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Ladeira em Carrinhos de Supermercado escancara dramas de uma família distópica

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Uma família pode ser mais devastadora que uma guerra. Assim o poeta e dramaturgo Sergio Mello resume a trama da peça Ladeira em Carrinhos de Supermercado, escrita e dirigida por ele, com os atores Igor Kovalewski e a atriz Rebecca Leão. Estreia dia 3 de outubro para uma temporada até 26 de outubro, no Teatro Manás Laboratório. O texto – de 2009, lido na época por Lavínia Pannunzio e Nelson Peres no auditório do Masp – revela dois personagens à beira de uma situação limite, a partir do encontro entre os irmãos Lia e Ivo. Sobram afetos destroçados, em uma casa da periferia de São Paulo, em uma única tarde, e, conforme a noite se aproxima e o cenário escurece, o clima torna-se mais tenso e ameaçador. O dramão familiar, como define Mello, de uma família depauperada se desenrola em 60 minutos, sob o desenho de luz – que, no caso, é quase uma terceira personagem do espetáculo – de  Gabriel Greghi. Esse encontro, pontuado por doçura e hostilidade, sarcasmo e decoro, ressuscita personagens e fatos traumáticos do passado de ambos, à sombra de um pai sádico e de uma mãe esquizofrênica pintada pelo irmão, por exemplo, não somente não compartilhada, mas contestada pela irmã.

Crédito; Edson Kumasaka

Sobre a montagem

No piso do palco, uma lona de caminhão, móveis de madeira escura e aspecto encardido, além de objetos de uma casa que está se deteriorando, como as luzes que não acendem. Em contraposição ao cenário e objetos em tons pastéis, o figurino foi concebido pelo diretor para lembrar, nas cores e estilo, que suas referências estão no cinema – Pedro Almodóvar e Sam Sheppard. Dois momentos sonoros abrem e fecham a peça, como uma pontuação musical, respectivamente, Prelude for Meditation, de John Cage, e a composição sacra do século 10, Os Justi, de Anton Bruckner. Inspirado pela frase que abre este texto, dita pela atriz Cássia Kiss, na ocasião em que estava encenando texto de Tennessee Williams, O Zoológico de Vidro, direção de Ulysses Cruz, Mello colocou no papel suas ideias.

“Para mostrar o impacto de uma família disfuncional [em seus membros] na vida de seus membros. Ele, deprimido, nunca se fixou em um relacionamento, um emprego. Ela, num casamento falido, o cara já foi embora, cortou a luz e ela não arreda o pé da casa, onde nada acende, nada funciona, sobra um toquinho de vela. O que sobrou dessas duas figuras?”, pergunta Sergio. Sergio se aproveita do espaço intimista da sala de espetáculos (capacidade para 50 pessoas, inicialmente) para acomodar a plateia, no interior dessa casa, no sentido figurado, promovendo uma intimidade do público com os atores. Mello buscou uma encenação contida, com pouco movimento e a luz desempenhando papel fundamental: “Quase cinema, um clima pinteriano”, diz, explicando a alusão em referência à simplicidade com que Harold Pinter dizia encenar suas peças. “Em vários momentos a peça beira o absurdo também”, completa Mello, também se voltando a Pinter na questão do teatro do absurdo.

Sobre os personagens

Carioca, Rebecca Leão está há 7 anos em São Paulo, onde conheceu o autor no grupo Cemitério de Automóveis, de Mário Bortolotto, com quem trabalha com frequência. Também tem trabalhos com Juliana Sanches, do Grupo IX.  Vive Lia, a irmã mais moça de Ivo, ex-patinadora incapaz de se desvencilhar de um casamento abusivo, e vivendo uma vida de aparências, apegada ao passado e à infância. “É um texto instigante, não dá muitas pistas.”

Igor Kovalewski já havia feito a leitura encenada do texto Socos na Parede, de Sergio Mello, na sede do Cemitério de Automóveis. Ele está na pele de Ivo, o irmão mais velho. Na época, Igor fazia cinema e viajava com Imperador e Galileu, de Henrik Ibsen, direção de Sergio Ferrara, com Caco Ciocler.  Desajustado, Ivo tenta sobreviver e revive suas histórias ao fazer uma visita inesperada à irmã. “Esta peça é muito Nelson Rodrigues.”

Relações familiares e ladeira como metáfora da vida

Além de uma reflexão sobre as relações familiares e o peso do tempo, Ladeira em Carrinhos de Supermercado aborda problemas comuns no mundo contemporâneo, como traumas de infância que reverberam na idade adulta, famílias desestruturadas, relacionamentos abusivos, machismo, compulsão alimentar, alcoolismo, etarismo, depressão, luto, abandono de um sonho pelo dinheiro, a vida de aparências (tão comum nas redes sociais). O objetivo é que o público não só se identifique, por meio da sua própria vida ou da de alguém próximo, mas saia do teatro refletindo sobre seus próprios relacionamentos diretos: como tem agido com seus maridos, esposas e filhos, se a atenção que tem dado aos pais tem sido o suficiente, depois de adultos etc. Focado na reflexão sobre a passagem do tempo para mostrar quão assustadora pode ser a iminência da noite e sobretudo quão veloz e implacável é o tempo de uma vida. Como o próprio título sugere, a ladeira como metáfora da vida, e o carrinho, sabido sem freios, o meio escolhido pelas duas personagens (uma mulher e um homem, irmãos) para atravessá-la. Um modo arriscado, sem volta, se visto da idade adulta, mas também sedutor, divertido, aventureiro, se visto da infância, como meio de fuga para sentir soprar no rosto pela primeira vez o vento da liberdade.

Ficha Técnica

Dramaturgia e Direção: Sergio Mello. Elenco: Rebecca Leão e Igor Kovalewski. Desenho de luz: Gabriel Greghi. Cenografia e objetaria:  Irineu Villanoeva Junior. Produção: Vivian Vineyard. Assessoria de Imprensa – M.Fernanda Teixeira e Maurício Barreira/ Arteplural. Técnico de palco: Guilherme Felipe. Fotos – Edson Kumasaka.

Serviço

Ladeira em Carrinhos de Supermercado. Estreia dia 3 de outubro no Teatro Manás Laboratório. Rua 13 de Maio, 222. Vela Vista. Temporada– de 3 de outubro a 26 de outubro. Sessões – sextas a domingo. Horário – sextas e sábados 21h, domingo 19h. Ingressos – R$ 60,00 e R$ 30,00 (meia). Compra – https://sympla.com.br/teatromanaslaboratorio  e na bilheteria do teatro uma hora antes.

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