Cultura colaborativa! Participe, publique e ganhe pelo seu conteúdo!

Uma louca e perdida existência – resenha de Vozes da Rua, de Philip K. Dick

Stuart Hadley é um jovem charmoso, educado, casado com uma bela mulher, com um filho saudável e dono de uma carreira promissora numa loja de aparelhos de rádio e TV. Retrato bem nítido do sonho americano, Stuart tem a vida perfeita, daquelas tão confabuladas nos Estados Unidos durante a década de 1950. Entretanto, Hadley é um sonhador, sempre perseguido pela angústia de não ver seus ideais na prática. Um inconformista inquieto, que não consegue entender o mundo que o cerca. Assim, ele tentará preencher esse vácuo, primeiro com a bebida, depois com uma amante e, por fim, com o fanatismo religioso. Quando percebe que não encontrará as respostas pelo que procura, decide se entregar à loucura, que afetará a todos que o cercam.

Essa é a narrativa de Vozes da Rua (Voices from the street), livro póstumo de Philip K. Dick, o escritor que piscou em suas obras o futuro que hoje vivemos. Vozes é um retrato sincero de muitos sentimentos que hoje afligem normalmente homens e mulheres do mundo todo. Escrita em 1952/53 e editada a partir de um manuscrito, a obra, como tantas outras do autor norte-americano, explora um momento de sua vida, o período que trabalhou numa loja, consertando eletrodomésticos. E o protagonista, um típico “herói” dickiano, meio que alter ego do escritor, perdido em sua existência e frequentemente cobrado pela esposa, reflexo de Kleo Apostolides, a senhora Dick dos anos 1950-1958 representa ainda uma critica aos diversos líderes underground que predicavam versões peculiares de códigos fascistas e religiosos naquela década.

A história de um homem que entra em depressão, enlouquece e se cura, pode soar repetitiva para alguns leitores, contudo, no caso de Stuart Hadley, sai do outro extremo, numa trilha à loucura, totalmente transformado, retornando à sanidade. O vendedor aprende, ao longo da narrativa, que a procura de sentido ou significado para a vida é um desejo egoísta de satisfação, que sempre estará fadado ao fracasso, como a sociedade americana. E analisando o autor da narrativa, Vozes da Rua é uma ficção bem impar, pois grande parte da obra de PKD, está generalizada como sci-fi, e seus romances sociais ou políticos não eram aceitos pelas editoras, por isso que poucos saíram do papel. As que saíram ficaram conhecidas como psico-proletárias, as quais “Confissões de um Artista de Merda”, (tradução literal de Confessions of a Crap Artist), In Milton Lumky Territory, Humpty Dumpty in Oakland o The Man Whose Theet Were All Exactly Alike ainda sem tradução. Os demais foram consideradas perdidos ou estão em outra dimensão, os quais podemos citar: os manuscritos de Return to Lilliput, The Earthshaker, A Time for George Stavros e Pilgrim on the Hill.

Segundo o especialista Johantham Lethem, Dick é um desses escritores donos de uma rara qualidade: seus livros inspiram sentimentos. E nas últimas décadas, após prover o cinema com Blade Runner, O homem duplo ou Minority Report, é considerado um dos grandes nomes da literatura norte-americana, ao lado de Herman Melville e Edgar Alan Poe. Bem diferente, quando vivo, quando incomodava por suas teorias, entrevistas, fobias e conferências a crítica e o público americano. Um pária que fustigava seus colegas, que desesperava seus editores por abordar em seus livros sci-fi um futuro bem mais próximo que os demais autores do gênero. Um paradoxo que por trás de andróides com defeitos, colônias interplanetárias sórdidas, morto-vivos ou indivíduos que ingerem substâncias ciberpsicodélicas, encontramos a dissociação psicótica e a catástrofe amorosa e profissional como temas e situações habituais.

Um bom livro, mas não daqueles surpreendentes, de narrativa simples e um ritmo inconsistente, mas eficiente em transmitir a angústia do protagonista da história. E uma fascinante história sobre a morbidez humana. Boa leitura.

Compartilhar Publicação
Link para Compartilhar
Publicação Anterior

Adeus Harvey Pekar, grande mestre dos quadrinhos

Próxima publicação

Bitscópio: Mario Kart

Comentários 7
  1. Tenho que catar esse. O PKD não era exatamente um bom escritor, não tinha muita técnica. Era sim, um cara muito inteligente, paranóico, prolífico e muito a frente do seu tempo. A obra completa dele é para se ler aos poucos por toda a vida, até por que é livro pra cacete hahaha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia a seguir