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Livro autobiográfico de Kenzaburo Oe é um árduo grito sobre a vulnerabilidade humana

Kenzaburō Ōe (大江健三郎,1935) construiu sua reputação literária com base em retratar o Japão real, aquele que não figura em um cânone hipotético da imagem japonesa, e que seria encabeçado por uma megalópole estranha que têm seu melhor reflexo nos mangás e nos animes que o Japão distribui para o resto do planeta.

Com o romance A substituição ou As regras do Tagame a editora Estação Liberdade traz ao público brasileiro a trilogia autobiográfica do Nobel de Literatura Kenzaburo Oe.

Sinopse

Quando Goro, um famoso diretor de cinema japonês, comete suicídio, seu cunhado e amigo, o escritor Kogito, fica arrasado e não consegue entender as razões por trás dessa decisão fatal. Para fugir da tristeza, viaja para a Alemanha, onde descobre que há algo sombrio na morte de Goro: a Yakuza, a temida máfia japonês que Goro satirizou em um de seus filmes, pode estar por trás do evento. A substituição: ou as regras do tagame é baseado em um evento real: o suicídio do cineasta Juzo Itami, cunhado de Kenzaburo Oe, que chocou a sociedade japonesa e na qual muitos continuam a ver a mão da Yakuza. O romance é sobre a Yakuza, a máfia japonesa, que o autor passou a vida inteira denunciando e lutando contra a máfia e a extrema direita.

Análise

No livro, o japonês amalgama elementos ficcionais com a substância de sua vida real, trabalhando na imagem de uma sociedade agitada e turbulenta, preocupada com a perfeição inatingível e obcecada com a abnegação de prazeres.

No contexto temos um retrato de um Japão traumatizado por seus próprios desejos, a denúncia de uma sociedade envenenada pelo poder imperial que ia ser e sua realidade atual como país-porta-aviões dos Estados Unidos no Pacífico, cuja economia tecnológica é ciclicamente atingida por crises sistêmicas que mergulham a nação em graves crises de identidade.

Oé se interessa em suas consequências. Foi como em Arranquem as Sementes, Fuzilem as Crianças (1958), a guerra mundial foi a desculpa para retratar a crueldade inata de uma sociedade militarizada para com seus próprios filhos, trancados com medo de um mal invisível; ou em Uma Questão Pessoal (1964) que serviu para trazer à tona o trauma de alguns indivíduos rejeitados pelas massas devido a sua incapacidade de se adaptar ao estabelecido, mas aqui em A substituição ou As regras do Tagame mais uma vez insiste em um tema recorrente de usa escrita: a família como fonte de sofrimento pela presença de uma criança doente que simboliza toda a inocência perdida da terra do sol nascente.

É preciso colocar desde já: ler Oe não é fácil, lê-lo exige cotovelos sobre a mesa, silêncio e concentração, ou seja, justamente a forma de ler que não existe mais. Se alguém procura ler na vida agitada de hoje, desista. O autor cria em suas obras uma força semântica e discursiva que exige um leitor nato, um caçador de duplos sentidos e experiências internas.

A história do cineasta Goro, que se suicida após um ataque da yakuza japonesa, e de seu cunhado Kogito, escritor refugiado na Alemanha que reconstrói os passos que levaram à morte de seu parente e amigo de infância, não alcança o mesmo patamar de obras anteriores. Um Kenzaburo Oe mais velho parece começar a longa despedida com uma escrita cheia de melancolia e ajustes para com o passado.

Demasiada realidade e referências íntimas são o que encontramos nesse primeiro volume. É público que Goro e Kogito são cópias de seu cunhado Juzo Itami e dele mesmo, o primeiro dos quais tirou a própria vida, chocando uma sociedade que sempre teve inveja da longa mão da máfia japonesa por trás disso. Kenzaburo Oe, mais uma vez um personalista como quando conta as aventuras de seu filho portador de deficiência mental, faz seus personagens irem e virem, mergulha-os em reflexões sobre a natureza da morte e da despedida.

Mas, embora tenhamos um romance longe de outros textos do Nobel, também é verdade que ninguém hoje sabe como retratar um Japão tão distante do estereótipo quanto possível das fábulas melosas da escrita atual, com escritores de mídia que tentarmcriar um nicho para si mesmos entre os gobblers de mangá com sucesso. Em A substituição ou As regras do Tagame há uma denúncia consistente da extrema direita no Japão e suas atividades, uma análise e quase refutação do suicídio e estripação dolorosa dos valores familiares clássicos para desmantelá-los um por um. Será preciso aguardar os outros três volumes que fecharão esta trilogia, para encerrar uma análise maior de um romance que ainda não foi finalizado e que, como qualquer obra em andamento, precisa de partes posteriores para brilhar em todo o seu esplendor.

Nota: Ótimo – 3.5 de 5 estrelas

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