Você usa uma forma muito criativa de desenhar um subúrbio carioca? Como surgiu este tom de escrita? A poética alinhava muito bem tanto o enredo como a construção dos personagens. Fale um pouco sobre isso?
Cada história se faz por meio de sua poética, porque existem, é claro, infinitas maneiras de se contar uma mesma coisa. O subúrbio de O amor dos homens avulsos (o bairro do Queím) é, na verdade, duplo: há o Queím visto pelos olhos do narrador-menino e aquele que é descrito e compreendido pelo narrador-adulto. No fundo, porém, está o subúrbio que vive na memória afetiva de muitos cariocas, que foi alvo de muitas obras marcadas de estereótipo (o pobre feliz, a família muito unida e também muito eriçada, o menino sem perspectiva mas craque de bola etc.). Os personagens que nasceram nesse livro, eu espero, tentam fugir desses moldes, que se impõem tanto aos homens reais quanto aos ficcionais.
Através de uma linguagem muito acuidada, seu livro surge como uma criação de um repertório linguístico pra contar a história. Como ela serviu pra o enredo e os personagens, principalmente o narrador?
O narrador em primeira pessoa dá ao escritor um pouco da alegria do ator: com ele, posso incorporar outra pessoa (por anos e anos). Seus trejeitos e tiques mentais acabam me infectando: o diminutivo, as frases de fôlego ríspido, e até mesmo algumas noções de vida, eu aprendi com esse protagonista. Passei umas semanas mancando como ele, inclusive (embora, aí é que está o mistério, eu mesmo estivesse com o joelho machucado, estava mancando como o Camilo). O problema, claro, é se desvencilhar disso tudo depois. Durante o processo, porém, é quase natural.
Victor Heringer
Escritor, artista visual e sonoro, nasceu no Rio de Janeiro, em 1988. Formado em Letras pela UFRJ, com mestrado em Teoria Literária pela mesma universidade, é autor dos livros O amor dos homens avulsos (2016), Glória (2012, Prêmio Jabuti) e automatógrafo (2011), entre outros, além de diversos trabalhos nos campos das artes visuais, arte sonora e performance. Colunista da Revista Pessoa.
Fotografia: Renato Parada