O diretor chileno Sebastían Lelio foi muito honesto com a abordagem emocional de seu filme Um Mulher Fantástica. Não demora nem dez minutos de filme para que percebamos isso. Para tal, contou com a honestidade cênica na forma da atriz Daniela Vega. Por acaso ela também é uma mulher trans assim como sua personagem. Mas mais do que isso, ela é uma sobrevivente. Social e psicológica do que sente.
Marina acabou de conhecer o que seria o seu amor de conforto: Orlando (Francisco Reyes Morandé) que não a julga, só enamora-se do que ela é. Moram juntos há alguns meses e fazem planos. Até que no aniversário dela, ele morre e as circunstâncias acabam parecendo mais esquisitas do que são de verdade. Daí Marina volta a viver a realidade dos marginalizados, até pelos sentimentos alheios. Do constrangimento e animosidade da família do marido até a desconfiança da polícia, ela entra num espiral de revezes que a põe em estado de constante resignação.
O diretor faz dela o seu prisma do mundo belicoso que a cerca. Dessa forma, Marina ganha o espectador como aliado facilmente. Ou seja, vira um mártir humanizado. Sob sua visão, o filme cutuca a sociedade e a instituição na forma como enxerga indivíduos cheios de individualidades. Como Marina.
Nessa visão tão íntima de sua protagonista, Lelio vai desenvolvendo vários registros cinematográficos dentro da mesma narrativa, e isso exige demais do filme. Tanto que o thriller vai perdendo força ao longo da projeção, para justamente da lugar ao torpor do drama social que é de verdade. Mas talvez o espectador nem perceba isso, pois estará vidrado no magnetismo de Vega, cujo olhar e interpretação são tão honestos que entende-se rapidamente o superlativo de seu título.