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Salobre, a boa poesia de Thiago Scarlata

Não fosse o sal, tempero da carne e pela carne no suor que nos escorre, o homem não existiria como o conhecemos em seus erros e acertos. Não seria esse animal que se restabelece dos golpes e desarranjos e faz das dores poesias. Das dores, pois boa poesia é recheada das mais tenebrosas experiências humanas, ainda que estejamos a falar do amor e daquilo que dele decorre.
Pois em ‘salobre’, em bela edição da paulista Urutau, Thiago Scarlata trabalha o sal em três variáveis complexas e complementares; soro, salário e salinas. Elemento necessário e ao mesmo tempo prejudicial se em excesso, o sal é o composto chave da poética de Thiago nesta obra. Daquele que escorre pelo suor do trabalho e ao mesmo tempo, paradoxalmente, lhe é a paga pelo sofrimento.
A dualidade da construção e do infortúnio do fim, seja de um ciclo ou da vida, norteiam os capítulos do livro, muito bem estabelecidos e construídos. Méritos ao autor e aos editores da Urutau, outra grata surpresa entre as editoras brasileiras que se prestam à árdua tarefa de publicar poesia.
A poética de Thiago é madura, conseguindo atravessar incólume o risco de parecer tedioso ao trabalhar um livro de temática tão diversa, fazendo-o render verdadeiramente o ‘sal da terra’ em uma bela sequência de poemas. Incomoda-me apenas algumas poucas e desnecessárias quebras de ritmos presentes em alguns poemas, mas nada que prejudique a obra.
Assim como outros poetas – e os melhores têm essa característica – Thiago é discreto. Talvez por isso ‘salobre’ não tenho sido devidamente notado pela crítica ou por outros poetas. Não teve espaço na pavonice lunática do meio literário. A despeito da ótima qualidade das obras da Urutau, esse é um problema que também cabe à editora que ainda tem um péssimo sistema de divulgação das suas obras. Sem contar a necessidade de melhorar o site, estranho e dificultoso em muitos aspectos. Ressaltando: a qualidade de todo o material literário da Urutau que conheci é ótima.
Dos dois prefácios inseridos na obra – um extremamente inteligente e outro que julgo desnecessário – atenham-se à delicada análise elaborada por Alexandra Vieira de Almeida, Doutora em Literatura Comparada, capaz de absorver o que de mais belo o livro apresenta. O outro texto, de Marcelo Labes, julguei despropositado constar no volume, mas não questiono a sua inserção por razões que só cabem ao autor e seus editores. Sua supressão daria mais unidade ao trabalho.
‘salobre’ pode ser adquirido no site da Editora Urutau.
 
salmoura
 
antes da limpeza
e infusão
no caos picante
da moqueca
 
antes do fio da faca
raspar-lhe as escamas,
de dedos impacientes
abortarem suas tripas
e velar sua cabeça
num caldo arenoso e temperado
 
antes da eleição do casal de clientes
que na feira o escolhera
em meio a tantos outros
como numa macabra adoção
(cama de gelo, olhos
vermelhos sempre abertos)
 
e antes mesmo do caminhão frigorífico,
ainda
no convés do barco,
o peixe espoca
uma última mensagem
 
cada salto
que deu
em vão foi o extravio
do desejo urgente:
voar
(o avesso do mergulho)
 
há um enigma
jamais desvelado
no cheiro acre
que cada peixe
evade
 
 
Sobre o autor: Thiago Scarlata nasceu no Rio de Janeiro em 1989. É autor, além de salobre (Urutau, 2018)  de Quando não olhamos o relógio, ele faz o que quer com o tempo (Multifoco, 2017) e mantém o site de crítica literária Croqui. Em 2016 foi finalista do Prêmio SESC de Literatura com o poema “Rio Velho” e em 2017 venceu o Concurso MOTUS – Movimento Literário Digital (UNIPAMPA). Participou de antologias e teve poemas publicados e traduzidos em diversas revistas, jornais e sites literários.

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