Yasunari Kawabata, Nobel de Literatura em 1968, é um dos responsáveis pela universalização da literatura japonesa moderna. O enfant terrible Yukio Mishima, um dos mais exuberantes e profundos artistas do século XX, também. De fato, a produção literária de Kawabata e de Mishima, seus ecos e influências (diretos ou não), são responsáveis pela formação de certo imaginário ocidental sobre o Japão: ritual, erotismo, esteticismo; a neve — Kawabata — e o sangue — Mishima.
O volume Kawabata-Mishima Correspondência 1945-1970 reúne as cartas trocadas entre os dois, desde que Mishima (ainda com seu nome de batismo Kimitake Hiraoka) se aproxima pela primeira vez do “mestre” Kawabata, já uma figura influente do meio literário japonês. O leitor segue então o diálogo que vai se desenrolando: a partir de assuntos cotidianos, comentários sobre a cultura japonesa e reflexões artísticas, a tímida admiração mútua dá lugar a uma amizade franca e intensa.
As mensagens permitem acompanhar os acontecimentos históricos – como a ocupação americana do Japão após a Segunda Guerra ou a Olimpíada de 1964 em Tóquio – bem como a ascensão dos dois ao patamar de estrelas globais. Aos poucos, quando ambos percebem suas iguais chances de entrar para a história como o primeiro autor japonês a ganhar o Nobel, o afeto se transforma em rivalidade e competição. O desfecho é conhecido: Kawabata leva o prêmio, com a ajuda de uma famosa carta de Mishima. Este momento, por motivos diferentes para cada um dos dois, marca o início da ruptura. Mishima termina sua tetralogia, a obra de sua vida, e parte, em 1970, para realizar, fora da literatura, suas “ambições fatalistas”. Kawabata produz cada vez menos até sua morte em 1972.
Deixando de lado a deferência e abrindo as cortinas da intimidade de dois gênios artísticos, Kawabata-Mishima Correspondência 1945-1970 é uma oportunidade de conhecer, por meio de uma longa relação intelectual e afetiva, o lado humano de dois ícones da literatura japonesa: as afinidades que se revelam apesar de tantas diferenças, o genuíno fascínio que nutriam um pelo outro, o brilhantismo que emergia de suas penas nos assuntos mais corriqueiros, o projeto comum de pensar e criar a beleza, o refúgio na arte e na amizade como forma de navegar a tristeza intrínseca à condição humana.
SOBRE OS AUTORES
Yasunari Kawabata é considerado um expoente ímpar da literatura japonesa do século XX. Nascido em Osaka em 1899, tornou-se órfão ainda criança e interessou-se por livros, principalmente os clássicos japoneses, desde a adolescência. Kawabata contribuiu para a criação de uma nova estética literária japonesa, derivando do realismo em voga. Trabalhou temas ligados à sexualidade, à morte e à fragilização do ser humano diante do cotidiano e da natureza. Metáforas táteis, visuais e auditivas, em uma composição com elementos da cultura e filosofia orientais, personagens acuados e cenários inóspitos dão o tom de sua ficção. Foi o primeiro autor japonês a conquistar o Nobel de Literatura, em 1968. Traumatizado pela morte súbita de seu amigo Mishima, desgastado por excesso de compromissos, adoentado, Kawabata suicidou-se em 1972.
Yukio Mishima, nascido Kimitake Hiraoka em Tóquio, em 1925, estreou na literatura com apenas 19 anos. Um pouco depois, com Confissões de uma máscara (1949) e Cores proibidas (1951), firmou-se como o grande talento artístico de sua geração. Mesclando influências ocidentais e orientais, explorando tabus temáticos, como a homossexualidade e o culto ao corpo masculino, e produzindo obsessivamente, a arte era, para Mishima, indissociável de suas ações. Cada vez mais crítico da ocidentalização do país no pós-guerra, ele levou seu nacionalismo ao extremo em 1970. À frente de seu grupo paramilitar Tate no kai, invadiu um quartel do exército japonês em Tóquio buscando incitar um golpe de Estado que devolveria os poderes divinos ao Imperador. Sem obter a acolhida esperada, terminou seu discurso e cometeu seppuku, o tradicional suicídio ritualístico samurai, deixando perplexos seus milhões de leitores no Japão e no mundo.
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