"Trapaça" é um típico filme Denorex: Parece, mas não é

Richie Dimaso (Bradley Cooper) and Irving Rosenfeld (Christian Bale) talk in the Grand Old AC Hotel bar in Columbia Pictures’ AMERICAN HUSTLE.

Nos anos 80, fez muito sucesso a campanha publicitária de um produto conhecido como Denorex, para combater a caspa. Em seus comerciais, evidenciava o fato de que ele tinha cheiro de remédio, cor de remédio, mas não era remédio. Durante um tempo, as pessoas passaram a associar o Denorex para coisas que não eram exatamente o que pareciam ser. Essa é a mesma impressão que se tem ao assistir ao novo filme de David O. Russell. Ele parece ser um filmaço, com uma trama incrível e grandes atuações. Mas, olhando atentamente, percebe-se que “Trapaça” (“American Hustle”) é exatamente como o Denorex: Parece, mas não é.

Christian Bale;Amy Adams

A trama, inspirada no escândalo Abscan, se passa no fim dos anos 70 e é centrada em Irving Rosenfeld (Christian Bale), um vigarista que tem a sua vida mudada ao conhecer a bela e sedutora Sydney Prosser (Amy Adams). Os dois se tornam parceiros nos golpes e na cama e prosperam com suas armações. Até o dia em que acabam nas mãos do agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper), que faz uma proposta à dupla: ou os dois o ajudam a obter provas contra criminosos do colarinho branco, ou eles acabariam parando na prisão. Assim, Irving e Sydney participam de um esquema para pegar políticos corruptos, cujo alvo inicial é o prefeito de Atlantic City, Carmine Polito (Jeremy Renner), que deseja revitalizar a cidade, abalada economicamente, mesmo que isso signifique obter dinheiro de forma não exatamente lícita. O que Irving não contava é que DiMaso ficaria fascinado com o estilo de vida que ele leva, nem que a intromissão da esposa Rosalyn (Jennifer Lawrence) poderia pôr tudo a perder com seu descontrole emocional.

Bradley Cooper;Amy Adams

À primeira vista, “Trapaça” tinha todos os motivos para ser um grande filme: uma ótima história baseada em fatos reais, um elenco dos sonhos, um figurino incrível e tudo conduzido por um diretor que vem de dois grandes sucessos de público e crítica (o muito interessante “O Lutador” e o simpático “O Lado Bom da Vida”). Só que falta um certo brilho capaz de causar um encantamento genuíno ao espectador. Tudo é feito de uma maneira muito calculada (até mesmo as reviravoltas do roteiro) e não chega, na maior parte do tempo, realmente a emocionar, tornando a narrativa às vezes arrastada, que faz seus 138 minutos de duração parecerem ser mais longos do que o necessário. A verdade é que o longa provoca muita expectativa e não dá o retorno esperado.

Christian Bale;Amy Adams;Bradley Cooper

O diretor David O’ Russell parece que quer ser Martin Scorsese quando crescer. Porém, apesar de esforçado, ainda precisa comer muito feijão com arroz para chegar aos pés do realizador de grandes obras do cinema, como “Taxi Driver”, “Os Bons Companheiros” e “Cassino”, dos quais ele parece se inspirar para conduzir a trama de “Trapaça”, seja na ambientação ou na construção dos personagens. Sendo que, neste último quesito, o cineasta (que também assina o roteiro junto com Eric Warren Singer) é um pouco mais feliz ao mostrar as nuances dos seus protagonistas. Por exemplo, Irving é mostrado como um vigarista que tem coração, já que acaba se tornando realmente amigo do prefeito Carmine e lamenta que ele esteja indo em direção à sua ruína como político. Uma cena que mostra bem a relação entre os dois é quando Carmine dá para Irving um forno de micro-ondas (algo raro e caríssimo para a época, como também foi mostrado em “O Gangster”, de Ridley Scott) e ele dá ordens expressas para que Rosalyn prepare as comidas exatamente como ele pediu, para que o presente não se estrague (obviamente, o pedido não é atendido). Já Sydney é apresentada como uma mulher que, apesar de apaixonada por seu parceiro, não consegue lidar muito bem com o fato de que ele não quer assumir o seu relacionamento porque é afeiçoado demais ao filho da esposa. Por isso, arrisca até se envolver com DiMaso para ter algo verdadeiro, depois de viver anos envolvida em mentiras. Mas ela descobrirá que obter o que deseja não será tão simples.

Jeremy Renner

Vale destacar a seleção musical escolhida para o filme, em especial sucessos dos anos 70 como “Delillah”, de Tom Jones, que é cantada em dueto numa cena entre Bale e Renner, e “Live and Let Die”, de Paul McCartney, num momento em que Rosalyn tem um de seus acessos de desequilíbrio em casa, que acaba sendo tragicômico. Outro elemento que salta aos olhos é o figurino usado pelos personagens, criado por Michael Wilkinson. Os trajes, na sua maioria extremamente cafonas, acabam se tornando uma diversão à parte, assim como os penteados, em especial os cachinhos cuidadosamente enrolados de Bradley Cooper e o topete de Jeremy Renner. Estes elementos tornam “Trapaça” um filme um pouco acima do interessante, mas não tudo aquilo que se espera de uma obra que foi soprada aos sete ventos como sendo algo espetacular.

Christian Bale;Bradley Cooper;Jeremy Renner

“Trapaça” chama a atenção, em particular, pelo elenco poderoso nos papéis principais. Pena que nem todos correspondam à expectativa. Christian Bale, que ganhou seu até então único Oscar em “O Vencedor” mostra mais uma vez sua dedicação ao seu papel ao aparecer com uma barriguinha saliente e uma calvície que tenta esconder com o que restou de seu cabelo. O diretor, aliás, faz questão de enfatizar o trabalho do ator ao dar um close em sua barriga e na sua testa. Porém, a impressão que dá é que Bale não soube se conter e carregou nas tintas na sua interpretação, deixando seu personagem sem a naturalidade necessária para que possamos acreditar que aquela pessoa é real. Bradley Cooper tem o mesmo problema e não consegue deixar a sua canastrice de lado. Por incrível que pareça, ele está bem melhor no filme anterior que fez com Russell, “O Lado Bom da Vida”, do que em “Trapaça”. Um exemplo disso está numa cena em que tem que chorar e é praticamente impossível não perceber o esforço em vão para emocionar. Jeremy Renner usa um sotaque estranho para o seu personagem, mas não chega a se comprometer, já que é bem sucedido ao provocar no público o mesmo sentimento de pena que Irving sente por participar de uma operação que pode mandá-lo para a cadeia.

Jennifer Lawrence

Já o elenco feminino está bem melhor. Amy Adams constrói a sua Sydney Prosser de forma mais do que adequada, o que explica por que ela é atualmente uma das atrizes mais requisitadas de Hollywood. A bela Jennifer Lawrence também é um dos principais atrativos do filme, com sua performance explosiva como Rosalyn. Embora pareça estranho que, mais uma vez, ela interprete uma mulher aparentemente mais velha, a atriz dá conta do recado direitinho e é uma das poucas coisas que ficam na memória ao fim do filme. Vale destacar também a participação mais do que especial de Robert De Niro numa sequência crucial da produção, que mostra o que ele sabe fazer de melhor.

Com uma péssima montagem (inexplicavelmente indicada ao Oscar), que deixa o filme arrastado em um certo momento, “Trapaça” acaba se tornando uma boa diversão e nada mais do que isso. Quem for ao cinema esperando ver uma obra inesquecível, vai com certeza se decepcionar. Portanto, assista sem maiores expectativas, ou vai achar que foi ludibriado por este filme Denorex.

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