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Ainda é dia de rock com Luiz Carlos Sá

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Durante alguns anos ouvindo (e tentando tocar) música, cheguei à conclusão de que, existe sim, a “música boa” e a “música de verdade”. E é fácil definir e entender: trata-se daquela que nos conduz a uma imersão, ao tipo de som que você tanto pode dançar quanto ficar sentado olhando. A música boa nos deixa escolher o que fazer. E na sexta passada, dia 19 de maio, comprovei mais uma vez que ainda há esperanças: vivi duas horas de boa música no Teatro Rival, um dos espaços mais tradicionais do Centro do Rio. No palco, Luiz Carlos Sá, parceiro de Zé Rodrix e Guarabyra, “solo e bem acompanhado”, como no nome do álbum que ele está lançando. A banda, vigorosa, que tem a direção musical do premiado (Grammy) Vinícius Sá (sem parentesco com o compositor), começa o show com “Hoje ainda é dia de rock”, um dos primeiros hits do trio (que em alguns momentos virou dupla, sem Rodrix).

A direção musical do Vinicius já se fazia sentir: baixo (tocado pelo Vinícius) no estômago, guitarra navegando de um extremo a outro, e o bom e velho teclado no estilo Hammond dos anos 70, aquele que sempre ouvimos nos Doors, no Joe Cocker e no Grateful Dead.
Meu filho João, de sete anos de idade, vivia a emoção de seu primeiro show ansioso por “Sobradinho”, a preferida dele, ao lado de “Caçador de Mim”. E curtiu bem o show todo – apreciou a “muralha de som” construída pelo nosso Phil Spector tupiniquim.

Eu fiquei particularmente feliz pela decisão do Vinícius – tocar baixo, tal como há 20 anos eu o vira no Mistura Fina. E vão mais alguns anos nessa história. Que é um pouco de ciclo virtuoso, uma forma do tempo girar. Se alguém chegasse em 1984 nos pátios do CEFET e dissesse, “ei, esse cara aí tocando Blackbird um dia vai tocar baixo num show e seu filho vai adorar”, eu poderia acreditar. Mas dificilmente acreditaria se me dissessem que eu tocaria a mesma música para meu filho, ainda bebê, e por alguns anos depois, e graças a isso ele desenvolveria um gosto precoce, uma forma de apreciar a música com total devoção. Ou seja: a vontade de aprender a tocar violão ao ouvir Blackbird executada pelo Vinicius resultou no bom gosto musical do meu filho, que estava lá vendo-o tocar ao vivo. O eterno retorno!

O show seguiu forte, com “A Ilha”, que foi regravada no disco novo do Sá pelo Frejat. Os “rocks rurais” do trio Sá, Rodrix e Guarabyra se alternavam com músicas mais novas como “Não me empurre à toa” e canções em parcerias com Almir e Gabriel Sater. “Caçador de Mim” é inevitavelmente um ponto altíssimo de um show que já é por si só uma cordilheira de Everests. A música, como vocês sabem, foi gravada por Milton Nascimento e pelo 14-BIS – mas a autoria é do Sá e do Magrão, baixista da banda com nome de avião (o primeiro, pelo que dizem). Apesar de ser muito difícil e perigoso cantar qualquer coisa que Milton tenha cantado, vale dizer: execução absolutamente perfeita da banda, Sá regendo a “orquestra” com o violão, em um momento tão perfeito quanto emocionante.

E é nesse ponto que eu me detive o tempo todo: tem sido cada vez mais difícil ouvir música de altíssima qualidade, nos três quesitos: letras, melodia e execução dos instrumentos. A noite no Rival mostrou que isso pode ser difícil, mas ainda é muito possível. Luiz Carlos Sá tem a capacidade de se reinventar sendo o músico talentoso de sempre. Essas parcerias com Flávio Venturini, Torquato Neto, Almir Sater, Gabriel Sater são derramadas para o público de forma extremamente competente mas sem perder jamais a ternura, a capacidade de interpretar as letras.

O megahit “Dona” teve um coro surpreendentemente afinado (aliás, uma banda como essa merecia ter uns backing vocals, pense nisso, sr. Sá, Vinícius) e a plateia entregue. No fim, o medley com Sete Marias e Sobradinho foi definitivo. João, claro, vibrou com a canção de protesto lançada na época da hidrelétrica de Sobradinho no sertão baiano (que inundou várias cidades por causa da barragem). “O sertão vai virar mar, dá no coração, o medo que algum dia o mar também vire sertão”, um refrão irresistível, como sempre.

No bis, claro, “Mestre Jonas”, numa versão que achei mais rock’n roll que a original. É um dos grandes hits e creio que se deixassem de tocá-lo seria quase como os Stones não tocarem “Satisfaction” ou o Creedence evitar “Proud Mary” e “Born on the bayou”.

O show se encerra e a gente sai com aquela sensação de que foi bom ter saído de casa, de que foi uma noite diferente, de “música de verdade” (para usar de novo a imortal expressão usada por Silvio Hessinger na lendária resenha do show de Crosby, Stills & Nash no Rio). Em breve, vão tocar em Niterói, no Cine Art-UFF e possivelmente na Feira de São Cristóvão. Se eu fosse vocês, ficaria de olho.

Ainda é dia de rock, que sorte a nossa.

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