"O Silêncio do Céu" combina drama e suspense de forma sublime – Ambrosia

“O Silêncio do Céu” combina drama e suspense de forma sublime

A primeira cena de “O Silêncio do Céu” (“Era El Cielo”, 2016) é um verdadeiro soco no estômago. Nela, vemos Diana (Carolina Dieckmann) sendo atacada por dois homens dentro de sua própria casa, numa sequência realizada com a câmera bem próxima dos personagens e editada com vários cortes, aumentando ainda mais o desconforto. Mas o que vem a seguida não alivia o público.

Após a fuga de seus estupradores, Diana veste suas roupas (ou o que sobrou delas) e, procurando manter a serenidade, liga para o marido Mario (Leonardo Sbaraglia) e pede para que ele vá buscar os filhos na escola. Assim começa um dos filmes mais impactantes do ano lançados no Brasil, que conta com uma equipe de vários países, que consegue realizar um drama contundente, que mantém o interesse até o fim da projeção, como poucos neste ano.

No desenrolar da trama, o público descobre algo que Diana não sabe: Mario, sem querer, testemunhou o estupro e, congelado pelo medo, não conseguiu reagir imediatamente e quando resolveu agir, não impediu a fuga dos estupradores. Angustiado, Mario busca descobrir a identidade dos criminosos e, ao mesmo tempo, procura entender por que a esposa não diz nada sobre o que aconteceu, fingindo que tudo está normal em suas vidas. A situação causada pelo silêncio entre os dois vai ficando cada vez mais insustentável, com consequências inesperadas e profundas para o casal.

Um dos principais elementos para o excelente resultado obtido em “O Silêncio do Céu” está na ótima direção de Marco Dutra, responsável pelos cultuados “Trabalhar Cansa” e “Quando eu era vivo”. O cineasta cria uma atmosfera que vai, lentamente, sufocando os personagens (e, por tabela, o espectador) devido ao temor que tanto Mario quanto Diana têm de se abrir um com o outro a respeito do estupro, criando uma barreira invisível entre os dois pela falta de comunicação e confiança mútua.

Num dos melhores momentos do filme, que ilustra bem o sofrimento dos protagonistas, Diana canta “Corcovado”, de Tom Jobim, para o marido, que não consegue encará-la. Dutra também é bastante feliz ao desenvolver o suspense nos momentos em que Mario, obcecado em saber quem foram os homens que violentaram sua esposa (e, por tabela, superar suas fobias), chega a uma loja de plantas e trava contato com a dona do lugar, Malena (Mirella Pascual), e seu estranho filho, Néstor (Chino Darín), que o deixa em situações bastante tensas.

Outro aspecto que merece destaque no filme é o notável trabalho de desenho de som, assinado por Daniel Turini e Fernando Henna, que já mostra a que veio logo nos primeiros minutos de projeção e é responsável por tornar a tensão ainda mais convincente no decorrer da trama. O roteiro de Lucía Puenzo, Sergio Bizzio (autor do romance “Era el Cielo”, livro em que se baseia a história) e Caetano Gotardo faz uma ótima construção dos personagens, desenvolvendo bem suas camadas, especialmente as de Mario, que carrega a culpa por não ter ajudado a esposa no momento que ela mais precisava simplesmente por sua entrega ao medo. Por isso, ele trava uma luta interna para provar que pode superar seus temores, o que o torna uma pessoa ainda mais interessante.

Felizmente, os realizadores de “O Silêncio do Céu” acertaram em escalar Leonardo Sbaraglia para estrelar o filme. O ator, visto em produções como “Relatos Selvagens”, entrega uma performance avassaladora, mostrando que a introspecção de Mario lhe deixa cada vez mais desconfortável, a ponto de tomar medidas drásticas para mudar sua própria forma de ser, ao mesmo tempo que tenta entender as atitudes de sua mulher.

Carolina Dieckmann tem aqui a melhor atuação de sua carreira e consegue transmitir a angústia e o sofrimento de Diana, que procura superar o que lhe aconteceu, mesmo com a dor que sente por ter sido atacada. A atriz tem uma interpretação madura e marcante, o que contribui para que o público fique absorto pelos conflitos enfrentados pelos protagonistas. Mirella Pascual também chama a atenção com alguns momentos levemente cômicos e Chino Darín, irmão de Ricardo Darín, dá o tom certo para a estranheza de Néstor. Paula Cohen, a outra brasileira no elenco, que vive Elisa, e Álvaro Armand Ugón, que dá vida a Andrés, aparecem pouco, mas fazem boas participações.

Rodado no Uruguai e contando com uma equipe da várias nacionalidades, “O Silêncio do Céu” é um filme que merece ser descoberto pelo grande público, seja por quem curte um bom drama ou pelos fãs de suspense. A produção mostra que é possível, sim, fazer obras de grande qualidade em nosso país e comprova que os realizadores nacionais estão numa ótima fase e que os espectadores não precisam ter preconceitos em relação a filmes brasileiros.  Especialmente quando são feitos com muito bom gosto e inteligência, como é o caso aqui, que mostra que estamos cada vez com mais dificuldade de estabelecer contato um com o outro, mesmo numa época com tantas formas de se comunicar.

Filme: O Silêncio do Céu (Era El Cielo)
Direção: Marco Dutra
Elenco: Leonardo Sbaraglia, Carolina Dieckmann, Chino Darín, Mirella Pascual
Gênero: Drama/Suspense
País: Brasil/Chile
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Vitrine Filmes/RT Features
Classificação: A definir

 

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