Uma atriz fracassada, acusada de assassinato tem uma reviravolta em sua vida. Imagina essa premissa sob o olhar peculiar e fetichista de François Ozon. Para quem é íntimo do cineasta francês é fácil reconhecer de antemão o quanto esse tema pode render em sua lente provocativa.
Em “O Crime é Meu”, Madeleine, jovem candidata a atriz, sem muita sorte e carecendo de talento, é a principal suspeita de assassinar um famoso produtor. Só que, em vez de tentar contestar a acusação, ela, com sua amiga advogada Pauline, que está desempregada, decide confessar a culpa alegando legítima defesa, por ter sofrido assédio sexual. Assim, Madeleine acaba finalmente desfruta da fama e sucesso que tanto almejou, de fama e sucesso começa para Madeleine, mas os dias de glória rapidamente chegam ao fim, quando uma nova verdade por trás do crime é revelada.
A trama é inspirada na peça francesa de 1934, Mon Crime, de Georges Berr e Louis Verneuil. que já foi adaptada duas vezes por Hollywood em “A Mentirosa” (1946) e “Confissão de Mulher” (1937), sendo essa a primeira versão cinematográfica francesa. É o veículo perfeito para Ozon desferir seus costumeiros e astutos coices no conservadorismo da sociedade tradicional e, no caso aqui, sobretudo, no machismo.
A protagonista é vivida um dos principais jovens nomes do cinema na França, Nadia Tareszkiewicz, que esbanja carisma e um ótimo timing para o humor. A química entre ela e Rebecca Marder, que interpreta Pauline, é a força motriz para que a comédia funcione. A veterana Isabelle Huppert surge no terço final como a velha diva do cinema Odette Chaumette e rouba cada frame em que é enquadrada, como era de se esperar. É a personagem cuja função é colocar fogo no parquinho e o faz revestida do melhor espírito Vaudeville.
Os personagens masculinos são as peças compositoras do conflito e ao mesmo tempo colocados da maneira caricata sem a menor sutileza ao demonstrar o intuito de desmoralizá-los. Isso é explícito na construção de Gustave Rabusset, inseguro juiz de instrução vivido pelo mestre Fabrice Luchini, o cômico escrivão de justiça Léon Trupu interpretado por Olivier Broche, o industrial Monsieur Bonnard com um sempre ótimo André Dussollier, e o milionário Palmarède, papel de Dany Boon. Contudo, por mais que se trate de uma comédia e o desempenho dos atores esteja na medida correta, o fato de o diretor carregar no tom caricatural desses personagens acaba por enfraquecê-los.
A direção de fotografia de Manuel Dacosse é a grande cúmplice do cineasta (como no trabalho anterior da dupla, “Peter Van Kant”), seja na exploração de uma luz teatral, com saturação adequada à proposta, ou no olhar fetichista que lança sobre a aliança entre as duas protagonistas, não explicitando totalmente, mas convidando o espectador a suspeitar de uma ligação homoerótica. Todavia é notório que o cineasta se perde um pouco nessa proposta subliminar e esquece da dar-lhe uma conclusão a contento.
De um caráter feminista que angariaria mais inimigos do que Barbie, “O Crime é Meu” é uma comédia que certeira, mas que também homenageia tanto o teatro como o cinema, tão venerados por Ozon, em mais uma engenhosa narrativa, que, mesmo tendo o humor como mola mestra, não deixa de provocar e nos convidar à reflexão. Os métodos pouco ortodoxos que o cineasta utiliza não são bem digeridos por todos os espectadores, mas sua intenção passa longe da pretensão de unanimidade. Para Ozon, assim como para sua personagem principal, o crime compensa.
