Por trás da cortina de Watchmen

Watchmen

Em primeiro lugar quero esclarecer que de maneira alguma esta é uma crítica sobre o filme, na verdade através deste texto espero elucidar muitas pessoas que não conseguem entender Watchmen ou mesmo adaptações para os cinemas. Quanto a uma resenha, espero em breve rever o filme para escrever.

A série em quadrinhos Watchmen chegou ao mercado junto com O Cavaleiro das Trevas e Maus, juntas elas podem ser consideradas o grande pilar evolutivo da indústria de quadrinhos no último século. Terem sido lançadas no mesmo ano se tornou mais do que uma simples coincidência, é incrível perceber como as obras não se disputam entre si e ainda passaram a oferecer para o mercado três linhas distintas e identificáveis para outras grandes obras.

Já nos cinemas, apesar da indústria audiovisual sempre cortejar os quadrinhos mainstream, tivemos raros exemplos de boas obras adaptadas para as telonas. Inicialmente o problema era a falta de tecnologia para dar vida universo fantástico das HQs, certas adaptações nunca poderiam ser cogitadas enquanto outras beiravam o ridículo completo. Considerando então está como uma “Era de Ouro” das adaptações, só resta destacar Superman como a grande exceção. Superman foi lançado em 1978 com Richard Donner na direção e sem dúvida é a adaptação quadrinhos-cinema mais marcante do século XX, não pela qualidade técnica, que fica no limite do aceitável, mas pela grande atuação de Christopher Reeve como o poderoso Superman e o desajeitado caipira Clark Kent.

Mas, como disse, Superman foi uma agradável exceção e nenhuma outra produção se chegou perto de capturar o poder dos quadrinhos até que a tecnologia avançasse o suficiente, algo que só aconteceu no limiar do século XXI com X-Men e Homem-Aranha. Sem dúvida estas produções deflagaram o início de uma nova era, mas apesar da técnica adquirida as produções seguintes apenas arranhavam superficialmente o poder das HQs. Hollywood não entende os quadrinhos e as editoras só se preocupam com o retorno financeiro, mas em meio a todos filmes puramente comerciais algumas produções buscavam harmonizar a obra com cinema (Sin City, 300, V de Vingança). Neste cenário “Era de Prata”, sem dúvida é preciso analisar Homem de Ferro, a produção sem dúvida alguma possuía todos recursos necessários para se tornar uma grande obra, mas a visão simplista da HQ deixou o resultado muito aquém do que viria a seguir…

Estou falando de O Cavaleiro das Trevas, uma produção cuja ousada proposta conseguiu elevar todo universo das adaptações para um novo patamar. Christopher Nolan trouxe com Batman não somente um novo roteiro surpreendente e personagens marcantes, sua grande façanha foi entender a iconografia e atmosfera do personagem e adequá-la tanto a linguagem cinematográfica quanto a realidade cotidiana. Mas além de um resultado perturbador além de qualquer HQ, Batman deu um decisivo passo rumo a dissolução das barreiras que separam as grandes obras das HQs das adaptações plenas para o cinema.

Mas antes de seguir adiante e falar de Watchmen, dar um passo para trás se faz necessário para o entendimento do conceito adaptação. Adaptar significa tanto adequar quanto evoluir, portanto, quando uma obra é adaptada para outra mídia nada mais natural que haja uma metamorfose que subjetivamente pode ser aceita tanto ruim quanto boa.

O importante ao analisar Watchmen dentro deste contexto é refletir quão substancias são os aprimoramentos da narrativa quadrinhos para cinema, tanto em termos no que se refere ao roteiro quanto na composição visual do filme. Considero dentro deste universo que Watchmen é imbatível, não somente por buscar fidelidade ao trabalho de Gibbons e Moore, mas principalmente por apresentar soluções onde a transposição fidedigna se tornaria complexa demais para a audiência.

Não ficando apenas na teoria, cito como exemplo o maior sacrifício de Zack Snyder a favor da linguagem cinematográfica: o capitulo de origem do Dr. Manhattan. Nos quadrinhos este capitulo percorre toda quarta edição da série e basicamente mostra uma série de eventos curtos narrados pelo Dr. Manhattan, desde o fim do seu sonho juvenil, em 1945, até o momento que contempla desiludido sua jornada em plena Marte 40 anos depois. A linguagem utilizada por Moore é linda e fragmentada e nos quadrinhos funciona bem pois é permitido ao leitor acompanha a narração no seu próprio tempo, algo que não poderia acontecer na linguagem dinâmica dos cinemas. Sem dúvida alguma tranpor o capitulo numa linguagem palatável é melhor do que confundir a audiência. Esse tipo de exemplo pode ser utilizado exaustivamente para responder a maior parte das questões quadrinhos -> cinema.

Claro que Watchmen não é perfeito para mim ou para você, nem mesmo se Alan Moore dirigisse a produção conseguiria agradar a todos, no fundo trata-se sempre da questão pessoal. Por exemplo, considero essencial a cena que Rorschach mostra para o Coruja o jornal noticiando o exílio de Dr. Manhattan da Terra, é uma cena chave que dá força para as ações seguintes dos personagens por toda trama. No filme, pelo que me recordo, ela foi solenemente ignorada por qualquer motivo obscuro, mas aceitar essas situações é compreender que trata-se da visão/adaptação de alguém sobre outra obra. Se prender nestes detalhes é esquecer o que o cinema representa, o que uma obra adaptada representa. Todas demais questões são secundárias sempre que falamos de arte.

Ampliando um pouco o escopo da discussão, quem nunca se deparou com uma adaptação de Romeu e Julieta ou uma releitura de Monalisa? Seria inimaginável criticar um autor de Pop Art por desrespeitar as cores de Gioconda, podemos dizer o mesmo podemos de um diretor de teatro experimental que não se manteve atrelado ao cenário original de Shakespeare? Reclamar da visão de Snyder para Watchmen é tão abstrato quanto reclamar abstrato quanto reclamar dos exemplos acima citados e torna tais críticas extremamente pequenas mediante o contexto maior.

Watchmen significa um novo passo nas adaptações de quadrinhos, suas inovações na narrativa visual conseguiram capturar e dar vida a HQ. Watchmen também apresentou novas soluções de roteiro e desenvolvimento, como por exemplo a inserção de músicas em momentos sem diálogos, ouvir “Unforgettable” de Nat King Cole na luta final do Comediante é tão impressionante quanto “All Along The Watchtower” de Jimmy Hendrix em Marte. Zack Snyder ousou ao modificar a sagrada história de Alan Moore, adequando melhor a mídia cinema mesmo que deixando muita coisa de fora, como não considerar isto outro passo evolutivo? Watchmen nos cinemas pode nunca chegar aos pés da versão em quadrinhos, mas sem dúvida alguma ela conseguiu honrar o nome devido a mesma transgressão evolutiva que a obra original representou.

Como diria Bob Dylan, muito bem representado na melhor abetura do cinema, The Times They Are A-Changin’.

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Comentários 23
        1. Lam, sendo bem honesto, apesar de não ter curtido o filme, ele não é a pior coisa do mundo. E acho que eu assistiria antes de esculachar, não faz bem falar de algo sem conhecer. Eu fui para o filme muito tenso e nervoso sobre o que eu ia assistir…. fiquei desapontado, mas beleza, expliquei os motivos do por que disso…. Relaxe, e tente ver a coisa…

  1. Li, entendi e por isso não aprovo o filme. Prefiro ficar com a Obra Original na cabeça. Eu acho que Watchmen teria um tratamento melhor em forma de seriado em 6 ou 12 partes.

    Ao contrario de SdA que todos estão levantando na questão de adaptação, prefiro os Filmes aos Livros, apesar de sentir falta do Tom Bombadil, mas eu sei que ele não faz diferença na história, usaram um recurso bom na trama para suprimir sua ausência (o Aragorn ter entregando as armas e algumas falas do Barbarvore).

  2. Olha Camino, o artigo ficou bem legal, mas discordo de duas coisas… Primeiro que você faz um apanhado de adaptações de quadrinhos, ignorando a existência de obras primas que foram adaptas com maestria como Persépolis ano passado, Ghost World, Estrada para a Perdição, American Splendor e muitas outras. A mídia quadrinhos, graças ao bom deus, vai muito além do gênero super-herói (e sei que você sabe disso) e talvez fosse melhor você falar sobre adaptações de quadrinhos de super-heróis ao invés de manter só quadrinhos…

    Acho que ainda é cedo para falarmos sobre o impacto de DK, apesar de sem dúvida ser o melhor filme de super herói, ainda devemos ver como irá desenrolar as novas adaptações que virão a seguir. Sobre adaptações per se, o cinema vive delas, sejam de livros ou hq… Olhe o oscar deste ano, dos cinco concorrentes apenas um não era baseado em um livro. Watchmen, efetivamente não muda nada. Não foi aclamado unanimamente (como senhor dos anéis por exemplo, que teve poucas e precisas reclamações, ou V de Vingança), acredito que não vá ser sucesso de público também, o que na mente dos produtores pode virar um “não façam como Snyder em Watchmen”. Enfim, realmente não vejo wtachmen como um passo novo, ele segue praticamente a mesma regra de 300, adaptação quadro a quadro um pouco modificada e com um aumento significativo de ação e violência… só isso…

    1. Felipe em nenhum momento eu me propus a falar sobre quadrinhos independentes, conheço essas obras só que devido ao caráter alternativo fica impossível de classificá-las numa corrente como foi feito no texto acima. Usei bastante a palavra indústria justamente para destacar que estava falando de quadrinhos mainstream, que podem ou não ser de super-heróis (300, Sin City).

      Quanto a segunda parte do seu comentário, acho que assim como as “Eras” nos quadrinhos não aconteceram instantaneamente, nas adaptações também não deverá ocorrer da mesma forma. Acredito que quando se agrupa algo para encaixar em algo maior, se faz necessário generalizar um pouco.

  3. Sim, mas nesta generalização, esqueceu-se de Conan:o bárbaro (1982), que apesar das limitações, foi um exemplo de adaptação correta entre medias.

  4. Pelo menos em uma coisa o Watchmen filme conseguiu inovar q foi nos créditos inicais, isso ninguem pode negar. Ele conseguiu condensar com maetris varias paginas do livro em 5 minutos de filme.

  5. Uma das coisas mais ingênuas é dizer que Watchmen funcionaria bem como uma trilogia no cinema, outra é achar que dá para fazer uma série série com o filme – Isso é totalmente impossível na atualidade.

  6. Até agora todas as pessoas que eu vi criticando o filme tiveram a sua visão “deturpada” pela comparação com os quadrinhos.

    Nesse sentido, eu posso me considerar um “felizardo” por ainda não ter lido a obra original e portanto poder emitir uma opinião isenta (porra, o Lam nem viu o filme e já tem opinião formada, mais tendencioso e parcial que isso é impossível). Ao contrário do Felipe, eu fui ao cinema sem expectativa nenhuma, eu não fazia idéia do que seria exibido na tela e por isso não tinha como me decepcionar.

    E o fato é que, comparações à parte, o filme é muito bom! O roteiro é bem amarrado e eu gostei muito do texto. As cenas de ação foram bem feitas e na medida, talvez apenas com um certo excesso de câmera lenta (francamente não foram muito longas, mais uma vez as reclamações sobre o excesso de ação vem de quem compara com o quadrinho). Claro que o filme possui algumas falhas, várias informações foram soltas sem que nenhuma explicação ou justificativa fosse dada. E ainda assim o filme tem duas horas e meia de duração! Se houvesse uma tentativa de transpôr para o cinema toda a profundidade dos quadrinhos, o filme duraria quatro horas.

    Em suma, avaliando o filme pelo filme, ele realmente vale à pena. Muito melhor que 300, que é uma porcaria (não tem texto, é só porrada. Talvez eu gostasse se tivesse 14 anos). Que a propósito eu também não li o original e nem fiquei com vontade de ler depois de ver o filme (Watchmen por outro lado eu já estou providenciando).

    1. Oi André que bom que você veio compartilhar sua opinião por aqui. Principalmente possuindo uma opinião isenta e tão importante para julgar a obra como filme.

      Acredito que estas pontas soltas do filme podem ser vistas de duas maneiras já que o filme têm é um trabalho que começou 10 anos atrás. Uma possibilidade é vermos mais amarras na versão estendida e nos especiais que virão junto do Blu-ray, tanto o Contos do Cargueiro Negro quanto no talk show que apresenta a história dos Minutemen. Também é provável que certas coisas tenham ficado apenas para deleite dos fãs dos quadrinhos, uma homenagem do Snyder para quem leu a obra.

      Por fim, concordo que é outro nível de adaptação em relação a 300 e recomendo para você não perder tempo discudinto com fanboy chato que não entende cinema, eu já perdi meu tempo aqui e me arrependo.

      Abraços

      1. Pena que por enquanto ainda é difícil encontrar Blu Ray no Brasil. Eu queria comprar o Blu Ray do Cavaleiro das Trevas mas só achei importado e sem legenda em português.

        Meu Playstation 3 tá esperando uma oportunidade de rodar filmes em alta definição.

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