Assim como um raio cai, sim, duas vezes no mesmo lugar, o “crime do século” pode sim acontecer duas ou mais vezes no mesmo século. E mais que isso: este segundo crime do século pode e vai cair no colo do detetive Perry Mason. Depois do caso de Emily Dodson na primeira temporada, chega nesta segunda temporada o crime McCutcheon para Perry investigar. E , assim como antes, um assassinato se desdobrará, mostrando uma realidade muito mais complexa.
De cara, o assassinato do empresário – que estava prestes a investir no ramo de esportes – Brooks McCutcheon não chamou a atenção de Perry Mason (Matthew Rhys) e Della Street (Juliet Rylance), agora sócios em um escritório de advocacia civil – nada mais de advocacia criminal, era o que eles imaginavam. Foi só quando a família dos irmãos Gallardo, presos acusados do crime, bateu à porta deles que Perry e Della aceitaram se envolver no caso, servindo como defesa dos irmãos. Eles terão de preparar a defesa em tempo recorde, com a ajuda do investigador Paul Drake (Chris Chalk). Ao mesmo tempo em que acontece essa aventura na vida profissional, as vidas pessoais de Perry e Della são sacudidas pela possibilidade de novos amores.
Encontramos um Perry Mason mais circunspeção depois de um ato intimidatório – a invasão de seu apartamento. Tal invasão também mexe com a segurança do filho dele, e é bom ver Perry como um pai que tenta ser mais presente, pois isso adiciona uma camada de interesse num personagem já interessante.

O ódio contra os irmãos Gallardo é insuflado por um programa de rádio sensacionalista, muito parecido com os programas sensacionalistas que contaminam as tardes de nossas televisões. Escorraçados até dentro da prisão, onde lhes são servidas refeições com estilhaços de vidro, os Gallardo sofrem por sua origem mexicana, como se apenas isso já fosse um crime pelo qual mereceriam ser condenados.
Brooks McCutcheon pode ter sido vítima de um crime, mas não era santo – e é isso que Della, recém-formada advogada, quer expor no tribunal. Brooks tratava as mulheres como lixo, não apenas usando-as e descartando-as, mas também sendo violento durante o sexo. Isso, claro, não diminui o impacto do que aconteceu com ele, mas mancha sua reputação até então ilibada e nos traz o questionamento: foi “bem feito” o que aconteceu?
Desde a primeira temporada, a nova série “Perry Mason” – porque já houve uma série do personagem, lá nas décadas de 1950 e 60 – quer mostrar que, apesar de o entretenimento produzido na década de 1930 não mostrar isso, existia já muita diversidade na época. Existiam advogadas lésbicas como Della Street, e homens da lei negros como Paul e gays como Ham. Havia, também, um latente conflito racial, que iria explodir décadas mais tarde, mas que a série faz questão – e faz bem – de mostrar.

Perry Mason foi personagem criado pelo escritor Erle Stanley Gardner, tendo aparecido em mais de 80 livros escritos entre as décadas de 1930 e 1960. É, portanto, um personagem pra lá de icônico, que se beneficia ao ser olhado com novas lentes, que deixam de “endeusá-lo” e o pintam como um homem comum, cheio de dilemas e defeitos.
É muito interessante ver as técnicas de investigação do passado: são pequenas câmeras portáteis com número reduzido de poses, testes de balística pouco convencionais, além da boa e velha tocaia. Mais do que técnicas curiosas, são técnicas que funcionam para o caso retratado na temporada, um caso aliás que poderia muito bem acontecer no tempo presente.
Nesta segunda temporada, e no sétimo episódio principalmente, as mulheres tomaram a frente na investigação. Della Street vai a campo, entrevista testemunhas, colhe relatos, defende o caso no tribunal e se arrisca pelos clientes. A esposa de Paul, Clara, fica de tocaia e se faz passar por outra pessoa para fazer descobertas e colher evidências. Até a secretária do escritório de Mason tem palpites certeiros que contribuem com a investigação.

A série Perry Mason é produzida por Robert Downey Jr. Consta no IMDb que a série e o filme “Dolittle” estavam em pré-produção no mesmo momento, mas Matthew Rhys iria interpretar o médico que fala com animais, enquanto Downey Jr seria o detetive Perry Mason. Percebendo que eles eram perfeitos para o papel oposto, a troca foi feita.
Lembrando os filmes noir que seriam feitos em Hollywood na década seguinte à que se passa a história, a segunda temporada de Perry Mason é mais um acerto da HBO, de Matthew Rhys, de toda a equipe por trás das câmeras – incluindo as que prestam atenção aos detalhes dos cenários e figurinos imaculados. É, em suma, televisão da mais alta qualidade.
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