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Festival Porto/Post/Doc apresenta programação intensa

Para quem, como eu, está pelas terras lusitanas, esta próxima semana haverá uma programação muito interessante que recomendo a todos: o Festival Porto Post Doc.

Em tempos de amnésia generalizada em relação a nossas histórias enquanto sociedade, onde muitas das escolhas vem sido feitas a favor do conservadorismo e da volta às extremas direitas, como o triste exemplo recente no Brasil, documentários se fazem cada vez mais necessários.

Digo documentário, mas quero dizer também a arte e a cultura de modo geral, por se permitirem uma linguagem, às vezes, mais direta, ainda que também poética ou uma mensagem política, ainda que também estética.

E esta mostra é dedicada não apenas a documentários, como também a filmes mais experimentais ou artísticos ou que brincam com as fronteiras da linguagem e suas maneiras de construir uma narrativa audiovisual.

Porto Post Doc é um Festival que já vem acontecendo há 5 anos e que preza pela exibição dos filmes nas salas de cinema e no encontro com os realizadores para promover debates em torno dos temas e da feitura.

Este ano, a Competição Internacional, que costuma ser a parte mais glamurosa por ser a mais esperada nos festivais, contará com filmes de diversos países com temáticas e linguagens variadas.

Serão 15 filmes no total. Dentre eles, uma produção greco-francesa realizada no Brasil, no bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro, pra ser mais precisa. Obscuro Barroco, de Evangelia Kranioti utiliza trechos de textos de Clarice Lispector e imagens desse universo semi-escondido, ainda tabu, das travestis, em composição com imagens de manifestações antifascistas e de carnaval, sob a regência da presença de um dos maiores símbolos travestis de nossa história, Luana Muniz. O filme coloca em questão o tempo todo a ideia de metamorfose e de sonho e nos confronta com esta hipocrisia preconceituosa em torno de algo que faz parte de nosso cotidiano, mas que só é permitido no escuro ou “naquilo que vem depois do silêncio”. O que me traz à conclusão de que o motivo pelo qual os travestis habitam a noite é porque não lhes permitem viver no claro.

Um outro filme que me chamou atenção e que acredito ser forte candidato para vencer a competição é Hálito Azul, de Rodrigo Areias, diretor português. Não digo isso por favoritismo nem nada, mas simplesmente porque seu filme consegue unir diversos fatores que encontramos nos outros filmes, mas com equilíbrio e poesia. O universo que ele escolheu foi o das ilhas dos Açores e seus pescadores. A fotografia do filme é belíssima. Impossível não lembrar um pouco do primeiro longa de Agnès Varda, La Pointe Courte, que se dividia em duas narrativas principais, a de um casal que passava alguns dias longe da grande cidade para tentar recuperar seu casamento em declínio, e a da vida dos pescadores locais, incluindo questões políticas como a permissão de pescar etc.

Hálito Azul traz elementos fantásticos que fazem parte do imaginário e do vocabulário dos pescadores, assim como apresenta elementos de ficção e de documental ao misturar situações de observação com a criação de momentos ensaiados, e nos revela, como parte da trama (trama no sentido mais próximo de costura e tecido, e mais distante da noção de sequência planejada) estes encontros entre os habitantes locais para ler as falas do roteiro. Enfim, muitas coisas podem ser ditas sobre este lindo filme, extremamente delicado e lírico, mas deixo isso pra outro artigo exclusivo a ele.

Hamada, de Eloy Dominguez Serén

Hamada, de Eloy Dominguez Serén e Central Airport, de Karim Aïnouz parecem contar os dois lados da história em torno desta tão grave situação dos refugiados que vem acontecendo. Em Hamada, vemos os habitantes de um campo de refugiados, que fazem parte do povo saharaui, isolados de sua terra natal e esperando há mais de 40 anos uma resolução que retire de vez os marroquinos de seu território. O filme se concentra sobretudo nos personagens de Zahara e Sidahmed, que fazem de tudo pra se movimentar e sair de uma condição de aprisionamento, seja aprendendo a dirigir e correndo atrás de um emprego, no caso da mulher, seja dando um jeito pra chegar na Europa pra enviar dinheiro a seus familiares, no caso dele.

Central Airport, relata o caso de Ibrahim, um jovem sírio que chegou à Alemanha em busca de refúgio e que agora vive num antigo aeroporto de Berlim, usado hoje em dia para abrigar temporariamente imigrantes que chegam em busca de seus vistos e permissões.

Bisbee ’17 revela uma terrível história que se passou há 100 anos, quando por conta de uma greve de operários de uma mineradora, o delegado da cidade, com apoio de vários outros moradores, determinou que se faziam necessárias medidas dramáticas para acabar com esta greve, que segundo eles, ameaçava a condição de democracia da cidade. Para isso, ele e alguns outros homens levaram todos os participantes da greve para o meio do deserto, exilando-os da cidade pra sempre. Muitos acham que estas pessoas morreram, perdidas no deserto, sem ajuda, sem água, sem comida, sem nada.

O diretor Robert Greene se utiliza de reencenação dos fatos com os moradores atuais para reacender em suas memórias a chama da reflexão política em torno deste ato bárbaro. Em meio aos depoimentos, podemos perceber que mesmo em meio à tristeza do acontecimento, muitos ainda justificam e até mesmo aprovam aquela ação, por um medo da ameaça comunista e seus valores, nos revelando o quão absurdo, porém perigoso é este tipo de pensamento até hoje. E ainda, ao desenrolar da história, percebemos que muitos dos operários eram estrangeiros e imigrantes e que a ação do delegado tinha como motivo ulterior fazer uma limpa racial. Um filme complexo e que, mesmo se passando em uma pequena cidade dos EUA, fala de uma realidade que toca a nós todos.

Já Becoming Animal, de Emma Davie e Petter Mettler; Fausto, de Andrea Bussman e Closing Time, de Nicole Vögele, são muito mais observacionais, se focando na natureza, nas mitologias de um lugar e nos pequenos movimentos que compõe a sonfonia de uma cultura desconhecida.

Mas há muito mais além da competição. A programação está recheada de sessões especiais. Cito algumas delas aqui:

Uma delas é a retrospectiva da obra de Antônio Reis e Margarida Cordeiro, um casal de cineastas portugueses muito conhecidos por retratarem de maneira poética uma região rural aqui de Portugal chamada Trás-os-Montes, ressaltando suas tradições e memórias. Eu, particularmente, não conheço ainda a obra dos dois e estou bastante ansiosa pra poder vê-la projetada na sala de cinema.

Antônio Reis e Margarida Cordeiro

Outra seção do festival é dedicada a um cineasta argentino chamado Matías Piñeiro, que vem se consolidando com uma cinematografia dedicada aos pequenos romances, às banalidades e às questões de sua geração, muitas vezes sob influência de William Shakespeare. Digo influência porque não são adaptações, mas sente-se o aroma de suas histórias entremeadas às de seus personagens.

Crianças e adolescentes possuem toda uma atenção dedicada a eles não apenas durante como também antes do festival através do projeto educativo que é realizado ao longo do ano todo por meio de oficinas que percorrem diferentes escolas do país e cujos resultados podem ser vistos ao longo da semana. Haverá sessões dedicadas especificamente a estas faixas etárias – Mini, para crianças e Teenage, para adolescentes, além da competição cinema novo, dedicada a selecionar e exibir filmes realizados por universitários portugueses.

Festival Porto/Post/Doc apresenta uma parceria com programadores de cinco festivais espanhóis que têm carta branca pra criarem livremente suas pequenas sessões de uma hora que podem ser preenchidas com curtas, médias ou longa metragens.

Há ainda uma parte do programa dedicado a filmes realizados por diretores do Kosovo ou em co-produção com Kosovo, que nos permitirão dar uma olhadela no universo ainda tão pouco conhecido deste tão jovem país, ainda em formação.

Filmes dedicados ao tema da música ou de figuras e movimentos importantes neste ambiente também terão lugar reservado na programação numa seção chamada transmission.

A música não estará representada apenas aí, mas também estará ao vivo. Haverá pelo menos 4 concertos/performances ao longo do Festival.

Showcase Little Friend no dia 26 às 22:00 no Passos Manuel, Joana Gama e Luís Fernandes no dia 27 às 19:00 no Planetário do Porto, Museo de la Soledad/Museo de la Bomba: Revolutionary Lists se apresentará no dia 30 às 22:00 no Passos Manuel e finalmente, Valentina Magaletti e João Pais Fillipe estarão no Rivoli também no dia 30 a partir das 23:30.

Ryuichi Sakamoto, Festival Post/Doc

Como se não bastasse essa intensa programação sonora e visual, o Festival também oferecerá diversas oportunidades para quem está começando, assim como para aqueles que já estão em meio a suas próprias produções, de encontrarem-se com produtores, diretores e técnicos. Tudo isso na parte que eles designaram industry.

Haverá workshops, encontros e um fórum dedicado a debater questões presentes no âmago da seleção da mostra, tais como as fronteiras entre realidade e ficção, o hibridismo dos formatos e das plataformas através dos quais são filmados ou exibidos os filmes e também sobre rever a obra de António Reis e Maria Cordeiro.

O Festival ocorre do dia 24 de novembro ao dia 2 de dezembro na cidade do Porto.

Todas as informações práticas, que são muitas (!) encontram-se no site https://www.portopostdoc.com/

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