Olhares & Observações: Magia no RPG

Desculpem o atraso, última coluna do ano (provavelmente a última matéria do Ambrosia esse ano também)…

Seguindo uma temática similar aquelas expostas nas colunas anteriores, no caso a religiosidade, optei por discorrer sobre algo que é quase um sinônimo de RPG, a Magia. Meu intuito com este pequeno artigo é discorrer sobre como a mesma aparece nos jogos, como ela funciona e sobre que formas ela pode assumir contextualmente.

No início

A primeira edição do D&D
A primeira edição do D&D

Desde o primeiro jogo de RPG, o D&D, a magia era um elemento fundamental, embora escasso. Na primeira edição, apenas Magos, Clérigos e Elfos (para aqueles que não sabem, não havia distinção entre classe e raça) eram capazes de lançar magias, por sua vez em número bastante reduzido (e não havia nenhuma vantagem aparente de se jogar com um mago, tendo em vista que o elfo podia lançar a mesma quantidade de magias e ser um bom guerreiro ao mesmo tempo, mas até aí, nada era feito com o intuito de ser balanceado). Ele funcionava da mesma forma como hoje (quer dizer, na quarta edição isso mudou), todos os dias os magos tinham que preparar suas magias por uma hora antes de lança-las e depois de realizadas, o mago esquecia sua fórmula (a terceira edição melhorou isso levemente, ao dizer que toda magia era um grande ritual que ficava preparado esperando um último gesto para ficar pronto). Ainda sim, haviam menos limitações no que concerne a aprendizagem da magia, bastava que o praticante tivesse acesso ao feitiço que ele poderia escreve-lo em seu grimório sem custos. Ainda que este sistema, denominado vanceano, tenha um reinado bastante longo, perpassando diversos jogos e três edições de D&D, sempre o achei horrível, e devo confessar nunca conheci alguém que realmente gostasse do mesmo. Ele é completamente incompatível com qualquer traço cultural mágico de nosso mundo (dizem que de propósito), é pouco versátil e lento, algo genuinamente ruim. Mas foi através dele que as cortinas para magia foram abertas no RPG.

A segunda edição de Rolemaster em 1984
A segunda edição de Rolemaster em 1984

Em 1980, junto do tremendo sucesso do AD&D e de outros títulos como Runequest, foi lançado o Rolemaster, que trazia pequenas inovações em seu sistema mágico. Basicamente, ele era dividido entre canalização (chanelling), essência (essence) e mentalista (mentalist). O primeiro era o escopo divino, a magia era algo canalizado das esferas superiores e de seus lordes (os deuses), o segundo se tratava da magia mais tradicional, que tirava energia dos arredores, o mana e etc, e por fim, os mentalistas, que eram psíquicos ou seres que retiravam seus poderes de si mesmos. Infelizmente, quando se chegava ao jogo per se, as três origens se resumiam a dezenas de spell lists diferentes que pouco acrescentavam a construção de um bom sistema de magia. Quando a segunda edição foi lançada, em 1984, pouca coisa mudou: as três origens ainda permaneciam, e ainda que as Spell lists tenham sofrido modificações, o jogo ainda era muito similar.

Capa da segunda edição de GURPS
Capa da segunda edição de GURPS

Alguns anos depois, já em 1986, a primeira edição de GURPS foi lançada e trazia com ela um sistema de magia bem melhor do aquele apresentado pelo D&D. Basicamente, cada feitiço poderia ser tratado como uma skill baseada em IQ, aliada a vantagem “Magery” (confesso que não tenho certeza se na primeira edição já era assim, mas é desta forma que o sistema se encontra hoje) e que exigia o gasto de uma energia mística (o mana). Ainda que fosse a melhor aproximação de um sistema mágico até então, faltava muito para que o mesmo fosse verdadeiramente bom. Na minha opinião o primeiro bom sistema de magia em um RPG sairia dois anos depois, em 1988, pela mente de Mark Hein “bolinha” Hagen.

O Ars Magica era um jogo situado em uma Europa medieval mítica, onde os jogadores interpretavam magos herméticos e sua corte, em um sistema que desde as mecânicas mais básicas subjugavam o status quo do RPG oitentista, dando um enfoque muito maior na ambientação e interpretação, com poucas regras e praticamente nenhuma das “tabelas”. O sistema de magia de Ars Magica não poderia ser mais simples e funcional, ele se dividia em técnicas, verbos que simbolizavam palavras de comando como: criar, mudar, destruir; e formas, substantivos que indicavam o que seria alterado no mundo, para estes temos coisas como: animais, fogo, mente, corpo, imagem e etc… Ou seja, quando um mago queria produzir fogo ele precisava ter a técnica criar (creo) e a forma fogo (ignem), unindo as duas (Creo Ignem) ele seria capaz de tal feito. Esta mecânica mágica foi completamente revolucionária em seu tempo e preparou terreno para mais um trabalho de Hein Hagen que mudaria a forma de se utilizar a magia nos RPGs.

Primeira edição de Ars Magica
Primeira edição de Ars Magica

A licença sobre o Ars Magica seria comprada por uma pequena editora de RPG, a White Wolf, que em 1991 mudou completamente o próprio conceito do que era RPG ao lançar “Vampiro: a Máscara”, que a levou ao total estrelato, superando o D&D em vendas e popularidade durante todo os anos noventa. Pouco tempo depois de seu primeiro grande filho, nascia do Lobo Branco o que todos na época sonhavam ser uma continuação para o Ars Magica, Mago: A Ascensão.

O público se surpreendeu ao ver que as casas herméticas eram agora apenas uma entre oito tradições principais, cada uma com um enfoque e entendimento diferente do que era a magia. O conceito principal? Magos podem fazer qualquer coisa, eles são artífices da própria realidade, fazer magia é impor sua vontade sobre o mundo. A primeira edição tinha um enfoque bastante diferente do qual estamos familiarizados, ainda não havia uma presença tão dominante da tecnocracia, os principais entraves eram dados a partir da escassez de Nodos no mundo, e a batalha sobre os mesmos. É na segunda edição, lançada poucos anos depois que o cenário assumiria sua forma tradicional, colocando em seu centro a disputa e crise de paradigmas e conceitos de realidade. De muito longe, o jogo mais inteligente e interessante da White Wolf. Para aqueles que desconhecem, o sistema mágico funcionava a partir de nove esferas, que vislumbravam todos os aspectos da realidade (elas eram: forças, vida, mente, espírito, primórdio, matéria, espaço, entropia e tempo). O personagem tinha um domínio sobre esses aspectos que variavam de um (princípios básicos, compreensão sensorial) a cinco (controle quase absoluto sobre aquele aspecto da realidade). O problema é que o paradigma contemporâneo não acredita nos despertos (como os magos se denominavam ao terem despertado para uma realidade superior), portanto qualquer alteração mais poderosa da realidade (denominada alteração vulgar) ia contra o paradigma comum gerando um paradoxo que poderia até mesmo destruir o mago naquele momento. A existência de paradoxo colocava em jogo um novo e interessante elemento, assim como a versatilidade suprema dada pelo sistema. Este talvez acabou se tornando o maior problema do livro, narradores tinham medo de dar esse grau de liberdade aos jogadores, estes muitas vezes ou ficavam perdidos com o que poderiam fazer ou abusavam de fato do poder das esferas. Em resumo, ainda que um jogo maravilhoso, ele sofreu por não conter nenhum tipo de amarra, algo que foi um pouco remediado na terceira edição, quando o paradoxo se tornou uma força ainda mais poderosa.

Capa da segunda edição de Mago: a Asncensão
Capa da segunda edição de Mago: a Asncensão

Vale mencionar também que quando a nova linha da Idade das Trevas foi lançada, Mago ganhou seu segundo cenário histórico (o primeiro era a renascença), onde parte das regras e da liberdade foi limitada, já que naquela época as tradições ainda não haviam se unido e cada um tinha seu próprio paradigma mágico praticamente incompatível com os demais. O livro só ganhou um suplemento e infelizmente foi cancelado junto com toda a linha antiga do WoD.

A atualidade

O que aconteceu de novo nos últimos dez anos? Como a mágica vem sendo trabalhada em edições mais recentes dos sistemas citados?

Com o surgimento do D20, dezenas de modificações ao sistema vanceano apareceram, trazendo uma infinidade de sistemas mágicos melhores para serem usados em crônicas de D&D. Há pouco tempo atrás o blog .20 , no qual meu companheiro de categoria, Nume também é redator, apresentou dezenas dessas modificações feitas no D20 e recomendo a visita a tal artigo, para aqueles que querem se aprofundar melhor nesse sistema em específico.

Capa de Gurps Thaumatology
Capa de Gurps Thaumatology

A quarta edição de GURPS melhorou muito o jogo, dando uma polida no mesmo e uniformizando diversas regras. Foi para a quarta edição também que saiu um dos melhores livros sobre Magia em cenários de RPG: GURPS Thaumatology. Um compêndio de novas regras para modificar inteiramente o sistema mágico de sua crônica, lá tem não só uma melhora ao típico “lista de feitiços”, como também o modelo “verbo e substantivo”, “magia como alteração da realidade” e etc… É um livro muito legal de se ter até para quem não joga GURPS, pois realmente te ajuda a pensar e desenvolver mudanças dentro de sistemas mágicos.

Sobre o Ars Magica, já em sua quinta edição, pouca coisa realmente mudou nele. O método “forma+substantivo” continua funcionando, ainda que agora existam pequenas alterações em termos de efeito, existem regras para magias com concentração, magias através de rituais e outras coisas (a maioria implementada na quarta edição).

Capa de Mago: o Despertar
Capa de Mago: o Despertar

Com o fim do Mundo das Trevas original a White Wolf resolveu reiniciar a partir de uma nova abordagem todas as suas linhas de jogo. Daí nasceu Mago: o Despertar, um jogo que conseguiu manter a maioria das qualidades de seu antecessor, e suprimir os defeitos. No novo jogo, que devo dizer desde o ano passado me tomou de assalto e me deixou fanático, a maior tradição mágica do mundo é um arcaico modelo que diz ter origem na antiguidade remota (a maioria dos ocidentais liga essa afirmação a tradição atlante, mas existem diversas outras interpretações desse mito ao redor do mundo), ainda sim, as tradições mágico-religiosas do nosso mundo estão presentes e bem representadas. O sistema de magia em si, que é o ponto dessa coluna, é bastante semelhante ao seu antecessor, mas ao invés de ser dividido pelas nove (agora dez) esferas, ele possui 13 práticas mágicas que perpassam do primeiro (com a primeira prática sendo perceber) ao quinto nível (as últimas são criar e “des-criar”). O sistema passou a ser mais coerente, e para aqueles que não gostam de desenvolver seus próprios efeitos foi dada muito mais relevância as rotas, magias já prontas que podem aparecer em grimórios ou ser ensinadas uns aos outros. Mago é o maior livro já publicado pela White Wolf, e boa parte das páginas dele foram dedicadas ao sistema de magia, portanto seria impossível resumi-lo por aqui. Posso afirmar que ele é muito funcional e fluido uma vez que se começa a jogar com ele, e praticamente todos os problemas que se encontravam na ascensão foram resolvidos.

Concluindo, sei que deixei de fora uma penca de sistemas de magia, como o de CoC e a quarta edição do D&D. Optei por descrever apenas aqueles que já testei em mesa mesmo, e que me são mais familiares. Espero que vocês tenham aproveitado esse pequeno resumo da evolução da Magia dentro do RPG, e que a discussão e descrição de outros sistemas continue nos comentários.

Tenham um bom jogo e muito xp para 2009.

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Comentários 9
  1. A Ascensão e o Despertar são, para sempre, meus jogos de Mago. De fato, o que o Desértar fez foi por o jogo de volta na “literatura” que era o Ascensão. Dar mais coesão e sentido ao sistema mágico foi o grande trunfo. O GURPS Magia foi um bom compêndio de idéias, como a maior parte dos suplementos de GURPS, entretanto a Magia não pode ser apenas mais uma “mecânica” como era a” Magic as a Mental Skill”. Os sistemas mágicos que utilizam a verbalização dão cor e narrativa ao imponderável, pois “mágica é o impossível sob as ordens da vontade e da imaginação”.
    PS: Uma pena que o Witchcraft (um bom RPG de Magos e Bruxas modernas) não ter sido publicado no Brasil, nos idos de 96. Com certeza veríamos uma verdadeira “Guerra da Magia” entre os fãs de um e do Ascensão.
    PS2:O denso sistema de Magia de SHADOWRUN (2ª edição) merecia uma citaçãozinha, ali perto de GURPS! hehehe

  2. pior que eu tenho o witchcraft, mas sempre o vi como um jogo que tentou ser da WW e não conseguiu… É muito semelhante em tema e clima, um irmão menor da ascensão….
    Como disse, muita coisa ia ficar de fora, o que o sistema de shadowrun tinha de tão legal? é um jogo que não devo ver a cara há mais de 10 anos… rs

  3. Bem, pelo que me recordo, havia uma gradação de poderes (os Bruxos Plenos e os Iniciados Somáticos), dois estílos de Mágica (Xamanística e Hermética), hyavia teste com Pilhas de Dados Extras para magia, sem falar no “feeling” cyberpunk de se aprender feitiços arquivados em Rede ou em disquetes, hehehehe SHADOWRUN viverá novamente! hehehe

  4. Ótimo artigo!
    Quanto a shadowrun: não esqueçam os espíritos!!! Me diverti muito com xamãs invocando espiritos de tempestades no meio da rua!!! Além do mais, tinha tb a viagem astral, q podia ser bastante útil (se vc tivesse alguns samurais pra protegerem seu corpo).

  5. Sou suspeito para falar (mas vou dizer umas palavrinhas mesmo assim)!
    Sempre fui fã de magia nos RPGs. Meus personagens favoritos sempre foram magos, bruxos, feiticeiros, xamãs e qualquer outro conceito que permitisse a interpretação deste tipo de personagem. A mágica realmente exerce essa fascinação sobre mim.
    Mas quando li Mago: A Ascensão pela primeira vez, meu mundo de jogo virou de cabeça para baixo. Percebi ali que tudo que eu achava que entendia sobre magia na ficção era pura balela. Embora os demais sistemas mágicos cumprissem seu papel, nenhum deles evocava tão bem a noção de magia como a obra de Phil Brucato.
    Resumindo: Mago: A Ascenção é Mágika com “K” maíusculo. Os demais são magia limitada.
    PS: E que venha Mago: O Despertar.
    PSS: Confesso que eu também arrastava uma asinha de morcego pelo Witchcraft…

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