Um dia antes de assistir ao documentário “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, apareceu um vídeo nas redes sociais de uma entrevista com o filho, ainda criança, do cantor. Perguntado quais eram seus compositores favoritos, o menino respondeu: Sting e seu próprio pai. O clipe da entrevista terminou com o garoto cantando “Negro Gato”, que até então eu não sabia que havia sido composta por Luiz Melodia. Eu ignorava muitas outras coisas da vida e carreira de Melodia, mas é para isso que existem os documentários: para ensinar, informar e, com alguma sorte, emocionar.
O menino do Estácio cujos gostos musicais não tinham fronteiras estreou num cenário artístico marcado pelo contorcionismo, termo bonito e preciso para falar do ato de tentar escapar da censura vigente. Melodia quase desistiu da carreira, é verdade, mas um fortuito encontro com Gal Costa o colocou de volta no caminho do sucesso.

O artista indomável aprendeu os primeiros acordes com o pai, foi gravado ainda no começo da carreira por Maria Bethânia, desafiou a gravadora que só queria que ele gravasse samba e ficou impressionado com o imenso êxito que, declara humildemente, nunca almejou. Trilha sonora de novela, ouvido de maneira ou de outra – através de LPs, rádio ou televisão – em milhões de lares brasileiros, Luiz Melodia tinha música no nome e em cada célula de seu ser.
Assim como nos filmes de ficção, nos documentários também são feitas escolhas como que material usar e qual deixar de fora e mesmo qual será o tom do produto audiovisual. “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” não apresenta uma biografia ordenada e engessada do artista, mas usa material de arquivo para fazer um passeio pela carreira, com seus altos e baixos, do cantor e compositor, que também é narrador do documentário tendo sua voz retirada de entrevistas.
“Luiz Melodia – No Coração do Brasil” dialoga em diversas frentes com outro documentário recente, “Fernanda Young – Foge-me ao Controle”. Para além da construção idêntica dos títulos, ambos foram dirigidos por mulheres – Alessandra Dorgan dirigiu o de Melodia e Susanna Lira o de Fernanda – e preferem focar na carreira de seus objetos de interesse, como numa colagem de obras fruto da criatividade humana que, conforme constatamos em ambos, não tem fronteiras.

Um dos co-produtores é o Canal Arte1, braço do grupo Bandeirantes que vem financiando produtos sobretudo acerca da música para passar nos cinemas e mais tarde no canal. Dessa iniciativa já saíram os elogiados “Tom & Elis – Só tinha de ser com você” e “Saudosa Maloca”. É certo que, depois de passar pelos cinemas, o documentário de Luiz Melodia irá para o Arte1, mas a experiência de vê-lo na tela grande e ouvi-lo com toda a potência do som do cinema é algo único.
Luiz Melodia desviou de rótulos e evitou ser um estereótipo ambulante, perpassando por e mostrando sempre seu talento em diversos gêneros musicais. Dizia, de suas performances: “eu sou minha música naquele momento, faço questão de ser”. Talvez essa diversidade e dedicação sejam o segredo de seu sucesso, que perdura mais de sete anos após sua partida.
No começo Melodia diz o que serve de moral: “enquanto existir música dentro de cada um de nós, existe liberdade”. Melodia foi livre e nos legou esta liberdade em cada uma de suas canções. Quando ouvir uma melodia de Luiz, não se esqueça disso – eu pelo menos não esquecerei.
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