O Festival Varilux já se tornou um dos principais eventos cinematográficos no país. É a oportunidade de se conferir o que há de melhor na nova safra do cinema francês, que, ao contrário do que muitos pensam, não está tão combalido. Um dos principais destaques da edição 2014 é o filme ‘Eu, Mamãe e os Meninos’ (‘Les Garçons et Guillaume, à table!’/França, 2013), dirigido por Guillaume Gallienne, que também protagoniza o longa. O filme foi o grande vencedor do Cesar, o Oscar francês, derrotando o favorito ‘O Azul é a Cor Mais Quente’. O detalhe é que essa é a sua estreia como diretor de cinema.
A trama narra as desventuras do personagem Guillaume, que devido à criação delicada dada pela mãe, acredita piamente ser uma menina travestida de garoto, por vontade do pai. Até que descobre ser de fato um garoto, com a certeza de ser, então, um homossexual. A história, na verdade, é autobiográfica. Guillaume diz que a primeira lembrança que tem de sua mãe é de quando tinha uns quatro ou cinco anos. Ela chamou os filhos para o jantar, dizendo: “Meninos e Guillaume, na mesa!” (daí vem o título no original). “A última vez que nos falamos ao telefone, ela me disse: ‘Um beijo, meu querido’.” Disse ele, que completa:” entre essas duas frases, existem alguns mal-entendidos.” A mãe no filme é interpretada pelo próprio ator, em uma caracterização hilária que já vale o celulóide. Primeiramente a trama era um monólogo, encenado pelo ator em 2008. No filme, as seqüências vêm entremeadas com imagens do ator no palco. Para Guillaume, o texto serviu como uma bela sessão de psicanálise. Seria um prato cheio para Woody Allen roteirizar e filmar, por exemplo.
Apesar do tom cômico ser predominante, há o viés dramático, que escapa por pouco de resvalar na caricatura. O drama do personagem e seu conflito de identidade sexual, que só se resolve no último minuto, são tratados com a sensibilidade que merece. Tal qual Ed Wood, que se vestia de mulher apesar de não ser gay, era apenas um fetiche-homenagem, Guillaume vê na figura feminina uma grandeza da qual ele deseja se aproximar ao máximo. Sua relação com a mãe é quase edipiana, embora conflituosa. O pai é um mero coadjuvante. As situações são hilárias, como a temporada passada na Espanha onde aprende a dançar Flamenco e o serviço militar. Já o drama fica por conta do período passado no internato e na escola inglesa onde tem sua primeira e amarga decepção amorosa.
Muito divertida, a comédia merece ser conferida neste Festival Varilux que chega ao fim hoje. Quem não puder, pode esperar a estreia em grande circuito que já está confirmada.
Comédia francesa é sempre complicado, mas fiquei curioso já que o filme bateu no Azul