“ela escreve também, como se nos chamasse a escavar nosso passado, em projeção ao futuro. E há mesmo um compromisso com o futuro aqui, me parece. Ana Larousse reúne seus ciscos de sonho e nos entrega, em generosidade, convites para que sonhemos junto dela, como se cada verso nos perguntasse: vem comigo? E essa é, talvez, a coisa mais bonita que a poesia pode fazer por nós: companhia.” – Trecho da orelha de “Antes que a gente morra”, assinado por Francisco Mallmann
Livro de estreia da compositora e poeta Ana Larousse, “Antes que a gente morra” (100 pág.) explora em poemas fluidos um universo em que a urgência da vida, da memória e das experiências se transformam em instantes cotidianos e funcionam como um chamado para a contemplação.
Publicada pela editora Urutau, a obra une imagens ao universo subjetivo do eu-lírico, enquanto brinca com a incompletude e outras vozes, tendo então poemas que convidam o leitor a assistir a uma cena inacabada.
A orelha da obra, assinada pelo multiartista e pesquisador interdisciplinar Francisco Mallmann, ressalta que a poeta escreve “como se vida e poesia fossem uma só prática” e, desde o título, convoca quem lê a perceber a intensidade dos atos mais banais como aquilo que nos faz gente. “Atenta aos diferentes tempos dos acontecimentos dos mundos – internos e externos – Ana nos oferta, via palavra, uma experiência em memória”, observa Francisco.
Essa relação tão imbricada entre escrita e vida, tão presente na poesia de Ana, é intencional e está entranhada em seu próprio processo criativo. E isso se desdobra em seu interesse por escritos autobiográficos ou cartas absolutamente poéticas e profundas, encontrados na escrita de autores como Patti Smith, Simone de Beauvoir, David Foster Wallace, Hemingway, Osamu Dazai, Edward Said, Sylvia Plath, Virginia Woolf, Vincent Van Gogh, Carolina Maria de Jesus e a mais recente paixão Annie Ernaux.
A poeta gosta de ler obras em que ela pode acompanhar um artista que se perturba a fim de registrar sua própria existência a partir da palavra. Para ela, não basta compartilhar fatos e anedotas, ela quer ler reflexões, angústias e confusões, e considera que esse interesse demonstra que ela não consegue fugir disso também como artista. “Acho fascinante que me levem a caminhar por uma história de alguém que de fato aconteceu. Me sinto viajando pelo multiverso. A realidade é absolutamente fascinante. Ela me espanta e me arrebata muito mais do que qualquer ficção.”
Ana Larousse nasceu em Manaus (AM), mas cresceu em Curitiba (PR). Aos 18 anos, mudou-se para Paris e ali viveu durante seis anos, enquanto estudava arte contemporânea na Université Paris 8. Ao voltar para o Brasil, gravou seu primeiro disco autoral, produzido pelo Rodrigo Lemos (Lemoskine, ÀVUÀ) com canções que escreveu no estrangeiro, o que a motivou a rodar o Brasil fazendo shows. Desde que voltou para o país, mora em São Paulo e atua principalmente como facilitadora de oficinas de escrita, tradutora e compositora.
Sentir o mundo, percebê-lo em suas miudezas e se apaixonar pelo efeito delas na vida das pessoas guiam a escrita de Ana Larousse, que usa a palavra para desbravar outros campos artísticos. “Minha sensação é de que tudo que faço está ligado a palavras. A escrita é meu ponto de encontro de tudo que sou e faço. Me definem em geral como multiartista”, afirma, sobressaltando a importância da música, das artes cênicas e do cinema em sua vida.
Suas principais referências são muitas e por diferentes motivos. Além dos autores citados que escrevem obras autobiográficas, grande influência em “Antes que a gente morra”, a autora cita, por conta dos jogos com palavras, escritas e idiomas, Georges Perec, James Joyce, Machado de Assis e Raymond Queneau. Pela beleza da escrita livre e libertadora, Alberto Caeiro, Diane di Prima e Sylvia Plath. A poeta frisa que também está sempre atenta para a produção cultural nacional e contemporânea, de diferentes cenas e regiões do país.
Confira um poema que faz parte do livro “Antes que a gente morra”:
um cisco de sonho que me força a arregalar os olhos
na preguiça, confio que se desprenda sozinho
sem que eu precise desacomodar as mãos do guidão da bicicleta
pra tirá-lo dali
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