O descaso, a solidão e o apagamento são os territórios percorridos pela exposição Olhares Cruzados, que traz obras de três artistas integrantes do grupo Contraponto, reunidos em torno do ateliê de Sérgio Fingerman, o curador da mostra.
Fátima Farkas, Hilário Kleiman e Isabella Cesar e seus diferentes pontos de vista, cruzaram seus olhares, que resultaram na exposição que ocupa a Galeria Contraponto, na Vila Madalena, de 22 de junho a 2 de julho.
Fátima Farkas, que tem sua origem profissional ligada ao design, migrando depois para as artes plásticas através da vivência na escola do Parque Laje, traz uma forte ligação com as questões brasileiras étnicas e culturais.
O ar É de graça
Trabalhando sobre o território da violência surda e a infâmia da exclusão, do abandono e do apagamento social e cultural, as 16 obras expostas agora numa instalação única, são retratos que transitam entre o pictórico aparentemente ingênuo e a desconstrução expressiva da imagem ou seu avesso.
Retratam, ao lado de personagens conhecidos na tradição das lutas raciais, outras imagens fortes, veladas e disformes que nos interrogam sobre o destino de tantos que sumiram na história, como os milhares de escravizados abandonados em campo aberto para morrer no limbo do esquecimento no Cemitério dos Pretos Novos na Gamboa no Rio de Janeiro.
Nas palavras de Sérgio Fingerman, curador da mostra, Fátima “através de fina ironia evoca as singularidades desses personagens, suas lutas, que clamam por um pertencimento humanitário na nossa sociedade”.
Embora tema já recorrente nas preocupações contemporâneas, Fátima diz ter sido “profundamente marcada, tanto pelos personagens que superaram sua herança traumática quanto pela emoção avassaladora em pisar o solo conspurcado do genocídio e da diáspora africana no Valongo e no Instituto dos Pretos Novos, no Rio”.
A artista Isabella Cesar explora os aspectos das imagens que sofrem com o desgaste do tempo. A série que apresenta em Olhares Cruzados foi produzida durante a pandemia, quando, confinada em casa, foi tocada pelo silêncio do abandono provocado pela imagem deteriorada da piscina de um imóvel vizinho. Isabella passou meses fotografando diariamente a aparência da piscina, e esse aspecto abandonado, esquecido e despreocupado do real provocou reflexões silenciosas e perturbadoras na artista, que passou a articular um diálogo artístico com a realidade da piscina em busca de extrair um encantamento da degradação. “Vieram chuvas intensas naqueles meses e a água da chuva proporcionou imagens sutis, leves, até doces, na então deterioração. “Foi aquarelando sobre as imagens, que explorei o território do encantamento, extraindo uma realidade nova e lírica do desgaste do tempo”, explica Isabella.
“Isabella Cesar pinta sobre imagens fotográficas, estruturas, composições quase abstratas de detalhes arquitetônicos de piscinas. O tema aqui é pretexto para criar um espaço onírico, quase musical. A ordem geométrica cede lugar para inesperadas interferências de entendimentos e divagações”, diz Fingermann.
Atento ao movimento artístico nacional, Hilário Kleiman – que foi aluno de Dalton de Lucca, Setsuko Katayama, Manoel Fernandes e Paulo Pasta – revela em suas obras a preocupação com o que nos resta da percepção de humanidade e provoca o observador a olhar seus trabalhos oníricos, sempre havendo uma estranheza presente que torna a obra melancólica e induz o observador a refletir sobre o que está realmente vendo. “Hilário Kleiman cria pequenas cenas, que parecem detalhes fotográficos, muito sintéticos, com uma economia de narrativas, pelas de mistério, solidão, melancolia”, descreve Fingermann. Suas telas trazem pedaços de casas, salas, ruas, sem a presença humana.
OLHARES CRUZADOS
Exposição de Fátima Farkas, Isabella César e Hilário Kleiman
De 22/6 a 1o/7, de segunda à sexta, 12h às 18h; sábado, 11h às 14h. Espaço Contraponto
Rua Medeiros de Albuquerque, 55– Vila Madalena
Comente!