"Cães de Guerra" mostra com quantas armas se conquista o sonho americano – Ambrosia

“Cães de Guerra” mostra com quantas armas se conquista o sonho americano

Nos Estados Unidos, três coisas são cultuadas por boa parte da sua população: ascensão social, intervenção americana em conflitos internacionais e armamentos. Se puder misturar todas num mesmo pacote, melhor. Ainda mais se isso garantir a manutenção do “American Way of Life”, ao mesmo tempo que gere um bom dinheiro para todos os envolvidos. A forma encontrada por algumas pessoas para se dar bem através de tipo de um esquema no ramo armamentista, volta e meia, aparece na mídia e acaba gerando produções, no mínimo, curiosas.

Uma das melhores e mais instigantes obras relacionadas sobre o tema foi “O Senhor das Armas” (2005), de Andrew Niccol, um dos últimos filmes realmente bons que Nicolas Cage estrelou recentemente. E, agora, chega aos cinemas “Cães de Guerra” (“War Dogs”, 2016), primeira incursão do diretor Todd Phillips, mais conhecido pela trilogia cômica “Se beber, não case”, no drama, embora tenha momentos bastante engraçados, e que faz lembrar da produção assinada por Niccol, mesmo sendo menos ácida. Mesmo assim, o filme se revela uma agradável surpresa e diverte ao mesmo tempo que faz refletir sobre como pode ser insólito fazer de tudo para subir na vida.

Ambientada entre 2005 e 2008, a trama é centrada em David Packouz (Miles Teller), um jovem na casa dos 20 anos, que trabalha como massagista de clientes ricos em Miami, e vive com a namorada Iz (Ana de Armas), enquanto procura uma oportunidade de ganhar mais dinheiro. Um dia, ele reencontra Efraim Diverolli (Jonah Hill), seu amigo de infância, que lhe mostra uma lucrativa oportunidade de negócios: vender armas para o governo norte-americano através de leilões pela internet.

A princípio relutante, David logo muda de ideia e, rapidamente, aprende o serviço e passa a ter mais grana do que jamais sonhou. Os dois conseguem fazer seu pequeno negócio ficar cada vez maior e se tornam verdadeiramente ricos. Mas com a prosperidade, também descobrem os problemas e o lado não tão glamouroso do setor, tendo que lidar com imprevistos que podem fazer tudo acabar de uma maneira nada agradável para a dupla.

Inspirado no artigo da Rolling Stone “Arms and the dudes”, escrito por Guy Lawson, “Cães de Guerra” chama a atenção por mostrar que Phillips tem, sim, capacidade de realizar produções mais ambiciosas do que as comédias que o tornaram conhecido.

O diretor, embora não trate a história de forma mais audaciosa (e o tema permite isso), consegue manter o interesse do espectador até o final, orquestrando bem a maioria das reviravoltas que acontecem na história. Além disso, ele conduz bem a dupla protagonista, deixando-os simpáticos mesmo quando cometem atos moralmente questionáveis. Isso já era um mérito de seus trabalhos anteriores e, aqui, ele se vale disso para criar uma cumplicidade entre o público e os personagens de Teller e Hill.

Phillips (que escreveu o roteiro ao lado de Stephen Chin e Jason Smilovic) também constrói bem as cenas mais tensas, como a que David e Efraim entram em território hostil para entregar um carregamento de armas a militares americanos. O diretor também faz ironia de maneira sutil, como na cena em que os dois aparecem fumando maconha dentro de um carro diante de um mastro com a bandeira americana, fazendo rir quem percebe a intenção do realizador, e que retrata a situação surreal que os dois jovens se meteram ao realizar negociações de milhões de dólares com o Pentágono.

O único porém é que, ao contrário de “O Senhor das Armas“, não há um maior aprofundamento das consequências das ações dos principais envolvidos, o que poderia tornar “Cães de Guerra” uma produção ainda melhor. Todavia o saldo é bem positivo. O filme também conta com uma boa trilha sonora de canções clássicas de pop/rock, usadas de maneira às vezes óbvia (como “The Passenger”, de Iggy Pop, numa sequência em que David e Efraim precisam pegar um avião), às vezes sublime (depois deste filme, pode ser que você nunca mais ouça um clássico do Pink Floyd da mesma maneira que antes. Não será escrito aqui o título para não estragar a surpresa).

No elenco, o destaque vai mesmo para Miles Teller e Jonah Hill, que mostram mais uma vez que são dois dos melhores atores jovens do momento dos Estados Unidos. Depois de ótimas atuações, principalmente em “Whiplash – Em Busca da Perfeição”, Teller realiza mais uma boa performance como o rapaz que fica entre o fascínio do dinheiro gerado pela venda de armas e as questões éticas envolvendo esse tipo de negócio, buscando ser o mais centrado possível.

Já Hill, que parece ter recuperado todos os quilos perdidos após anos de dietas, embora mostre bem o lado canalha e até cruel de Efraim, repete, em alguns momentos, o mesmo estilo de interpretação que já tinha feito em “O Lobo de Wall Street”, além de usar uma risada que soa forçada, mas que faz parte da personalidade de seu personagem.

A cubana Ana de Armas não compromete como Iz, mas seu papel não tem grandes inovações, como a esposa que tenta mostrar ao marido que ele está se metendo em algo perigoso. Fazendo um pequeno, porém importante peça do jogo, Bradley Cooper (estrela de “Se beber, não case” e também um dos produtores) poderia dar um pouco mais de peso ao traficante de armas Henry Girard, mas mesmo assim consegue mostrar bem a ambiguidade e a periculosidade ao experiente comerciante armamentista.

Com várias menções ao “Scarface” de Brian DePalma, filme favorito de David e Efraim, além de uma piada que envolve o Brasil, capaz de causar risos nervosos da plateia, “Cães de Guerra” vale por mostrar o lado comercial da guerra de maneira cativante e, ao mesmo tempo, bizarro, fazendo a todo o tempo nos questionarmos como uma história como essa pode ter realmente acontecido.

No fim das contas, fica a esperança de que Todd Phillips continue a trilhar esse caminho para que faça mais e melhores produções, assim como fez, por exemplo, Adam McKay e seu surpreendente “A Grande Aposta”, que destrinchou com brilhantismo os bastidores da crise econômica que assolou os EUA em 2008. Afinal, tem coisas que, segundo o empresário de boxe Dom King, “só acontecem na América”.

Filme: Cães de Guerra (War Dogs)
Direção: Todd Phillips
Elenco: Miles Teller, Jonah Hill, Ana de Armas
Gênero: Ação/Comédia/Drama
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Warner Bros.
Duração: 1h55min                                                                              Classificação: 16 anos

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