Por que a profissão da manicure, trabalho que garante a autonomia econômica de tantas mulheres periféricas, foi desde sempre alvo de preconceitos e menosprezo? Por que até hoje há falta de reconhecimento por parte das marcas de produtos dos quais elas são as maiores consumidoras? Essas perguntas guiaram a pesquisa do espetáculo “Memórias de uma manicure”, que estreia dia 19 de janeiro, no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia, com sessões de quinta a domingo, às 19h. Com texto de Cecília Ripoll e direção de René Guerra, o espetáculo do grupo Bonecas Quebradas Teatro faz parte de um projeto maior sobre o universo das manicures, que propõe reflexões sobre empreendedorismo, competição e colaboração entre mulheres, padrões de beleza e machismo. Além da peça, haverá performances públicas.
Idealizadoras do projeto, as atrizes Carla Soares e Luciana Mitkiewicz se juntaram à historiadora e dramaturgista Gabriele Rosa e, ao longo da pesquisa de dois anos, entrevistaram mais de 30 manicures de todas as regiões brasileiras. A partir dos discursos da maioria delas enaltecendo a meritocracia e o empreendedorismo, o espetáculo levanta questões sobre o desejo, a descoberta do poder pessoal e as nuances e limites da sororidade. “Na peça, a gente procura confrontar a noção de sororidade, pensando se ela existe mesmo e se resiste às necessidades mais prementes da vida. Falamos também do empreendedorismo feminino, mas não do ponto de vista econômico, e sim da autoafirmação do desejo. No texto, tem uma manicure que sonha em ganhar um prêmio para poder abrir o próprio salão, mas a questão é: se ela vai ganhar o prêmio, por que ela quer seguir trabalhando? Por que quer criar uma marca de esmaltes, por exemplo?”, questiona a atriz Luciana Mitkiewicz. “A gente percebeu que muitas delas sofrem de autoestima baixa e querem o reconhecimento de sua profissão acima de tudo”, acrescenta Carla Soares.
O enredo do espetáculo se inspirou em uma história verídica ocorrida em 1958. A manicure Zulmira, vítima de ameaças constantes, mata o ex-companheiro dentro de uma delegacia. É presa no ato, mas solta em pouco tempo e considerada uma heroína por ter agido contra quem a ameaçava de morte. A partir daí, a autora Cecília Ripoll criou a trama que acompanha duas manicures: Marlene e Carmem. Marlene trabalha em um salão, cujo dono, S. Pacheco, viaja de férias para Mangaratiba. Ela detesta trabalhar lá, mas não tem opção. Seu único desejo é ganhar o grande prêmio dos Esmaltes Unhazita para poder criar sua própria marca de esmaltes. Na ausência do patrão, chega uma nova manicure auxiliar, Carmem. Com o passar do tempo, elas se tornam amigas e confidentes. Marlene começa a beber e volta a sonhar. O patrão não volta e é dado como desaparecido. Um certo dia, conferindo o cupom dos Esmaltes Unhazita no jornal para saber se ganhou o prêmio, depara-se com uma foto idêntica a de Carmem em um anúncio de “Procura-se”. O texto diz: “Procura-se Zulmira, a manicure assassina – só mata de unhas feitas”. A recompensa é a mesma do prêmio. Ela terá, então, que decidir se entrega a colega ou não, escolhendo entre o sonhado empreendimento ou a nova vida que descobriu ser possível ao lado da amiga.
“A gente procura usar o melodrama para fazer uma crítica social, como o cineasta Douglas Sirk fazia nos anos 50. Ele é uma de nossas inspirações. Quando a gente descobriu a história de Zulmira, começamos a criar o espetáculo com imagens do Rio Antigo, propagandas da época, trilha sonora só de boleros e um gestual que se inspira nas mocinhas do melodrama, na comédia noir e nas femme fatales da época de ouro de Hollywood”, explica o diretor René Guerra. “Quando a gente entendeu que não poderia falar da manicure de hoje, porque a gente só pode falar da perspectiva da branquitude, tendo em vista que, hoje, a grande maioria das manicures tem a pele bem mais escura do que a nossa ou é negra, a gente resolveu se aprofundar na pesquisa historiográfica. Antigamente, as manicures que frequentavam os salões de beleza do Centro e Zona Sul tinham que ter uma aparência um tanto similar a das clientes – ou seja, tinham que ser brancas, sobretudo. Eram uma espécie de bibelô francês, já que o Rio buscava copiar Paris. Então, as mulheres periféricas eram a cópia da cópia. Mas a gente entendeu que quem deu a chave de entendimento dos temas da peça foram as entrevistadas”, completa Luciana.
Ficha técnica
Texto: Cecília Ripoll
Direção: René Guerra
Elenco e idealização: Carla Soares e Luciana Mitkiewicz
Dramaturgismo: Gabriele Rosa
Cenário e figurinos: Rocio Moure
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Visagismo: Marcos Freire
Desenho de som e trilha audiovisual: Bernardo Gebara
Produção executiva: Wagner Uchoa
Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Realização: Bonecas Quebradas Produções Artísticas
Patrocínio: Eletrobras S.A. (projeto incentivado via Lei de Incentivo Federal)
Apoio Institucional: Centro Cultural Justiça Federal
Apoio cultural: Sinpro Rio
Serviço:
Memórias de uma manicure
Temporada: 19 de janeiro a 12 de fevereiro de 2023.
Centro Cultural da Justiça Federal: Av. Rio Branco, 241 – Centro, Rio de Janeiro – RJ
Telefone: (21) 3261-2550
Dias e horários: de quinta a domingo, às 19h.
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).
Lotação: 141 lugares
Duração: 1h20
Classificação etária: 16 anos
Venda de ingressos: pelo site Sympla e na bilheteria do centro cultural, a partir das 17h.
Comente!