos são fartos (um grupo de 5 pessoas pode até se satisfazer com 2 pratos) e os preços são médios – o filé-mignon a Oswaldo Aranha custa R$ 38,80. O restaurante Chafariz fica na Rua Domingos Gonçalves de Abreu, sem número.

Também sem o charme da tradição colonial particular de Paraty, mas com bons preços e ótima comida, está a Esfiharia Camello, na Rua João Luiz do Rosário 10 (a 5 minutos de caminhada do Centro Histórico). O cardápio de cervejas importadas é excelente e a casa funciona até altas horas. Só não vai até o sol raiar, como o genérico de Bob’s que fica na esquina em que se vira para chegar na Rodoviária. Devo ao combo Sandubas Picanha + Aipito (aipim servido como batata-frita) + refri (R$ 9,70) meu restabelecimento às 6 da matina, fechando a madrugada que se iniciou com a festa de lançamento do nosso livro. O Sandubas fica no número 491 da Roberto Silveira.

Todos os lugares comentados neste artigo estão muito próximos uns dos outros. O centro histórico de Paraty é um ovo. Se quiser passar em frente a todos eles, só pra sacar qual é, não gastará nem uma hora de andança. Mas com as crescentes dificuldades para se encontrar hospedagem, o leitor talvez tenha de recorrer a um hotel ou pousada mais distante. Nesse caso o telefone mais imprescindível é o do taxista Christian: 24 9971 9416. É ele quem vai salvar a sua pele quando, depois de uma noitada de muita cachaça, todas as ruas Paraty lhe parecerem desesperadamente iguais. Durante o dia, o carro fica com o Manoel: 24 9918 8192. Para evitar a rebordosa, o ideal é pedir conselhos previamente para o Paulo ou o Casé, do Empório da Cachaça (são duas lojas, uma na Rua da Lapa e outra na Rua Samuel Costa, tels 24 3371 6329 e 7519). Entra as centenas de marcas e receitas, um daqueles destilados deve se harmonizar com seu fígado…

Empório da Cachaça

A maior parte das pousadas anda lotando já em abril e encontrar um lugar ao sol é mesmo difícil. Qualquer rede de dormir vira suíte na lábia dos moradores que, meio “sem querer querendo”, tiram vantagem da superlotação que se dá na FLIP. Das pousadas onde eu e Dani já ficamos, a melhor foi, sem dúvida, a Villagio (Rua José Vieira Ramos 280, tel 24 3371-1870) – simples, porém charmosa, com um café da manhã delicioso, piscina, estacionamento, funcionários simpáticos e a 2 quadras do Centro Histórico. O Hotel Canoas é feioso, mas o chuveiro tem água quente de verdade e os funcionários são muito prestativos (valeu, Benedito, Eduardo, Cristiani e Toninho!).

Uma boa opção perece ter sido a do camarada Estevão, que ficou no Historic Centre Hostel, criado por uma italiana no meio do Centro Histórico (Rua Dona Geralda 211, tel 24 3371 2236). O preço de uma cama nos quartos coletivos (são 14 vagas em 2 quartos) não deve assustar: 400 mangos pelo pacote, em época de FLIP, não é mau negócio. Para quem cai de pára-quedas na FLIP, sem ter feito a reserva com meses de antecedência, dois telefones que vale a pena anotar são o do Bed & Breakfast Paraty (24 3371 7041) e o da Pousada da Matriz (24 3371 1610). As duas ficam na Rua Marechal Deodoro, que sai da Praça da Matriz (o coração da FLIP, onde está a Tenda do Telão) para fora do centro histórico. A Pousada da Matriz é uma hospedaria troppo modesta, onde não se recomenda deixar objetos de valor quando se sai pra passear, mas onde Lobo e Ribas conseguiram ficar no ano passado pagando 250 reais por 3 diárias – uma bagatela em termos de FLIP.

Ali ao lado do Historic Centre Hostel está a livraria Nova Paraty, a única da cidade. Depois de ter colaborado com a primeira FLIP, vendendo os livros que as editoras traziam para promover junto com os autores, a Norma foi excluída da Festa Literária. Nos anos seguintes, sua livraria sequer foi incluída nos mapas e folders que a produção do evento e a prefeitura imprimem. Mas estes contrastes entre a opulência da festa oficial e o estado de abandono de outros lugares de Paraty parecem persistir ao longo do tempo, apesar dos esforços da OSCIP Associação Casa Azul, entidade que produz a FLIP.

UM QUASE APARTHEID: A PARATY PERIFÉRICA VERSUS A PARATY PRA INGLÊS VER

Bonita rua alagada...
Bonita rua alagada...

A livreira Norma nasceu e cresceu em Paraty, de onde saiu apenas para estudar na faculdade McKenzie, em São Paulo, mas o Plano Collor a obrigou a abandonar o curso de Letras. Como a mãe, foi desde a adolescência professora nas escolas da área rural de Paraty. Norma ama a literatura, é solidária aos novos autores (o livro “Clube da Leitura: Modo de Usar” ficou à venda em sua loja nesses últimos dias) e ficou muito feliz ao fazer parte da estrutura oficial da FLIP em 2003. Neste ano ela até tentou movimentar sua livraria: a cantora Maria Rita esteve lá no sábado, autografando seus DVDs. Vender livros em Paraty fora da Festa Literária não é fácil, e na conversa que tivemos, Norma foi lacônica com relação ao futuro do seu negócio.

Aliás, se depender da prefeitura de Paraty o único lugar onde o flipeiro poderá comprar seus livros será mesmo na gigantesca Livraria da Vila, instalada na Praça da Matriz, em frente à Tenda do Telão. Ao que parece o prefeito Eduardo Paes criou moda, e o Choque de Ordem chegou à Paraty. Meu primo Pedro Matos trabalha na editora Multifoco e levou uma banquinha para montar na cidade, como maneira de estudar o terreno antes de, num próximo ano, planejar uma ação de maior porte. Foi aconselhado a desistir, porque perigava perder os livros pro rapa. A Guarda Municipal estava alvoroçada, perseguindo artistas-camelôs que tradicionalmente peregrinam à terra santa da literatura brasileira no esforço de tocar os bispos, papas e santos da indústria editorial, na esperança de serem salvos do limbo comercial em que vivem. Um ou outro mais doidão ou fantasiado fazia seu número, mas os escritores-de-subsistência que costumavam estender um tapetinho no canto da rua vagavam tristes, com a trouxinha espremida junto ao corpo como se fossem doentes escondendo o catéter.

Raquel Souza, que já participou do Clube da Leitura do Sebo Baratos e tem um livro publicado pela Multifoco, viajou na companhia da capista de seu novo livro, a artista plástica Cássia Lírio. Levavam debaixo do braço exemplares xerocados do livro “Suor dos dias frios”, enquanto o poeta maloquerista Berimba as protegia do sol com um guarda chuva cheio de penduricalhos – que funcionava como uma lojinha volante. Correndo do rapa, outro poeta maloquerista, o Pedro Tostes, se deu mal: teve confiscado 16 exemplares do livro “Descaminhos”. Como Berimba escreveu em seu livro “Encarna”: “diariamente / obstáculos / eficientes”.

... na verdade é um esgoto.

Séculos atrás, Paraty era o ponto final do caminho do ouro, que vinha de Minas Gerais e passava pelo que é hoje a estrada que vem de Cunha. O Vale do Paraíba, ali ao lado, já perdeu a majestade há quase um século, quando a economia cafeeira faliu. Os anos de decadência, no entanto, não diminuíram o poder do ouro, que continua com seus mandos e desmandos. Quem não tiver cacife para a aposta imposta pela banca da FLIP, está fora do jogo. (E como nem o lumpesinato literário tem direito a vender seu xerox, penso ainda num banquete em que nem os cães podem comer os farelos que caem da mesa.) Muitas propriedades e negócios passaram recentemente para as mãos de forasteiros, em especial gringos. Uma historinha sobre a especulação imobiliária na cidade: anos atrás Roberto Marinho comprou 3 casas num mesmo quarteirão do Centro Histórico, pagando R$ 400 mil em cada uma. Um capiau tinha uma casa no meio delas, impedindo que o Robertão reunisse os terrenos, e se recusou a vender. Anos depois, se cansou, pediu R$ 1,2 milhão pela casa e recebeu a bufunfa. Desconheço que destino tiveram essas propriedades.

Outra forasteira que fincar raízes em Paraty foi Maria Helena Henriques Mueller. Mas esta história não é sobre um vilão, mas sobre uma heroína local. Trabalhou por 38 anos na UNESCO, até se mudar para uma Ilha a 8 km da cidade, onde vivem 497 pessoas. Pediu demissão logo após a trágica morte de Sérgio Vieira de Mello, pois estava decepcionada pela forma como a ONU e suas instituições irmãs perderam força política e foram engessadas pela burocracia. Antes de voltar, Maria Helena fez um curso na Controladoria Geral da União para desenvolver projetos culturais no Brasil, que se revelou praticamente inútil, já que os trâmites descritos nos livros não correspondiam à práxis do poder público tupiniquim. Acabou se oferecendo para dar aulas de francês e inglês na escola da Ilha do Araújo, onde montou ainda uma biblioteca pública. Pena que a escola esteja no momento vazia. Porque existe uma população ribeirinha e insular que depende de barcos que recolham as crianças para levá-las às escolas, e os barqueiros estão há quatro meses sem receber salário. Há 2 semanas entraram em greve. O dinheiro existe, mas a prefeitura não o repassa porque eles não estão cadastrados numa entidade de classe nos moldes de um sindicato. Lá mesmo, em Paraty, durante o evento literário mais importante do país. Maria Helena, que enfrentou até a guerra civil na Bósnia, não consegue encarar a burocracia estatal brasileira. Quem quiser ajudá-la, pode mandar um e-mail: mhmexpo@gmail.com

Mas o brasileiro não desiste nunca, e Lincoln Garcia é brasileiríssimo. Aos 13 anos, percorre todos os dias os restaurantes de Paraty, no horário das refeições, oferecendo 15 sabores diferentes de bombons – 1 por 2, 3 por 5. Vende em média 10 doces por dia, mas durante a FLIP esse número pula para 60, e no ano passado um gringo que estava no Café Margarida pagou um bombom com uma nota de R$ 50,00 e deixou a diferença de gorjeta. Trabalhando 4 horas por dia, diz que tem sempre grana para manter-se elegante (o brinco transado na forma de um dado, o cabelo modelado com gel e as roupas de marca denunciam a vaidade) e seu sonho de consumo é um quadriciclo que viu à venda por R$ 8 mil. Seu sabor predileto de bombom é amarula.

Lincoln promete que uma das futuras edições do “Clube da Leitura: Modo de Usar” terá o patrocínio de seu império alimentício. Mas se ele apenas nos levar para dar um passeio no seu quadriciclo, a gente já se dá por satisfeito.

Por Maurício Gouveia, participando do lançamento do livro Clube da Leitura: Modo de Usar, Vol. 1, direto da FLIP 2009.

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