Podem até me chamar de Sheldon Cooper, mas a verdade é que sou fascinada por trens – mais especificamente, filmes com trens. O trem é meio de transporte, é metáfora para viagem e jornada, corta o frame e horizonte, pode ser causa mortis, elemento-chave de comédia ou tragédia. O trem está presente no começo, meio e fim de “Kasa Branca”, partindo da Central do Brasil e correndo pelos trilhos enquanto nosso protagonista observa e vive uma contagem regressiva.
O jovem Dé (Big Jaum) cuida da avó com Alzheimer, dona Almerinda (Teca Pereira). Ele precisa parcelar as fraldas e os medicamentos usados pela avó no cartão de crédito de um amigo, para quem promete pagar depois, e não tem condições de arcar com o aluguel da branca casinha onde ele e a avó vivem. Como a idosa precisa de cuidados 24 horas por dia, é impossível para Dé arranjar um emprego.
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Quando sai com os amigos, Dé por vezes deixa a avó com a amiga Talita (Gi Fernandes), mãe de uma menina pequena e cujo ex-namorado está fazendo de tudo para que ela perdoe uma traição. É com os amigos que Dé pode contar sempre, pois seu pai (Babu Santana) se afastou, mas segue morando e trabalhando como pedreiro no Rio de Janeiro. Dé liga para ele, mas não consegue dizer nenhuma palavra.
A situação passa a ser insustentável. Dé deve três meses de aluguel e sua avó não tem previsão de melhora, só piora. O jovem e seus amigos começam a pensar em maneiras de juntar dinheiro não apenas para o aluguel, mas para os remédios de cuidados paliativos. Enquanto isso, Dé permanece olhando as estrelas e embalando dona Almerinda na cadeira de balanço, enquanto ouve a música que diz “vou buscar quem more longe, sonho meu”.
A princípio a atuação de Teca Pereira pode não parecer nada demais, afinal, ela fica parada com o olhar ao longe. Mas sabemos que a mente funciona, de modo que para nós é alheio, a mil por hora. Assim como na atuação de Fernanda Montenegro no filme mais comentado da temporada, a performance de Teca, com muito mais tempo de tela, se ancora no olhar que diz: ainda estou aqui.
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O ator Luciano Vidigal faz sua estreia como diretor solo em “Kasa Branca”, e escolhe contar uma história real para desmistificar as narrativas só sobre violência que em geral são contadas acerca das favelas. Sobre o projeto, declara:
“É um filme que tem um protagonismo negro no lugar do objeto, que são os atores, no lugar do sujeito, eu como diretor. Então, você tem a figura preta ali como protagonista no elenco e também na criação. E a gente que faz cinema independente, cinema preto, busca essa relação horizontal com o audiovisual brasileiro. E sempre no objetivo de somar, de trazer essa diversidade potente e cultural que tem o nosso país”
Uma música muito popular diz que “a vida é trem-bala, parceiro, e a gente é só passageiro prestes a partir”. A escolha de colocar lado a lado uma mulher no fim da vida com seu neto mal começando sua própria vida não é original, mas nunca deixa de emocionar. Para além da relação deles, é mais forte e mais o foco do filme a força das amizades de Dé. Se um ditado popular fosse necessário para descrever “Kasa Branca”, com certeza seria este: quem tem amigos tem tudo.
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