Uma das mais contundentes escritas sobre os códigos comportamentais e os padrões estruturais impostos à condição feminina chega aos palcos cariocas a partir de 25 de agosto, no Sesc Copacabana. Teoria King Kong foi escrito em 2006 pela escritora Virginie Despentes e tornou-se um sucesso absoluto pelo impacto e ousadia de narrar, em primeira pessoa, experiências que tangenciam temas como gênero, estereótipos e ativismo. No Brasil, o livro foi lançado em 2017 pela N-1 e teve sua tradução assinada pela atriz, jornalista e escritora Márcia Bechara, que também assina a dramaturgia do espetáculo. Considerado um fenômeno de vendas, a publicação encontra-se esgotada desde 2020 no Brasil e na América Latina.
No palco, as atrizes Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino atualizam o texto a partir das suas escrevivências e subjetividades, ora se colocando como as tradutoras da obra, ora incorporando a própria Virginie Despentes e dando voz às reflexões que abarcam a complexa condição feminina, exposta pela autora num jorro literário, virulento e desconcertante capaz de desacomodar formas de perceber, pensar e interagir com determinadas heranças que ainda orientam nosso comportamento em uma sociedade patriarcal. O espetáculo reúne em sua ficha técnica uma equipe de mulheres que despontam em várias áreas do Teatro, o que fortalece esse pacto feminino e feminista em torno da encenação.
Para a dramaturga Márcia Bechara, o maior desafio de transpor Teoria King Kong para os palcos em 2023 é, justamente, encontrar sua atualização, visto que isso acontece mais de uma década depois do lançamento na França: “Muita coisa mudou, da nossa compreensão interna do que seja o feminismo ou os feminismos e de como essas coisas se interpelam mutuamente na América Latina, na Europa e em vários outros contextos. Esse é o grande desafio, atualizar esse texto que é magnífico e magnânimo, para a realidade brasileira, para que ele converse com a gente também da maneira que o teatro sabe fazer. O teatro como essa grande ágora contemporânea, um espaço potente e propício para as discussões do nosso tempo”, afirma a tradutora dramaturga de Teoria King Kong.
De acordo com a diretora Yara de Novaes, a aproximação de Márcia e das atrizes –– que também colaboram com a dramaturgia, facilitou o processo de construção do texto. “São elas (as atrizes) que estão trazendo para a dramaturgia essas pessoalidades, essas fricções”. Bechara optou por não trazer apenas falas na primeira pessoa, mas escolheu a figura de três tradutoras-transcriadoras para que fossem as cicerones, as experimentadoras cênicas do livro da Virginie, elas estão fincadas na realidade contemporânea brasileira e fazem esse percurso com muito humor e acidez.
“O teatro é uma matéria que é feita do corpo, a sua principal mídia é o corpo. E o corpo brasileiro está em cena com essas três atrizes. A presença delas em cena é extremamente revigorante desse novo Brasil que emerge depois desses desses seis anos de total loucura fascista e que tem muita coisa pra dizer, inclusive em relação ao mundo, para o mundo. A gente vê no Brasil uma atualização dos feminismos, das questões que a gente chama de identidades, mas que vão muito além disso, que são coletivas também”, afirma a dramaturga.
A escolha do elenco foi uma busca de entrar em diálogo de alguma forma em paridade com o texto, pesquisa que ocorreu na total sinergia entre Yara de Novaes e as produtoras e idealizadoras do projeto, Verônica Prates e Valencia Losada, da Quintal Produções. “Quando a gente coloca essas três atrizes em cena é a possibilidade que temos de alguma maneira deixar o livro mais plural. Para poder dialogar com a obra era preciso trazer pessoalidades e singularidades, e foi isso que elas trouxeram”, revelam.
“Para marcar a fogo a radicalidade contemporânea do texto, convidamos as atrizes Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino para compor o núcleo artístico do projeto. Atrizes múltiplas, plurais e com trajetórias pavimentadas em lugares muito singulares de classe, raça e gênero. Atrizes pactuadas com o Teatro, e que farão de Teoria King Kong um dos acontecimentos teatrais mais marcantes deste tempo pós-pandêmico”, declaram Verônica Prates e Valencia Losada.
Para Verônica Valenttino, o projeto traz a potência de não apenas reproduzir ou representar uma história, ou um só tipo de mulheridade. “Na minha condição de travesti é importante abordar outras questões, então tem sido potente essa construção em conjunto com a Marcia. É um desafio reproduzir uma dramaturgia que nasce de fatos reais, mas nós nos desafiamos a transpor, transcriar, transgredir e não apenas traduzir o livro para o teatro mas de também traí-lo”.
Ivy, que há pouco tempo trabalhou como assistente de direção de Yara no projeto Mãos Trêmulas, destaca o quão enriquecedor e desafiador é o processo de reencontro com a obra: é muito enriquecedor e sensivel, tenho aprendido muito. Entender como cada uma reverbera a obra a partir da sua existência é muito potente. É desafiador me circunscrever na teoria ao mesmo tempo que surpreendente me vejo enredada nela”, afirma.
Colocar o dedo na ferida sem dó de temas profundos e colocar pensamentos polêmicos em pauta é o que tem sido mais surpreendente para Amanda. “Cada vez que chegamos a capítulo novo do livro nos ensaios a gente se dá conta de quantas questões essa obra abarca, quantas camadas vão surgindo. E criar um imaginário juntas, mesmo a partir de nossas diferenças, é para mim o mais poderoso e revolucionário deste processo – um imaginário que dê conta de todas as singularidades, heterogêneo, compreensivo e generoso”, declara.
Os ensaios, que ocorreram em São Paulo durante os meses de maio a agosto de 2023, serviram de espaço para muitas experiências e diálogos transversais ao projeto: “Trouxemos para a sala de ensaio, nesse grande laboratório, algumas mulheres muito incríveis para trocarem com a gente, como a pensadora transfeminista Helena Vieira, a roteirista e dramaturga Silvia Gomez, a jornalista e comunicadora popular do Movimento das Mulheres Camponesas, Adriane Canan, essa equipe foi essencial para essa migração do livro para o palco”, conta Yara.
A temporada de estreia ocorre de quinta a domingo, sempre às 20h30, com sessão extra no sábado, 16 de setembro, às 17h30, no mezanino do Sesc Copacabana, com ingressos na bilheteria do local entre R$ 30,00 e R$ 7,50, até 17 de setembro. O Sesc Copacabana fica na Rua Domingos Ferreira, 160. Informações pelo telefone (21) 2547-0156. Para saber mais sobre o projeto, acesse instagram.com/quintalrio
SINOPSE
Teoria King Kong é um espetáculo com uma dramaturgia não-realista, onde três atrizes buscam, através de suas traduções e vivências, trazer para a realidade brasileira alguns temas abordados pela escritora francesa Virginie Despentes. O espetáculo apresenta –– numa espiral cheia de humor e acidez, reflexões para um possível pacto civilizatório. Protagonizam a montagem três das mais brilhantes atrizes da nossa geração, Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino, sob a direção de Yara de Novaes.
TEORIA KING KONG – TEMPORADA DE ESTREIA
De 25 de agosto a 17 de setembro
Apresentações de quinta a domingo, às 20h30
Sessão extra no sábado, 16 de setembro, às 17h30
Mezanino do Sesc Copacabana – Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana –
Rio de Janeiro – RJ
Ingressos
R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
Informações: (21) 2547-0156
Bilheteria – Horário de funcionamento: Terça a sexta – de 9h às 20h; Sábados, domingos e feriados – das 14h às 20h.
Classificação indicativa: 16 anos
Duraçã o: 1h20
Lotação: 86 lugares – sujeito à lotação da sala
Gênero: drama
FICHA TÉCNICA
Autora//Virginie Despentes
Direção// Yara de Novaes
Dramaturgia// Marcia Bechara
Elenco e colaboração dramatúrgica// Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino
Direção de movimento e assistente de direção// Murillo Basso
Cenografa// Dina Salem Levy
Desenho de luz// Sarah Salgado
Figurinos// Marichilene Artisevskis
Trilha sonora// Natalia Mallo
Operação de mics e instrutora de auto-defesa feminina // Adriana Lima
Operadora de luz // Luana Della Crist
Coreografia voguing// Danna Lisboa
Assessoria de Comunicação// Bruna Paulin
Identidade visual // Evee Ávila
Fotos // Igor Marotti
Idealização e produção // Quintal Produções
Diretora de produção// Verônica Prates
Coordenadora de projetos// Valencia Losada
Produtora executiva// Camila Camuso
Assistência de produção// Luana Della Cris e Ellen Miranda
Contrarregra // Nivaldo Vieira
Saiba Mais
Yara de Novaes – Atriz, diretora e professora de teatro. Lecionou na PUC-Minas , UFPE e Uni-BH e , atualmente, na FAAP-SP. Curadora do FIT-BH 2012, FiT-Rio Preto 2020, FIT BH- 2022. Trabalha como atriz há 40 anos e como diretora há mais de 30 anos. Seus trabalhos mais recentes como atriz são, “Contrações”, de Mike Bartlett e “Uma Espécie de Alasca”, de Harold Pinter, LoveLoveLove, de Mike Bartlett “Justa”, de Newton Moreno e “ Neste mundo louco, nesta brilhante ”, de Dilvia Gomez. Recebeu vários prêmios por suas atuações e direções, entre eles, o APCA, Prêmio, Shell, Questão de Crítica,APTR, Aplauso Brasil, Fundacen. Em Belo Horizonte, sua terra natal, fundou duas companhias, o Grupo Teatral Encena e a Odeon Companhia de Teatro. Na Odeon dirigiu e atuou em espetáculos de grande importância para a cena teatral mineira e brasileira. Entre eles, Ricardo 3°, de W. Shakespeare e O Coordenador, de Benjamim Galimiri.
Em 2005, já em São Paulo, funda o Grupo 3 de Teatro, junto com Débora Falabella e Gabriel Fontes Paiva. Dirigiu como convidada diversos espetáculos nos últimos anos, entre eles, “Tio Vania” do Grupo Galpão e “Caminho para Meca”, com Cleyde Yaconis e as adaptações de “A Mulher que Ri”, de Móricz Zsigmond, “Maria Miss”, de Guimarães Rosa, “As Meninas”, de Lygia Fagundes Telles, “O Capote”, de Nicolai Gógol, “Noites Brancas”, de Fiodor Dostoiévski.,”Noturno”, com o Teatro Invertido,“Tiros em Osasco”, de Cássio Pires, com um elenco formado por 11 jovens atores do Núcleo Experimental de Artes Cênicas do SESI-SP. Suas direção-geral mais recentes são “A Ira de Narciso”, de Sérgio Branco e “Corpos Opacos”, um poema-cênico, com Carolina Virguez e Sara Antunes, “Brian ou Brenda”, de Franz Kepller , a”Entre”, de Eloísa Elena e “Neblina” de Sérgio Roveri.
Amanda Lyra – Atriz formada pela Escola de Arte Dramática da USP. No teatro foi indicada na categoria Melhor Atriz aos prêmios Shell (SP), APCA, APTR (RJ) e Aplauso Brasil. Ganhou o Prêmio Questão de Crítica (RJ) com o monólogo Quarto 19, dirigido por Leonardo Moreira. Com 14 peças no currículo, seus trabalhos mais recentes são, além da peça Quarto 19, os espetáculos Língua Brasileira, direção de Felipe Hirsch com músicas de Tom Zé; Mãe Coragem, com direção de Daniela Thomas; Fim, dirigida por Felipe Hirsch e Agamenon, 12 horas, direção de Carlos Canhameiro. Na televisão atuou em Mila no Multiverso (Disney+), Hebe (Globo); Hard (HBO), Samantha! (Netflix), entre outras. Seu último trabalho no cinema foi o longa metragem Tia Virgínia, dirigido por Fábio Meira, com estreia prevista para o segundo semestre de 2023.
Ivy Souza – Atriz, performer e diretora de teatro. Formada pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo. No cinema participou de A felicidade delas, de Carol Rodrigues, A passagem do Cometa direção de Juliana Rajas; Helen de André Meirelles Collazzo, Mar de Dentro de Dainara Toffoli, A Sombra do Pai de Gabriela Amaral, Boas Maneiras de Marco Dutra e Juliana Rajas. Na TV interpretou Nina Simone no especial Falas Negras dirigido por Lázaro Ramos, Rota 66 – A polícia que mata, Verdades Secretas 2. No teatro integrou o coletivo E quem é gosta?, grupo que circulou com o espetáculo Isto é um negro?. É diretora assistente do espetáculo Mãos Trêmulas, texto de Victor Nóvoa e direção de Yara de Novaes. É curadora do projeto Risca Faca, um podcast sobre arte contemporânea do Instituto Goethe São Paulo. Dirigiu a peça Mato Cheio da coletiva Carcaça de Poéticas Negras; Galpão de Espera, texto de Allan da Rosa e Entre Cy do Grupo Teatral Saga . Com a Cia Os Crespos foi produtora do projeto de De Brasa e Pólvora: Zonas Incendiárias; Panfletos Poéticos e atuou em Os Coloridos, infantil com direção de Lucelia Sergio.
Verónica Valenttino – Atriz ganhadora do Prêmio Shell de Teatro como melhor atriz de 2022, Prêmio Bibi Ferreira como Atriz Revelação de 2022, Prêmio Atriz Revelação de 2022 do Prêmio – Destaque de Imprensa Digital pelo espetáculo Brenda Lee e o palácio das Princesas. Vinda do Ceará, a atriz e cantora, vocalista da banda Verônica Decide Morrer e radicada na cidade de São Paulo há 6 anos, participou de importantes festivais de Música pelo Brasil, como Virada Cultural (SP), Maloca Dragão (CE), Ruído em cena (PR), Tomar Rock (RO), Teia (RN), Festival Marsha! (SP), 2º Festival Transversalidades Casa Chama (SP) e For Rainbow (CE). Graduada em Artes Cênicas pelo IFCE.
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