Morte Especial

Para aqueles fãs que tem lido nosso mês especial do Sandman aqui no Ambrosia, não poderia faltar a revisão das duas principais histórias da mais adorada dos personagens de Gaiman, a Morte. Como o nosso caro Felipe já falou sobre a personagem, eu vou me ater as histórias.

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Em 2006, a Conrad lançou a coletânea Morte de Neil Gaiman, um especial com capa dura e acabamento de primeira unindo as duas principais histórias solo da Morte que foram escritas por Gaiman e mais uma série de extras.

Neste especial temos as história “Morte: O Alto Preço da Vida” e “Morte: O Grande Momento da Vida”, ambos já lançados anteriormente no Brasil em formato americano pelas diversas editoras pelas quais as histórias de Gaiman passaram.

Para começar, O Alto Custo da Vida. Essa história foi lançada em 1993 e conta com as pinceladas de Chris Bachalo e Mark Buckingham na história e capas do eterno Dave McKean.

Imagine que um dia, a cada século, a Morte se encarna em uma pessoa e vive como um ser humano, respirando, comendo, vivendo sua vida, para melhor entender a existência daqueles que ela será a última companhia. A última guia. Nesta história, vemos um jovem com tendências suicídas chamado Sexton que, por acidente, se encontra com uma jovem gótica chamada Didi. Ela o ajuda depois dele se acidentar em um lixão e ambos passam o dia juntos.

No caminho eles esbarram em figuras estranhas como Hettie Louca, uma mulher que viveu 250 anos e quer saber onde a Morte escondeu seu coração há mais de cem anos. Temos ainda um homem cego chamado meramente de “O Eremita” que quer de todas as formas entender os poderes sobre a Morte e a Vida, tentando aprisionar esta junto de Sexton.

Didi a todo momento se deixa entender como a Morte, sendo ao mesmo tempo doce e profunda em suas ponderações sobre a vida. Sexton, o então suicida, acaba por se apaixonar por ela e descobrir que há muito mais na vida do que ele achava em suas considerações iniciais. A idéia de vermos a Morte personificada e vivendo entre os humanos para entender melhor nossas relações não é nova.

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O aspecto religioso desta história eu deixo para o artigo do Felipe, já, em relação ao cinema, é comigo. O primeiro filme a tratar deste assunto foi “Death Takes a Holiday”(1934) com Frederic March em que, por um fim de semana a Morte se torna um Duque e vive na Terra. O filme marcou tanta época que foram feitos diversos remakes dele, entre estes, “Encontro Marcado”(1998) com Brad Pitt no qual este escolhe um humano que está prestes a morrer (Anthony Hopkins) para ser seu guia na Terra.

O diferencial de Gaiman é que ele faz com que nós fiquemos constantemente na dúvida se Didi realmente sabe que é a Morte ou se ela é apenas uma menina que pensa que é a Morte. Nós podemos vislumbrar espectros da Morte em Didi constantemente, mas é como se ela, ao encarnar no corpo da mesma, tomasse parte da personalidade de sua hospedeira. As situações que Didi e Sexton vivem durante todo o dia que passam juntos mostra que em apenas um dia, podemos fazer muito mais do que se imagina, podemos experimentar a vida de uma forma que nunca imaginamos e ainda assim damos tão pouco valor a ela, não por ela não valer, mas por não nos preocuparmos em viver intensamente por pensarmos que sempre haverá um amanhã.

Gaiman mostra que nem sempre há um amanhã e quando uma pessoa descobre que tem um prazo de validade (todos temos!), ela resolve que tem que viver intensamente ou remoer-se em medo e dó de si mesma. A protagonista da revista é a Morte e não Sexton. Quem passa todas as mensagens é ela, Sexton apenas está ali como um contra ponto a ela. Quanto mais vemos ele, mais adoramos ela por ser tão mais alegre, apesar de gótica, do que ele. Sua alegria pelos poucos momentos que ela tem de vida mostram que nem tudo é ruim e que sempre há alguém em piores condições e que precisam de sua ajuda, mesmo que seja uma velha louca que esqueceu seu próprio coração ou um cego que há muito esqueceu como é enxergar de verdade.

Na segunda e mais profunda história, “O Grande Momento da Vida”, voltamos a ver antigos personagens que Gaiman já havia usado em “Um Jogo de Você”, Donna Cavanagh (nome da cantora Foxglove) e Hazel McNamara, sua companheira lésbica. Essa história é de 1996. Nela, vemos que a carreira de Foxglove, que apareceu também em “O Alto Custo da Vida”, deslanchou, enquanto seu relacionamento com Hazel decaiu vertiginosamente, mas há algo mais no ar.

Enquanto acompanhamos Foxglove, alguns fatos vão ocorrendo. Seu empresário Larry morre no avião que o levava a Los Angeles e aparece em um devaneio de Foxglove dizendo para ela fazer o que Hazel mandasse, enquanto isso, Hazel pede desesperadamente, por telefone, que Foxglove volte a Los Angeles porque ela precisa dela, isso tudo, em verdade, porque algo mais está acontecendo e é a trama que aos poucos se abre perante nós como as asas de borboleta que aparecem nos sonhos de Foxglove.

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Em verdade, Alvie, o filho de Hazel havia morrido, e em troca dele ter mais tempo de vida, Hazel oferece a si ou outra pessoa, depois de um tempo, para ir no lugar dele. Esse ato desesperado une Foxglove, Hazel, Boris (o guarda costas de Foxglove) e o modelo de cuecas budista acompanhante de Foxglove em uma curta jornada pelo reino da Morte, em que, um deles não poderá voltar.

A história trata muito sobre os problemas que as pessoas sofrem ao terem suas vidas particulares caindo em domínio público em razão da fama, ao mesmo tempo que trata das coisas que fazemos como um último ato desesperado para tentar salvar aqueles que mais amamos. As escolhas feitas pelos personagens a todo momento durante a história os marcam para sempre, mesmo que um deles não irá viver para contar sua história.

Os temas filosóficos que permeiam a história nos fazem olhar para nossas vidas e pensar se realmente aquilo tudo que fazemos, com ou sem propósito, no final irão ou não influir no pós vida. A Morte aqui é a coadjuvante no qual as histórias de vida de Foxglove e Hazel são analisadas e como as responsabilidades de cada uma, pesadas.

Na mitologia egípcia, para se ganhar o direito da pós morte, o coração da pessoa era pesado e deveria ser mais leve ou igual a pena de Anúbis. Aqui vemos este tipo de fato ocorrendo, mas ao invés de pegar o coração literalmente, vemos cada uma das duas abrindo suas almas para a outra e vemos que, no final das contas, o que irá importar é o altruísmo de uns para com os outros. Nossa bondade, se pesada na hora crítica, é a grande escala de nossas vidas e a redenção de um poderá significar a vida de outros.

Não sou lá muito bom pra tocar nestes assuntos, especialmente porque chega em certo momento que minha cabeça começa a falar mais que minha boca e eu perco o fio da meada. Mas, acho que deu para passar a mensagem.

A edição especial ainda tem em si uma história desenhada por Dave McKean em que a Morte, com a ajuda de John Constantine, fala sobre doenças sexualmente transmissíveis. Ainda, diversas ilustrações desta por grandes artistas como Moebius, Bill Sienkiewicz e Ricl Berry, bem como introduções escritas por Tori Amos e Claire Danes em cada uma das histórias.

Para os fãs é obrigatório, para os que estão começando a apreciar o universo de Gaiman é uma das revistas mais fáceis de se habituar com os temas e personagens, bem como o modo de narrativa.

J.R. Dib

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