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Barcamundi encurta distâncias humanas e musicais no seu “Disco Adulto”

Camadas de diferentes texturas unem elementos orgânicos e eletrônicos, riffs de guitarra, baterias quebradas e sons ambiente em “Disco Adulto”, segundo trabalho de estúdio da Barcamundi.
Ao lado de Hugo Noguchi (Ventre, SLVDR), com quem assina a co-produção, a banda cria uma sonoridade que vai de minimalista a complexa sem sequer trocar de faixa. O álbum sucede o debut, homônimo, lançado em 2015, e amplia o escopo da sonoridade do grupo, calcada na mescla de influências do indie, música brasileira, rock alternativo e experimental.

A Barcamundi é sinônimo de pluralidade, explorando os limites da canção há mais de cinco anos. O grupo formado por Gabriela Autran (escaleta, synth e backing vocal), Gil Navarro (bateria), João Barreira (voz, violão e guitarra), Leon Navarro (guitarra, pífano, clarinete, escaleta, marimbau e backing vocal), Matheus Ribeiro (guitarra e trompete) e Pedro Chabudé (baixo) iniciou a trajetória em 2013 em Niterói (RJ).
No seu segundo trabalho, a Barcamundi atinge sua maturidade com uma visão criativa única. A banda divide a produção do novo trabalho com Hugo Noguchi, produtor dos bem recebidos álbuns de Luíza Boê e Contando Bicicletas. Aqui, os arranjos flertam com o rock alternativo e a pós-MPB, promovendo um encontro de Radiohead com Gilberto Gil, Wilco com Rodrigo Amarante. O álbum utiliza diferentes recursos estilísticos e o conjunto da obra aborda, a partir dessas perspectivas, o tema central da distância.
Os caminhos desse trabalho já vinham sendo revelados nos singles “Leito Frio”, “Mãe” e “Amor concreto”, esta última dona de um inventivo clipe recém-lançado. Elas representam a pluralidade de sons do disco, equilibrando momentos intimistas com explosões instrumentais que exploram a potencialidade de uma gama de recursos.

Enquanto a canção mais recente, “Amor concreto”, abre o álbum, “Leito Frio”, o primeiro single oficial, encerra a lista de músicas. Entre elas, estão outras seis faixas que vão de temáticas intimistas e pessoais a questões universais com que todos podem se identificar. É o caso da nostálgica “Velho Retrato”, composta por Matheus Ribeiro inspirado por seu avô. “Pouso” entrega versos como “Eu sonho do tamanho do meu vazio / noites a fio pensando estar desperto /eu, sobre mim, não pouso, plano / e haja pavio pra olhar-me assim de perto”. Por outro lado, em “Disco Adulto” e “Tela de Cinema”, letra, melodia e arranjos se integram em uma narrativa quase visual. Tudo desemboca na climática “Leito Frio”, cuja fluidez e calmaria se contrastam com momentos de tormenta.
Para construir essa sonoridade ampla, a Barcamundi conta com a participação do piano de Lucas Lopes e da voz de Rebeca Sauwen, vocalista do Gragoatá. Além da produção musical, Noguchi também assina a mixagem. A masterização ficou a cargo de Matheus Gomes. A capa tem ilustração original de Daniel Porto, com ilustração e projeto gráfico de Adriene Araújo.
Ficha Técnica:
Produção musical e mixagem: Barcamundi e Hugo Noguchi
Engenheiro de som: Hugo Noguchi
Masterização: Matheus Gomes
Capa: Ilustração original: Daniel Porto
Ilustração e Projeto Gráfico: Adriene Araújo
Produção Executiva: Beatriz Terra
 
Faixa-a-faixa, por Barcamundi
 
Amor Concreto
João Barreira: Essa foi a primeira música que arranjamos pro CD. O que eu mais gosto nela é que o arranjo traduz muito a letra, me soa como uma tentativa de conciliação entre aspectos fluidos da natureza humana (a cabeça de vento) com aspectos mais duros do espaço urbano (quebra cabeça de pedra e cimento). Pra mim a cabeça de vento tá bem representada na música pelos pífanos, bem soltos, incontrolados, e a concretude do espaço urbano tá na guitarra atravessada do Matheus, principalmente. A bateria vai intermediando essa dualidade ao longo da música. Gosto dela como primeira música porque vários discursos ao longo do CD podem ser interpretados como consequência dessa questão urbana.
 
Mãe
João Barreira: A composição foi inspirada no Carlos Posada (Posada e o Clã). Uma coisa que a gente foi percebendo ao longo da criação do CD é que havia uma temática central que conectava boa parte das músicas, a distância, a carência emocional. A gente não partiu dessa ideia pra criar o CD, mas fluiu naturalmente pra esse lado. Acho que a música Mãe é a mais clara e objetiva ao dizer o que tá gerando essa carência. Ao mesmo tempo ela é a única que explicita o egoísmo do eu-lírico: ao dizer que a mãe puxou seus olhos e o jeito do pai, a invisibiliza, e ao dizer que ela molha seus olhos, a culpabiliza. Não lembro de a gente ter pensado isso de início, mas a voz invertida da Gabi é simbólica pra caramba nesse contexto. Ela aparece logo depois do filtro que segura o ápice instrumental, o que me soa sufocante.
 
Pouso
Gabriela Autran: É uma das minha músicas preferidas, em que tive mais contribuições com texturas experimentais e fritações de efeitos. A intenção da intro é narrar os momentos em que desempenhamos atividades automaticamente e as situações de devaneio e vazio mental, assim a intro é composta por um áudio de uma impressora e de vinil arranhado vindo numa crescente junto de um timbre agudo, que é uma tentativa de ser o som de quando o ouvido está tampado. Enfim, muita loucura. Gosto muito das quebras da bateria e do clima meio fúnebre. Acho muito interessante como Hugo mixou a música colocando ainda uns efeitos dos áudios da intro durante a música deixando na dúvida se estamos acordados ou não. O refrão dos sopros é a cereja do bolo do CD inteiro.
 
Balão
João Barreira: O começo da música Balão tem o arranjo mais clássico no CD, com uma melodia acessível, uma letra fácil e uma harmonia simples. Com o desenrolar da música isso vai sendo desconstruído, vão entrando camadas de ruídos e guitarras barulhentas, deixando o clima caótico. Essa desconstrução representa bastante o processo de arranjo da Barcamundi pro CD, que muitas vezes se baseou na tentativa de deixar estranho o que caminhava pro tradicionalmente bonito. A música tem participação da nossa amiga Rebeca.
 
Disco Adulto
Matheus Ribeiro: Lembro perfeitamente de ouvir a gravação inicial amadora dessa música quando João a escreveu, lá pra 2015, e ficar impactado com a beleza estranha que ela remete. Imagética, essa canção me sugere cenas icônicas de um filme cult que não existe senão na minha cabeça. O refrão final só reforça essa ideia.
 
Tela de Cinema
Leon Navarro: É a música mais doida e controversa do disco (risos)!. O começo do arranjo foi meio inspirado em “TOC”, do Tom Zé, com elementos repetitivos que aparecem em tempos diferentes. É, assim como Mãe, uma música progressiva minúscula, em que acontecem mil coisas em pouquíssimo tempo. Gosto da escaleta no meio dela e da guitarra de Matheus que acompanha o solo. A linha do Chabudé na parte mais funkeada é bem boa também.
 
Velho Retrato
Matheus Ribeiro: Escrevi essa música quando ganhei de presente um retrato bem antigo do meu avô que está bem velhinho e doente, quando ele ainda era muito criança, coisa de uns 3 anos. Foi um daqueles casos em que tudo vem meio que junto: letra, harmonia e melodia. Cresci ouvindo que esse meu avô se parece muito comigo, ou melhor, que eu me pareço muito com ele, então a letra meio que trata disso, dessa continuidade, essa “passada de bastão” simbólica. Ele acorda todo o dia 4 horas da manhã, cresceu na roça e nunca mudou esse hábito. Aliás, falando em hábito, ainda tem muita resistência a tecnologias e não ouve quase nada, está bem surdo e, por isso, quando falo com ele por telefone ocasionalmente, é quase sempre um curto monólogo porque ele não consegue entender nada do que eu falo e grita a cada dia mais e mais alto. Ainda assim, alivia a saudade. “Se eu telefonar só pra lembrar da minha própria voz” é um verso que resume tudo isso. Do arranjo final, amo a bateria deslocada, da beleza conferida pelo piano e do baixo que reconforta e sustenta a evolução da música.
 
Leito Frio
Gabriela Autran: Acho que é a música mais sinestésica que fizemos, na minha humilde opinião. Tenho muito orgulho da linha vocal que desenvolvi, usando os efeitos de vocoder do Mininova. Tive como inspiração para desenvolvimento do clima a música Nude, do Radiohead, e Varðeldur, da banda Sigur Rós. O CD 22, A million do Bon Iver me inspirou bastante nas experimentações e intervenções vocais. Gosto do timbre e da linha de base do violão do João me remete à roda da vida, de como tudo gira, ou dos tropeços da vida. Acho muito interessante como o marimbau e o baixo trazem finalmente a tona a dor que é falada durante todo o CD e como a minha voz soa leve dentro desse peso no peito.

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