Um dos filmes da mostra digital do cinema Suíço é “O Vento Muda”, escrito e dirigido por Bettina Oberli e lançado em 2018. Em um primeiro olhar e de forma mais superficial, poderia-se pensar que se trata de uma clássica história de triângulo amoroso. Entretanto, o filme é mais complexo e mais interessante do que apenas um folhetim repaginado.
Apesar de usar uma estrutura narrativa bastante conhecida na qual um elemento externo vem desestabilizar a ordem local e despontar a descoberta de uma insatisfação escondida por parte da protagonista (tema este anunciado desde a citação de abertura), Bettina acrescenta elementos que expandem os horizontes da trama, das relações e da interpretação.
Historicamente, na maioria dos filmes que apresenta esse tipo de estrutura, existe uma tendência de mostrar uma rachadura na felicidade da personagem quando algo novo é introduzido em sua vida. Este novo elemento pode ser um espaço, uma rotina, ou uma personagem. Um exemplo clássico disso é “As Pontes de Madison”, com Merryl Streep e Clint Eastwood. Nele, uma pacata dona de casa entra em contato com e se apaixona por um forasteiro que, ao representar a abertura pra mundos desconhecidos e inexplorados, a faz questionar sua vida e perceber coisas de si mesma que estavam adormecidas ou das quais nem mesmo se dava conta.
Em geral, a solução oferecida pelo roteirista é uma troca de realidades. A personagem se vê tentada a largar uma coisa (vida, pessoa) por outra, soltar o passado pra se agarrar ao futuro logo a seguir.
Apesar desses filmes apelarem pro lado radicalmente romântico das pessoas e fazer um sucesso danado pelo alto nível de melancolia e angústia e de idealização do amor, são também filmes deterministas, nos quais a felicidade está totalmente atrelada a uma relação específica ou a um destino determinado. É um tudo ou nada que aprisiona a personagem dentro de algumas configurações e fragiliza a noção de felicidade.
“O Vento Muda” traz um frescor nesse quesito e não é surpreendente que o faça, pois o cinema franco-suíço tem um histórico bastante progressista em suas abordagens em torno da complexidade amorosa. Muitos deles estão mais preocupados em tratar a emancipação (sexual ou como protagonista de sua própria vida) da mulher e a liberdade no amor e nas formas de amar do que sobre o tema da moralidade.
Aqui, a diretora/roteirista coloca em questão as escolhas tidas como inabaláveis pela protagonista, o contraste entre modos de vida contemporâneos e a complexidade operacional e ética de decidir ter e manter um estilo de vida mais sustentável. Além disso, o filme fala sobretudo sobre ideais, sobre escolher uma vida que faça sentido e que te dê propósito e a dificuldade de se perpetuar tais objetivos quando confrontado com a sedução do prazer imediato.
Samuel (Nuno Lopes), o engenheiro que vem conduzir a instalação a torre aeólica, representa o tal elemento externo que vem desestabilizar a paz e a harmonia local, e trazer questionamentos. Ele é a tentação não apenas no sentido do relacionamento amoroso, mas enquanto símbolo de toda uma vida que Pauline (Mélanie Thierry) desconhece e sempre acreditou não querer/precisar conhecer. E é ele também quem vai questionar o casal de fazendeiros se esse estilo de vida não seria uma fuga ou uma saída mais fácil, já que assim não entrariam em contato com possíveis futilidades e prazeres frívolos para tentá-los, ou até mesmo se não seria um gesto hipócrita ou egoísta, visto que se ausentam/isentam da participação dentro do coletivo e expandem os benefícios apenas para os mais próximos.
Gosto do ritmo, das sutilezas, das atuações entremeadas com a realidade local e dos questionamentos. Não concordo muito com as “respostas” do filme, pois parece um tanto quanto desacreditado dessa busca por um modo de vida sustentável, mas talvez enxergar respostas seja uma ingenuidade. Talvez o filme esteja mais interessado em colocar perguntas, e nos convidar a rever conceitos, nos tirando do conforto da névoa opaca, porque mesmo que se conheçamos a paisagem e mesmo que ela não tenha mudado, talvez nós tenhamos.
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