Há um curta-metragem muito curioso dentro da obra de Alice Guy-Blaché. Chamado “Americanização” (1912) e tendo sido feito nos estúdios Solax, localizados em Nova Jersey, trata-se de um curta da fase norte-americana da diretora. Nele, um imigrante turrão, ao entrar em contato com os valores da América, para onde havia recém se mudado, tem uma mudança de hábitos e passa a tratar a esposa, em quem batia, muito melhor. Ele foi mudado pela América. Quem também muda em contato com a América é o protagonista do filme luso-brasileiro A Bela América, com a diferença de que aqui América não é o continente, mas sim uma pessoa: uma mulher candidata à presidência de Portugal.
Lucas Antunes (Estêvão Antunes) e sua mãe (Custódia Gallego), uma senhora com deficiência visual e uma grande coleção de perucas, são despejados do apartamento onde moravam e vão, de improviso, para uma pequena cabana. Indignados com o despejo, amigos de Lucas fazem protestos nas redes sociais, e um deles contata a estrela de TV que entrou para a política chamada América. Ela conhece o rapaz em sua cabana, grava uma declaração para a TV, colocando-se junto aos oprimidos como Lucas, e depois sua equipe convida Lucas para o lançamento oficial da campanha de América (São José Correia) à presidência.
A esta altura Lucas já está apaixonado. Como é cozinheiro, – ele tem um serviço de entrega de comida com a amiga Noémia (Daniela Claro) – Lucas decide conquistar a bela América pelo estômago. E ele faz isso de um jeito nada convencional: indo até a casa dela em segredo e cozinhando verdadeiros banquetes para ela se deliciar quando chegar à habitação depois de um dia cheio de campanha. Essa estranha dinâmica continua, até que o pai de Lucas, há muito tempo distante, reaparece, e Noémia decide buscar algo de podre no passado de América.
O filme não toma partido na discussão sobre política. Quando perguntada se é de esquerda ou de direita, América desconversa: “Não sou nem de esquerda nem de direita, aliás muito pelo contrário”. O que acontece com ela, entretanto, espelha perfeitamente o que aconteceu num passado não muito distante no Brasil. Por isso, a escolha de humanizá-la ao final é, se não de todo amarga, ao menos agridoce.
O diretor e co-roteirista António Ferreira conta que seu filme é sobre meritocracia e sobre cruzar as barreiras muitas vezes invisíveis, mas facilmente sentidas, que se põem entre as classes sociais:
“Nunca se falou tanto em meritocracia quanto hoje, somos bombardeados com mensagens que nos estimulam a sermos empreendedores, pró-ativos, tomar o destino nas nossas mãos. Porém, o dia a dia parece confirmar uma realidade diferente. Vivemos com a angústia de não fazermos tudo o que poderia ser feito e se não enriquecemos, a culpa é nossa”
Co-produção do Canal Brasil com a Persona Non Grata Pictures, A Bela América por vezes trabalha na chave da comédia, por vezes na do suspense, e se sai bem em ambas. Sátira política – porque é bom fazer troça do que um dia já nos prejudicou – com comentário social agudo, o filme acompanha um homem simples, talvez como eu e você, que empreende sua própria conquista da América. Se ele vai conseguir ou não, só vendo o filme para saber.
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