Acho que se Pedro Almodóvar conhecesse a fundo a obra do escritor curitibano Paulo Leminski, iria identificar muitos pontos nevrálgicos com sua obra. Em especial na simples e potente frase “Haja hoje para tanto ontem“, que sintetiza exatamente sua obsessão com o passado em seus melodramas personalistas. Todos os seus filmes têm uma relação preponderante com o passado, para além de suas escolhas dramáticas.
“Julieta”, seu aguardado novo filme, mais uma vez reforça esse maneirismo e nos relembra que o universo do diretor vai além da premissa de passado justificando o presente, mas sim o tempo como personagem definitivo do que espera remexer.
Baseado em três contos da canadense Alice Munro, Almodóvar fragmenta temporalmente a vida de sua Julieta (vista paralelamente em dois momentos) para desenrolar o novelo pessoal da protagonista, que carrega a angústia do sumiço da filha. Julieta (Emma Suárez/Adriana Ugarte) é uma mulher de meia idade que está prestes a se mudar de Madri para Portugal, para acompanhar seu namorado Lorenzo (Dario Grandinetti).
Entretanto, um encontro fortuito na rua com Beatriz (Michelle Jenner), uma antiga amiga de sua filha Antía (Blanca Parés), faz com que Julieta repentinamente desista da mudança. Ela resolve se mudar para o antigo prédio em que vivia, também em Madri, e lá começa a escrever uma carta para a filha relembrando o passado entre as duas.
A trama é um prato cheio para o cineasta falar sobre a confusão de sentimentos entre a culpa e o abandono, quase inteiramente narrado em flashback. Ao olhar para trás, o diretor parece querer que seus personagens sejam sempre acompanhados pela perspectiva que os levaram até ali; e os caminhos de Julieta são intrigantes até para a própria.
O roteiro é engenhoso, mas o filme não. Almodóvar está voltando a velha forma de filmar com as vísceras expostas, mas elegantemente. “Julieta” representa um amadurecimento na forma. Talvez seu desenvolvimento careça de uma astúcia que o diretor tanto usou em seus filmes mais célebres. Tanto que encerra o filme com ‘Si No Te Vas’ de Chavela Vargas, canção tão de peito aberto que parece querer justificar a protagonista.
“Haja hoje para tanto ontem“. Almodóvar ainda tem muitos ontens para nos construir. Resta saber se seu fôlego segura a ansiedade dos hojes…