De como me lembro de Maguila

Quando se analisa o cartel de Maguila, nome com o qual ficou nacionalmente conhecido o sergipano José Adilson Rodrigues dos Santos, a impressão que temos é de que existe alguma coisa muito errada. São 85 lutas, 77 vitórias, 01 empate e apenas 07 derrotas. A estranheza é que parece que vimos Maguila apanhar muito mais do que em sete ocasiões. Talvez por ele ter sido surrado inclusive nas vitórias.
Nenhum lutador brasileiro apanhou tanto e com tamanha dignidade que Maguila, e ele foi leal em seu papel de divulgador do esporte, ainda que tratado por muitos como bobo da corte em um tempo em que o esporte tinha como um dos seus imperadores a figura de Luciano do Valle – justamente o maior divulgador das qualidades do boxeador nordestino.
É interessante a visão que temos de Maguila, um azarão derrotado, ainda que tenha sido um dos maiores campeões que o boxe brasileiro já viu. Nada a se estranhar de um povo que nem sabe quem foi Eder Jofre ou outros grandes. Mas justamente ele, o grandalhão apelidado em razão da sua semelhança com um gorila de desenho infantil, foi quem escalou a pilhéria até tornar-se, pela sua simplicidade, figura querida além das potenciais características pugilísticas que muitas vezes lhe fizeram efetiva falta no ringue.
Tenho duas grandes lembranças do lutador. Uma delas, aquela surra que tomou ao disputar um famoso duelo contra Evander Holyfield, que quase o matou em pouco tempo de luta. Quem foi que colocou na cabeça do brasileiro que dava para enfrentar um dos mais técnicos e fortes lutadores de todos os tempos? Aguentou bem um round. Coisa de estudo entre eles. No intervalo uma voz diz a Maguila para ele ir “com tudo”. Pode ter sido Hebe Camargo, histérica girando uma bandeirinha e berrando. E foi. Não voltou. Tomou uma tijolada de punhos que o fez ver Padre Cícero de tanga em um riacho de peras.
A outra lembrança viva que tenho de Maguila é anterior. Foi quando, pela primeira vez, um membro da minha família apareceu em rede nacional. Maguila lutaria em Sorocaba em novembro de 1985 contra o holandês Andre van den Oetelaar. Massacrado, foi nocauteado e ao final da luta, meu tio “Zelão”, solidário e que nada tinha de juízo depois de um gole, resolveu lavar a honra do brasileiro e revidar sua surra. Tomou apenas um soco de encontro. Tudo devidamente televisionado. Com seis anos, eu estava lá. Depois dessa Zelão deixou o boxe, mas não a bebida. No ano seguinte, em revanche, Adilson Maguila venceria o holandês – e sem a ajuda do meu tio.

De como me lembro de Maguila – Ambrosia
Cartaz de divulgação de luta entre Maguila x Domingo D’Elia. em 1984
Acompanhei cada uma das suas lutas, fossem contra os grandes nomes, como Holyfield, ou contra os mais patéticos frangos de ringue que seus empresários arranjaram. De sorriso fácil, figura muito simples, tentou seguir outros caminhos depois do boxe. Fundou uma ONG que ensinava o esporte para crianças, foi coadjuvante em programas dispensáveis da televisão aberta, tentou cantar (se Belo podia, porquê não Adilson Rodrigues?) e ser político.
Infelizmente as surras cobraram rapidamente o seu preço. Acometido por uma doença causada – e potencializada – pelos golpes que recebeu promovendo entretenimento ao povo, está há mais de um ano e meio internado em uma clínica em Itu (SP) . Em um vídeo recente pediu ajuda para sair da clínica. Uns dizem que foi manipulado, não duvido. Não teria sido a primeira vez que isso acontece. Usam o bobo da corte até ele não produzir mais risos. Lamentável. Prefiro manter na lembrança o homem que desafiou o incerto ao ir para cima de Holyfield e aguentava firmemente cada pancada que a vida lhe desferia. Maguila sempre foi a prova viva que não se é um derrotado apenas por apanhar dia após dia e que os campeões também levam surras.
 
 
 
 
 
 
 
 

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