Crítica: Leonard Cohen e o deslumbre auditivo de 'Popular Problems'

Crítica: Leonard Cohen e o deslumbre auditivo de 'Popular Problems' – Ambrosia
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Leonard Cohen surpreendeu a todos em janeiro de 2012 lançando um disco de inéditas pouco tempo após ter anunciado aposentadoria. Houve um boato de que a volta teria sido causada por uma dívida, que o fez buscar fundos para saldá-la. E foi um belo presente surpresa, pois ‘Old Ideas’ era um trabalho primoroso. Agora, mais de dois anos e meio depois, o poeta trovador canadense nos surpreende mais uma vez com outro inesperado disco de inéditas, ‘Popular Problems’ (Columbia/2014), que mantém o mesmo nível do anterior.
Na verdade, pausas consideradas como final da carreira não são exatamente novidade para o compositor. Houve longos hiatos também nos anos 90 e 00. Entre ‘The Future’ e ‘Ten New Songs’ se passaram nove anos. Cohen é um artista desafia com galhardia a tese de que compositores da Música Pop entram em decadência a partir de uma certa idade, concebendo apenas trabalhos irrelevantes, pálidas versões de si próprios quando estavam no auge da carreira e da forma.
‘Popular Problems’ traz um compositor do alto dos seus 80 anos de vida divulgando um trabalho sincero e cheio de personalidade, sem querer parecer jovem ou tentando pegar carona em algum modismo, nem mesmo se mostrando apegado ao passado, como um fóssil crônico. Cohen fala a língua da Poesia e essa é atemporal. De tão sincero em seus versos, ele não se esquece da passagem do tempo, é claro, e logo na primeira faixa ‘Slow’ ele diz: “It’s not because I’m old/It’s not the life I led/I always liked it slow/That’s what my momma said”(“Não é por que estou velho/Essa não é a vida que levava/Eu sempre gostei do devagar/É o que minha mãe dizia”). O refrão da faixa deixa claro o tom reflexivo, e até de certa forma intimista que permeia os 35 minutos de audição. A impressão que as letras deixam é de que a chegada da oitava década o tornou ainda mais pensativo sobre a lógica da Vida ou a falta dela.
Em ‘Almost Like the Blues’ surge sua faceta mais niilista nos versos “There is no God in heaven/ And there is no Hell below/“So says the great professor of all there is to know “(“Não existe Deus no Céu/E não existe Inferno abaixo/É o que diz o grande professor de tudo o que há para saber”) . E ainda termina sustentando “ But I’ve had the invitation that a sinner can’t refuse/ And it’s almost like salvation; it’s almost like the blues”(Mas eu recebi um convite que um pecador não pode recusar/E é quase como salvação; é quase como a tristeza).
O inconfundível vozeirão áspero parece ter ganhado ainda mais peso e textura com o avançar da idade. Os temas das canções são aqueles que lhe são caros desde sempre: amor, paixão, sofreguidão e os conflitos que isso possa acarretar. Tudo isso adornado por belas melodias e arranjos impecáveis, aqueles que não nos deixam esquecer que estamos ouvindo um trabalho de Leonard Cohen. Os melhores exemplos estão em ‘A Street’, ‘Did I Ever Love You’ e ‘Born In Chains’. A belíssima ‘You Got Me Singing’ fecha o disco mostrando que apesar da reflexão, ainda cabe, no fim, uma réstia de otimismo, pois do contrário, a vida seria sombria demais para ser suportada.
Leonard Cohen começou a compor canções com bastante intimidade com o mundo das Letras. Ele já havia publicado três coleções de poesias e um romance, “Beautiful Losers”, que foi considerado “o livro mais revoltante já escrito no Canadá” e “o mais interessante livro canadense do ano (1966)”, isso por críticos contemporâneos. O artista também experimentou as drogas e chegou até a ter episódios de alucinações. Toda essa bagagem sedimentou uma carreira artística venerável, que arregimentou um séquito de fãs que vão de Bono a Van Morrison, passando por Bob Dylan, Lou Reed e até Kurt Cobain. Agora desemboca em um álbum escorreito, sofisticado, de audição obrigatória, com o qual  mostra que é possível envelhecer fazendo música com dignidade.

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