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FLIP 09: Modos de Olhar, 03/07/09

Alumbramentos de Paraty

Manuel Bandeira é o grande homenageado da FLIP deste ano. O poeta de Libertinagem – que escreveu sobre Ouro Preto e Mariana – certamente adoraria caminhar pelas ruas de Paraty. Menos pela graça bucólica da vila à beira-mar e mais pelo andar trôpego que o tortuoso calçamento obriga a toda gente. E agora com a chuva deste ano, as quebradiças ruas se tornam também escorregadias obrigando a um passo ainda mais cauteloso. Mas é esta marcha cuidadosa que impõe à cidade e ao festival um ritmo peculiar. Todos se divertem em Paraty durante a FLIP, mas esta diversão se dá num clima pausado e vagaroso que permite o olhar mais atencioso em meio a uma discreta, ou mesmo tímida, euforia.

flip_2009

Na conferência de abertura o crítico Davi Arrigucci falou sobre o “alumbramento” na poesia de Bandeira. Alumbramento é a fulguração instantânea, o “flash” que nos pega de surpresa em meio à banalidade do cotidiano. Não há banalidade, disse na mesa de quinta-feira o dramaturgo e cineasta Domingos de Oliveira. Toda a realidade é alumbrada, diria Bandeira. Em Paraty, num festival de literatura é o melhor que podemos aprender.

Perdemo-nos muito ao caminhar em Paraty. A cidade é pequena como Tiradentes, mas ao contrário desta, falta-lhe uma geometria mais exata ou regular. As ruas são enviesadas como são as pedras das ruas, em tortas diagonais e estendem-se ora paralelas, ora concorrentes umas as outras. A sensação é de um espaço labiríntico. Passamos centenas de vezes pelo mesmo cruzamento, sem, no entanto, o reconhecer e não se percorre nunca o mesmo caminho em cada percurso na vila. E é esta impressão de desorientação que faz com que cada canto seja visto de um ângulo inusitado, como se pela primeira vez, o que permite os mais inesperados alumbramentos.

Todas as idades se encontram na FLIP, da infância à terceira idade, e é isto que impede o festival de se tornar um Woodstock da literatura. Esta democracia etária faz com que tudo seja vivido pacificamente nesses 5 dias e não se vêem jamais policiais armados, ou mesmo desarmados nas ruas. Manuel Bandeira, o mais cordial e gentil de todos os poetas brasileiros, teria amado esta decisiva prova da contribuição da literatura à possibilidade de uma vida pacificada.

A sexta-feira abriu com uma mesa em homenagem à poesia, com os poetas Angelica Freitas, Heitor Ferraz e Eucanaã Ferraz. Os jovens poetas leram poemas seus e do poeta pernambucano. Ficou patente, no entanto, a dificuldade de a poesia encontrar seu lugar no panorama literário contemporâneo. O mediador Carlito Azevedo chamou a atenção de como a poesia está perdendo a oportunidade de beber na fonte do repertório do besteirol político brasileiro e ouvir as vozes que emanam das ruas. A poesia de Bandeira teria algo a ensinar sobre isto. Ela foi, no contexto brasileiro, a que mais radicalmente fez com que a poesia colocasse os pés no chão, ou na poça, como em um de seus poemas. Foi ele que trouxe definitivamente a prosa para a poesia. Talvez a dificuldade desta seja que os alumbramentos não precisem mais estar em versos e podem ser encontrados na prosa ou na esquina de qualquer rua.

Um dos poetas da mesa, Heitor Ferraz, disse que costuma escrever seus poemas no ambiente de trabalho, fingindo estar ocupado em outras atividades, “burlando” assim a rotina de seu escritório. É bom também que a FLIP se desenvolva durante os dias de semana, interrompendo para muitos as atividades em que estão diariamente envolvidos. Pausa para que a velocidade dos dias e a pressa dos passos sejam desaceleradas. E é nesta interrupção com o ritmo ordinário e incessante dos negócios em que estamos envolvidos que a poesia, prosaica ou não, pode mais subitamente emergir.

Talvez a FLIP toda seja um só alumbramento.

Por Guilherme Preger, participando do lançamento do livro Clube da Leitura: Modo de Usar, Vol. 1,  direto da FLIP 2009.

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Comentários 2
  1. Estou alumbrada com a crônica (alumbrada, existe? pelo menos, deslumbrada eu sei que estou… ).
    É uma declaração de amor à FLIP, a Paraty, a esses dias mágicos que vivemos por aí.
    A FLIP só podia ser em Paraty, pois a magia do lugar e os alumbramentos que daí decorrem só podem acontecer dentro de um labirinto encaixado que está bem dentrinho de uma paisagem belíssima como é a da costa verde.

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