O livro Rasteiras, de Tales Azigon, é uma obra que se destaca por sua proposta minimalista e reflexiva, unindo micropoemas e ilustrações em um formato visualmente conceitual. O projeto gráfico de Daniel Firmino e as ilustrações de Jéssica Gabrielle complementam o texto poético de maneira orgânica, criando uma experiência estética que vai além das palavras. A editora cearense Substânsia reforça sua relevância no cenário cultural contemporâneo, com mais esse título, lançado recentemente na XV Bienal do Livro do Ceará.
Micropoemas: A força da concisão

Os micropoemas de Tales Azigon são caracterizados pela economia de palavras, mas não de significado. Essa brevidade é uma escolha deliberada que desafia o leitor a refletir sobre temas profundos a partir de frases curtas, como o exemplo citado: “Falhe / Mas não tarde” . Esse poema, em particular, encapsula uma ideia poderosa sobre a importância da ação e da coragem diante da incerteza. A mensagem sugere que o fracasso faz parte do processo humano, mas a inação ou a procrastinação pode ser ainda mais prejudicial.
A escolha por micropoemas dialoga com o ritmo acelerado da sociedade moderna, onde a atenção é fragmentada e as pessoas buscam significados rápidos, mas profundos. No entanto, isso também pode ser visto como um risco: a simplicidade extrema pode deixar margem para interpretações superficiais, dependendo do engajamento do leitor. Por outro lado, quando lida com cuidado, essa forma poética consegue atingir diretamente o âmago emocional e intelectual.
Relação entre texto e imagem
As ilustrações de Jéssica Gabrielle desempenham um papel na construção do universo de “Rasteiras”. Elas não são meros complementos visuais, mas sim elementos que interagem com o leitot, criando camadas adicionais de interpretação, permitindo que o leitor navegue entre o explícito e o subentendido, como uma sinergia entre palavra e arte visual.
O projeto gráfico de Daniel Firmino também merece destaque. A diagramação limpa e cuidadosa respeita o espaço de cada elemento (texto, ilustração e branco), proporcionando uma leitura contemplativa. Isso reforça a ideia de que menos pode ser mais, especialmente em uma obra que valoriza a sutileza e a introspecção.
Tema central: Rasteiras como metáfora
O título do livro, “Rasteiras” , já sugere uma metáfora para os tropeços e dificuldades da vida. Os micropoemas abordam temas universais como falhas, superação, vulnerabilidade e resiliência. O tom geral da obra é ao mesmo tempo melancólico e esperançoso, refletindo a dualidade da existência humana. Ao chamar esses momentos de “rasteiras”, Azigon transforma algo negativo em uma oportunidade de crescimento, destacando que cair faz parte do processo de andar – e de viver.
O poema “Falhe / Mas não tarde” exemplifica essa perspectiva. Ele reconhece que o fracasso é inevitável, mas enfatiza a importância de agir, de tentar, mesmo sabendo que o resultado pode não ser perfeito. Essa mensagem ressoa especialmente em tempos de pressão social para o sucesso imediato e a perfeição.

O fato de Rasteiras ter sido premiado no Edital para Artes do Ceará demonstra o reconhecimento institucional da qualidade artística e literária da obra. Além disso, o livro contribui para o fortalecimento da cena cultural cearense, destacando a produção independente e colaborativa.
No contexto mais amplo da literatura brasileira, Rasteiras se insere em uma tradição de obras que exploram o minimalismo e a experimentação formal, como os haikais e os poemas breves. No entanto, a singularidade da obra reside na sua capacidade de combinar essas influências com uma estética visual contemporânea e regional, tornando-a acessível e relevante para públicos diversos.
Rasteiras é uma obra que convida o leitor a refletir sobre os tropeços e desafios da vida de maneira simples, mas profundamente significativa. A combinação de micropoemas, ilustrações e projeto gráfico resulta em uma experiência estética única, que equilibra leveza e densidade.
NOTA: 8,0