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Trechos do livro “Sete Centímetros”, de Natália Marques

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Natália Marques é roteirista e comunicadora, pós-graduada em Teoria Literária e Literatura Comparada e bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Cinema (FAAP). Foi vencedora do concurso Novos Roteiros Originais, da Organização de Estados Ibero-americanos, em 2020, e finalista do Prêmio Carolina Maria de Jesus, do Ministério da Cultura, em 2023, com seu romance “Sete Centímetros”, que será lançado no dia 21 de junho, durante da Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

Trecho 1

— Vou te acompanhar até a recepção e falar com as meninas para te liberarem quando você vier trazer o exame. 

Marcia não queria a companhia até a recepção, porque achava que iria chorar nesse curto caminho. Sentia as mãos tremendo e um suor frio que lhe causou arrepios. Mas não chorou. Talvez pela presença do médico ou porque a ficha ainda não havia caído. 

Câncer. 

No fígado. 

Dois tumores. 

Sete centímetros. 

Era muito para assimilar. 

Sabia que a possibilidade de adquirir a doença era grande. Sua avó a teve, sua tia, sua mãe, as chances de escapar do terror genético eram de uma em um milhão. Mas, em momentos esparsos, acreditava nessa única chance, nesse milagre. 

Na rua, em frente ao consultório, olhou a vida acontecendo. Um carro estava parado no semáforo, mesmo com ele verde para virar à direita. Os carros atrás dele começaram a buzinar. Ele era uma pedra no caminho da rotina daquelas pessoas. O carro vermelho era um câncer atrapalhando o trânsito. 

Não iria contar à família, pelo menos não agora. Não queria ser o carro parado em pleno sinal verde da vida. Se ela passasse pelo tratamento sozinha e conseguisse vencer a doença, depois poderia contar a todos e seria uma história feliz. Talvez ficassem um pouco bravos, mas pelo menos não afetaria a vida de ninguém, somente a dela. 

O semáforo para seguir reto também abriu e o carro vermelho arrancou com pressa, liberando a passagem para aqueles que viraram à direita. Marcia estava decidida: seria um segredo e continuaria a vida familiar como se não tivesse descoberto nada.

Trecho 2

Olhou para o retrovisor para ver quem estava dirigindo e percebeu a figura de branco sentada no primeiro banco, logo atrás do motorista, antes de passar a catraca. Não a tinha visto quando subiu no ônibus, será que havia entrado depois dela? 

Tentou prestar mais atenção, pensou até em se levantar e se aproximar, quem sabe começar uma conversa, mas isso não era de seu feitio. Marcia não começava conversas, ela esperava que uma conversa chegasse até ela. Sendo assim, preferiu ficar em seu canto, observando ora a paisagem, ora o ser de luz própria. 

Pensou em tudo que havia escutado e em todas as expectativas que foram quebradas em pequenos cacos de vidro, até que um movimento chamou sua atenção: o ser de branco se levantou e olhou para trás, diretamente para Marcia. 

Não foi possível ver seu rosto, era como se a luz que ela emitisse ofuscasse qualquer contraste, qualquer sombra que pudesse formar olhos, nariz e boca. Mesmo assim, a criatura abaixou a cabeça, cumprimentando-a e, instantaneamente, Marcia fez o mesmo, sem pensar. 

A criatura desceu do ônibus no próximo ponto, um antes do de Marcia. 

Ambas não se encontraram novamente até o dia em que Marcia recebeu uma ligação de Amara, marcando a consulta de início da segunda fase para a semana seguinte. Após desligar o telefone, Marcia resolveu dar um passeio no shopping, espairecer, pensar em outras coisas. 

Quando passou pelo saguão do prédio, percebeu que a criatura de branco estava sentada em um dos bancos de madeira preta que enfeitavam a área comum. Ao passar por ela, cumprimentou-a com a cabeça, como no ônibus. O aceno foi retribuído. 

Ao voltar do shopping, o ser continuava lá; assim como no dia seguinte, quando Marcia foi ao mercado, e no dia depois desse, para ir à igreja. 

Os acenos de cabeça se tornaram comuns e Marcia passou a esperar pela presença da criatura ao passar pelo saguão. Às vezes criava uma desculpa qualquer para sair do prédio e encontrar o ser de branco, que parecia ter criado uma casa naquele lugar. 

Ambas sentiam a necessidade de estar cada vez mais perto uma da outra.

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