Ao colocar a personagem do Padre Cícero em um momento absolutamente crucial de sua existência – a passagem da vida para a morte – a encenação tem como proposta principal apresentar de forma poética, rompendo as unidades de tempo e espaço, passagens significativas de sua vida assim como os vislumbres que Cícero teria do futuro de tudo aquilo que um dia ajudou a fundar. O espetáculo fica em cartaz de 19 a 22 de junho – somente quatro apresentações (quinta a sábado às 19h e domingo às 18h), no Teatro Glauce Rocha (Funarte), no centro do Rio, integrando a mostra “Teatro, Mito e Genealogia”, de Samir Murad.
Fazendo uma retrospectiva crítica da própria vida, a personagem Padre Cícero deve suscitar os espectadores a possíveis possibilidades de ressignificar a história desse mito nacional e por extensão, provocar reflexões a respeito da Igreja e da política na sociedade contemporânea.
Valendo-se de referências do teatro e do misticismo oriental, em consonância com o pensamento de Artaud, o espetáculo se utiliza de elementos do BUTOH – uma espécie de teatro-dança japonês – assim como de conceitos extraídos do LIVRO TIBETANO DOS MORTOS, ambos tendo no estudo da Morte sua fonte de investigação artística e espiritual.

O Cariri, um pedaço do Ceará, é uma região rica de lendas e mitos, sagas familiares e, acima de tudo, de uma religiosidade singular, boa parte devido ao fato de ter nascido e vivido nesse lugar, essa figura emblemática chamada Padre Cícero.
Atualmente, ali se encontram a tradição e o contemporâneo, em um diálogo desafiador e poético como os versos cantados de um repentista. E é aqui que esse padre será desconstruído e reconstruído, a partir de uma evocação do ser humano cheio de contradições, por trás da aparente impavidez do mito.
Naturalmente, como toda a pesquisa fundamentada, o texto não apresenta nenhuma ideia que não seja historicamente comprovada. No entanto, está longe de ser uma mera exposição biográfica dos fatos, aí residindo a originalidade dessa leitura. Revela um Cícero cego e moribundo, como de fato esteve nos últimos momentos da vida, revendo culpas, ressentimentos e dúvidas, que influenciaram a vida de milhares de pessoas. Com a dimensão mágica emprestada desse momento de passagem da física para a espiritual, ele revive em seu corpo de forma poética, as diversas personagens, que definiram sua trajetória e que foram definidos por ela; tanto os protagonistas quanto as vozes vindas do imaginário popular.
A partir de então, passa-se a discutir não só sua existência, mas toda a questão religiosa e política que dela emanou e que marcou esse povo para sempre.

A trilha sonora que mescla diversos ritmos do Cariri, tradicionais e contemporâneos, nladainhas e cantos a ritmos do Oriente Médio e da Asia Central, acentua o clima solar e de aridez que povoa essas regiões, aproximando esses povos a partir de seus códigos mais essencialmente tribais.
Também o cenário minimalista, que se reduz a um tapete vermelho que sobe ao teto, um caminho que une a Vida à Morte, traduz juntamente com a simplicidade da iluminação, a solidão do homem diante de sua luz e sua escuridão.
Esse espetáculo encerra a trilogia sobre Teatro, Mito e Genealogia, sendo o último dos três solos que o autor realiza a partir de uma pesquisa de linguagem cênica, baseada em conceitos e práticas teatrais de Antonin Artaud, sua principal referência. A trilogia iniciou-se em 2001 com o espetáculo “Para Acabar com o Julgamento de Artaud”, uma investigação dos limites entre criação e loucura. Um dos dez os dez melhores espetáculos do ano segundo a crítica Bárbara Heliodora do jornal O GLOBO. Excursionou pelo país, com oficinas e palestras e pelo projeto Palco Giratório do SESC- Nacional.

Em 2008 “Édipo e Seus Duplos”, faz o personagem se debruçar sobre as origens familiares como forma de entender seu próprio destino. Naquele ano Inaugurou o circuito do PALCO DA EXPERIMENTAÇÂO no SESC- Tijuca, sob a direção de Ana Kfoury; o espetáculo também angariou boas criticas e realizou mais quatro temporadas no Rio de Janeiro e viaja pelo circuito SESC RJ, também acompanhado de oficinas e debates. O texto foi publicado em 2014.

SERVIÇO
CÍCERO – A ANARQUIA DE UM CORPO SANTO
Criação e atuação: Samir Murad
De 19 a 22 de junho, quinta, sexta-feira e sábado, às 19 h e domingo, às 18h.
Teatro Glauce Rocha – Av. Rio Branco.179 -Centro. RJ Telefone – (21) 2220-0259
70 minutos | 14 anos | Ingressos: R$ 40,00 e R$ 20,00 (meia entrada) – via Sympla ou
bilheteria do teatro.
FICHA TÉCNICA
Texto e atuação: Samir Murad
Direção: Daniel Dias da Silva
Cenário e figurino: Karlla de Luca
Trilha sonora: André Poyart e Samir Murad
Desenho de luz: Wallace Furtado – Russinho
Programação visual: Fernando Alax
Assessoria de Imprensa e media Social: Rodolfo Abreu | Interativa Doc
Produção executiva: Wagner Uchoa
Operação de luz: Chico Hashi
Operação de som: Marco Agrippa
Realização: Cia.Cambaleei, mas não caí…