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Entrevista com o cartunista Daniel, autor do livro "Merzbau"

Influenciado pelo Dadaísmo, se utilizando de matizes surrealistas e influências de Quadrinhos Gonzo, o cartunista Daniel Lima concebeu o livro em quadrinhos com o nome Merzbau, lançado pela editora Oito e Meio. O artista, formado em Design Gráfico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e concluindo mestrado em História da Arte, contou para o Ambrosia sobre o processo de criação de sua obra.
 

  • De onde vem o nome Merzbau?

Tirei da obra magna de Kurt Schwitters que era um artista alemão de Hannover. O movimento Dadaísta surgiu em Zurique em 1916. Em 1917, o alemão Richard Huelsenbeck, participante do grupo fundador do movimento, voltou para a Alemanha levou as ideias com ele. Em 1918, surgiu o Clube Dadá em Berlim, e outros artistas como Marx Ernst já estavam realizando trabalhos em Colônia. A partir de 17, Schwitters começou a fazer seu próprio dadaísmo em Hannover e entrou em choque com o Huelsenbeck. Daí, ele começa a desenvolver seu trabalho, mas se recusando a chamar de Dadaísmo. Então, fazendo uma colagem, ele cortou a palavra kommerz que é comercio em alemão e aí ficou Kom Merz. O Merz era sonoro, não queria dizer nada e resolveu usar para batizar sua arte. Quadros, desenhos, música e a obra magna é o Merzbau (construção merz) que começou com uma escultura chamada Catedral da Miséria Erótica, uma escultura no meio de sua casa que ele foi acrescentando elementos e acabou ocupando a casa inteira. Um processo aleatório, intuitivo por assemblagem de construção. Houve várias versões, o primeiro foi destruído na Segunda Guerra, o segundo tentou fazer na Noruega e pereceu em um incêndio; depois de migrar para a Inglaterra, fugindo da ocupação nazista na Escandinávia, tentou fazer um terceiro mas morreu antes, ficou só uma parede que hoje está na Tate Gallery. Peguei emprestado esse conceito para os meus quadrinhos.
 

  • Quanto ao processo de concepção da HQ, levou quanto tempo pra ideia se concretizar?

Eu pensei em fazer como Schwitters, juntar varias coisas, criar uma ordem e organizar do jeito que eu quisesse, como uma banda escolhendo musica para fazer um álbum. O meu Merzbau original não era um livro, era uma revista que eu fazia no formato da Mad. Eu tentei usar o método de criação, de colagem, de pegar outras referencias. Academicamente eu peguei essas fontes do Dadá e do Surrealismo e por 2 anos procurei ideias, coisas no mundo e minhas próprias coisas, inclusive sonho e muito processo de desenho escrita automática.
 

  • Além, claro, da Arte Dadá e do Surrealismo, que mais tinha de referência impressa no livro?

Na obra original, Schwitters usou todas as suas paixões, gostos e desgostos. Então ele botava referencias a coisas de que ele gostava, amigos, livros que leu, filósofos. Partindo da mesma ideia fiz uma coisa minha, o que eu gosto, leio, filmes, e tal. Daí, o que saiu nas historinhas foram referencias a Cultura Pop, filmes, e a outras historias.
 

  • Que filmes, por exemplo?

Tem uma historia chamada “Uma Reflexão”, que é sobre filosofia e espiritualidade, que tem referencia a “2001” (de Stanley Kubrick). Há uma outra história chamada “O Fantástico Show da Vida” que tem um cartaz do “Massacre da Serra Elétrica” na parede do quarto em que o casal está se pegando. A balada de Cristal Lake City é claramente baseada em “Sexta Feira 13”, enfim, muitas.
 

  • E referências de Quadrinhos?

Diretamente, posso pensar na historia das fadas que é a minha preferida, que eu fiz descompromissadamente na faculdade pra implicar com uma namorada que eu tinha que gostava de fadas. Fiz uma história em que as fadas eram erradas e saiam na porrada e quando eu peguei o original, que era bem tosco, eu resolvi transfigurá-la para uma coisa de referencias mangá de luta, como Dragon Ball Z. Daí estudei a estética dos mangás que eu já lia, e coloquei os olhões, letreiros em japonês. Eu cheguei, em uma época a baixar um curso de Japonês da Faculdade de Michigan, aí botava umas coisas escritas em japonês.
 

  • E os Quadrinhos Gonzo, eles também exercem uma forte influência, não?

Sim, quando comecei a ler a revista Tarja Preta, já conhecia alguns daqueles quadrinistas como o Alan Sieber, o Johandson Rezende, que é meu amigo há quase 20 anos, e percebi que tinha toda uma galera que estava nesse lance de botar putaria, drogas, palavrão e politicamente incorreto nas historinhas e eu me amarro, pois fui adolescente nos anos 90 e curtia coisas como Beavis e Butthead, o filme “Como Enlouquecer Seu Chefe”, que também é do Mike Judge (criador da dupla), então eu já tinha essa referencia e no inicio dos 2000 eu vi muita gente pegando essa linha e eu fui me inspirando sobretudo nos nacionais fora Crumb, “Freak Brother”, Harvey Peaker. Isso tudo eu cito no Merzbau, da mesma forma que um DJ que mixa. O Fat Boy Slim, por exemplo, lista todos os vinis que ele usou nos álbuns. Há uma parte do livro que eu listo as influencias.
 

  • E o Merzbau é uma obra que se encerra nela própria ou deixa aberto para mais números?

Olha, eu sou muito louco nas minhas coisas e sempre penso dez passos à frente. Eu pensei em fazer o Merzbau novamente partindo do conceito em que o Schwitters ficou durante anos alterando sua obra. Houve uma fase inclusive em que ele pintou tudo de branco e colocou até umas madeiras, e ficou tudo geométrico construtivista, era uma obra sempre andamento que o artista ia modificando conforme seu estado de espírito e visões do mundo. Esse conceito eu também trouxe pro meu Merzbau. Então eu pretendo ir criando e que a obra nunca seja uma coisa fixa, eu pretendo mudar futuramente, usar outros traços, outras referencias, fazer HQ com colagem só que no primeiro não quis gastar todos os recursos, então fiz “de leve”, mas eu penso em um projeto de fazer 100 volumes. Se eu fizesse em uma base bimestral eu já calculei que levaria 17 anos e meio.
 

  • Então o segundo já está a caminho?

Já escrevi os seis primeiros, foi assim que eu vendi para a editora já tinha seis volumes escritos, mas só um finalizado. Então o 2 e o 3 já tenho as historias escritas, tenho coisas na cabeça porque eu sou esse tipo de maluco que já tem na cabeça os layouts e a diagramação. Tem umas histórias que vem com a indicação “continua”, porque eram muito grandes pra colocar só no número 1. A Balada de Cristal Lake City é dividida em 3 partes, então já bolei as parte 2 e 3. A das fadas será uma saga mangá em 25 capítulos, já escrevi até o 3, a partir do 4, tenho o argumento. Embora não tenha colocado no papel, eu sei como termina a historia, a guinada que vai dar. Vou dar um break na trama, tipo um “intermission”, que tem a ver com a história. Vou anotando e vou fazendo.
 

  • E qual seria a essência desse próximo Merzbau?

O Merzbau não tem historia fixa salvo uma e outra. Eu pretendo que sejam várias historias com começo meio e fim, não tão grandes, para haver uma variedade. Até porque no conceito original que vou perdurar com ele, cada volume tem um tema. Os quadrinhos refletem aquele tema. É até um desafio que eu me impus, que as histórias continuem, elas tenham que, a cada volume, aquele capitulo se adequar ao tema do volume. O tema do 1 é o próprio Merzbau, era pra ser um cartão de visitas mesmo; do dois, conflitos humanos, e do 3, fantasia.
 

  • E tem alguma previsão de alguma dessas tiras se transformarem em Animação com trilha sonora? Pois você tem uma banda, a Gangue Morcego…

Eu pensei em fazer uma animação chamada Merzbau, da mesma forma que o Monty Phyton quando gravou o primeiro filme “E Agora Para Algo Completamente Diferente” eles simplesmente pegaram vários esquetes da TV, costuraram e fizeram o filme. Eu pensei em justamente nisso quando tiverem vários Merzbaus, pegar alguns elementos, coisas novas e fazer animação chamada Merzbau também com inspiração na Liquid Television, várias coisas desconexas em pequenos episódios, então pretendo fazer quando tiver um imaginário maior. E sobre outros projetos tenho vontade de fazer graphic novel, já tenho umas ideias e já estou tentando desenvolver o roteiro.

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