Fantasporto 2019: O misterioso "Nancy"

O enigmático “Nancy” faz parte da programação do Fantasporto 2019, o Festival Internacional de Cinema do Porto que traz o melhor do cinema inventivo, do Terror à Ficção Científica passando Fantasia. O filme de Christina Choe conta com a presença da versátil e potencialmente estranha Andrea Riseborough, do maravilhoso “Mandy”. Andrea não apenas protagonizou o filme como também o produziu.

Em uma entrevista para o IndieWire, Christina fala sobre um acontecimento na sua vida que a fez refletir sobre a noção de verdade e ficção. Um professor que a havia influenciado bastante na faculdade de cinema acabou sendo revelado como uma grande “falcatrua”. Nesse momento Christina percebeu que, às vezes, uma mentira pode ser tão positivamente eficaz quanto uma verdade, dependendo de como ela afeta alguém.

Em poucas palavras, “Nancy” trata de uma mulher que, em seus 35 anos, se vê extremamente solitária, numa relação triste e abusiva com sua mãe doente, com muito pouco cuidado com sua aparência e diversos complexos, refletidos tanto por uma sugerida bulimia como também por seu esforço em criar narrativas possíveis para sua vida, de modo a parecer mais interessante para as outras pessoas.

Cria de uma era tecnológica contemporânea na qual muitos de nós acabam por forjar personas na internet, expondo uma pseudo felicidade através de imagens das férias ou desabafam possíveis traumas e melancolias na busca desesperada por aceitação ou conexão, Nancy forja fotografias e inventa histórias em seu blog.

Apesar dessa atitude “fraudulenta”, que a caracteriza como uma anti-heroína, o filme consegue construir a personagem de forma generosa e complexa, nunca julgando-a por completo e nos convidando também a manter um olhar compreensivo. Quem de nós nunca se sentiu tão fora de lugar, tão inseguro ou tão sozinho que quis por alguns momentos inventar um outro si mesmo?

Fantasporto 2019: O misterioso "Nancy" – Ambrosia

Logo no começo da trama, a mãe de Nancy morre e em meio a um alívio-luto, uma reportagem que ela assiste na TV sobre um casal que há 30 anos teve sua filha raptada e desaparecida, a faz pensar que talvez ela possa ser a versão adulta desta criança.

Esta é outra característica muito interessante sobre o roteiro e a personagem: o fato de ela realmente acreditar em suas narrativas. Não à toa, um de seus maiores talentos parece ser a escrita. Sua crença, advinda de um desejo absoluto de que sua invenção seja ou se torne realidade, nos aproxima dela e nos sensibiliza. Suas mentiras parecem sinceras e nós torcemos para que Nancy seja presenteada com uma nova verdade.

Para melhorar ainda mais esta estranha e original história, o filme traz também o maravilhoso Steve Buscemi no papel do pai que perdeu a filha há tantos anos.

Narrativamente, “Nancy” centra-se em pequenos detalhes, capazes de nos sugerir, nos situar e de expressar, muito mais do que informar, os complexos e intrincados caminhos da mente humana e a evolução de um afeto (re)descoberto.   

Em resumo, não é afetado, não é redundante, nem óbvio. É comedido e delicado, ainda que mantendo um certo caráter sombrio e inteligente. Enfim, mais um ótimo e discreto filme que não subestima a capacidade imaginativa do espectador.

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