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Uzumaki – espanto e conflito pela espiral do horror

Uma cidade dominada por assombrosos casos que eclodem e colidem para um mesmo ponto: uma espiral de desgraças. Isto é o mangá de horror criado pelo autor Junji Ito.  O processo de desenvolvimento da trama revela uma grande sensibilidade artística e crítica do mangaká Ito. Uzumaki é espiral, tanto na tradução quanto como obra.

Tendo o cenário espantoso e enigmático da cidadezinha apresentada como o microcosmo social, em uma abordagem universal, e a Espiral como metáfora do conflito inicial, o caos, o autor aborda e dialoga com diversas problemáticas do mundo real, rente a competente elaboração ficcional artística.

Ao adentrar tal atmosfera das páginas somos avisados por Shuichi de que algo de muito ruim virá por sobre a cidade. E suas previsões permanecem, porém a sua letargia para decisões é a sua maldição. O seu fado encontra os dos habitantes da cidade. Juntamente com o seu amor, Kirie.

No passar do enredo o autor aborda inúmeras problemáticas sociais e existenciais do ser humano. Mesmo que Ito tenha os transfigurados em monstros, estes são a mais perfeita alegoria junto a Espiral.

Vejamos o emblema da história: a Espiral; além de sua presença metafórica, há em si um ideal: ela é algo que se constrói e desconstrói-se sendo infinita, atrai e repele. Um conflito, um paradoxo que rege a estética da obra. Ito, em Uzumaki constrói e valoriza o horror se valendo da repulsa e da atração constantes – como bem observado por Rafael Reboredo. Notemos que tal beleza não delimita o autor, mas esta obra. Como resumo vantajoso e chave, a espiral constitui-se como um elemento pessoal. O horror de Uzumaki engaja-se com este símbolo de escolha preponderante às novas abordagens do autor. Ao construir tal símbolo, Junji Ito o usa como objeto de seu estilo, o horror psicológico.

Ela é a ideia dos conflitos encarnada que assombra a nossa sociedade caótica de tempos em tempo, consumindo a todos sem redenção. O pessimismo das relações morais e éticas. Oportunamente, esta ocorrência na cidade natal dos personagens apresenta-se como um recurso estilístico para os horrores de Junji e sua crítica ácida.

Curiosamente, a obra é nomeada em três volumes em solo brasileiro: Cicatriz, Farol Negro e Caos. Todos de certa maneira alusivos a Espiral: aquela que marca, aquela que nos guia e aquela que nos rege. Situações bem vistas pela personagem Kirie.

Porém a Espiral de horrores não é nada divina, apenas age como tal. Se pensemos que ela nos seduz, lembremos que cabe a nos mesmo resistirmos à tentação, fugirmos. Entretanto o homem é fraco, no pessimismo de Ito. Ordem e Progresso colidem e sofrem retrocesso em suas tentativas. A negação de nossa humanidade positiva recai nas desgraças de Uzumaki. Nos absurdos que se cometem.

Os traços criam a atmosfera sombria e aterrorizante, tanto como letárgica necessária aos choques abruptos do horror. Ora temos linhas tranquilas e simples. Ora nos espantamos pela riqueza dos sombreados, rachaduras e detalhes das contorções das figuras. Mérito horrendo nas expressões dos personagens que retratam muito bem os seus sentimentos e pecados. A espiral deforma. Não apenas o material, como o metafísico, o semblante, a paisagem. O conflito do enredo caminha a um colapso de repulsa e atração. Um fim estável, como o todo da narrativa.

Historicamente, o Japão viveu em muito sossego até os acontecimentos que o envolveram na Segunda Grande Guerra, onde se inicia uma época de instabilidades a qual demoraria a se acalmar, mas traia as suas imutáveis consequências. Talvez haja aqui influencias ao sentimento que semeia o mangá de Ito, como de muitos autores.

Outro aspecto cultural do quadrinho encontra-se na modernidade japonesa no mangá, dada pela argumentação sobre o conflito social, refletindo a tradição milenar do país: o autor usa a mitologia, se valendo dos aspectos lendários para construir os casos de cada capítulo. Cada fábula recai sobre dilemas morais e éticos, dos quais se discutem constantemente na contemporaneidade. Ito os rege de forma orgânica e espiralada – lembremos-nos do longa Sonhos, do cineasta Akira Kurosawa.

O fim da cidade lega lendas e, se inicialmente fomos avisado, há agora uma maldição. A Espiral voltará. A calmaria, acabada de se iniciar, cessará.
O que muito se acentua em Uzumaki é a sua problemática social e psíquica recaída sobre o homem, da qual Junji Ito aproveita oportunamente para expressar o seu horror. Quer o autor apenas assustar ou mostrar algo? Então, depende de onde você observa a espiral, ela sempre continuará girando.
Nota: existe uma adaptação cinematográfica dos quadrinhos.

Editora: Conrad

[xrr rating=5/5]
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Comentários 1
  1. Saudações à todos.
    Esta é minha primeira visita a esta página, contudo gostaria de registrar meu encanto e concordância com as palavras aqui escritas, habilidosamente dispostas por Marcos Ordonha, segundo bem noto.

    Há exatos cinco minutos encerrei minha leitura do dito mangá, afoito por contemplar seu fim – o que revelou-se, segundo esta linha de pensamento construída, intento ingênuo e certamente atraído pela Espiral. A metáfora bem se aplica a mim, sujeito que se atrái pela repulsa do horror e do medo.
    Em outra de suas histórias, a citar “Hellstar Remina”, pude tatear as mesmas noções de Absurdo, pois em nenhum momento nos é oculta a intenção de destruição, de morte, de finitude como bem diriam os mestres existencialistas alemães, culminando-nos em desespero e angústia que se estendem e não cessam – novamente, como numa espiral que nos lança ao infinito de seu centro.
    O Mal, irresoluto e incognoscível ao Homem em sua pequenez, cíclico e natural ao Mundo, tal qual se mostra em Junji Ito lhe é peculiar e inevitavelmente perturbador, justamente por evidenciar seu naturalismo e irredutibilidade.
    Os congratulo pela excelente resenha!

    ~Luminus~
    http://luminusoctavius.blogspot.com

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