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“Roda Gigante” apenas “cumpre tabela” na filmografia de Woody Allen

É realmente formidável o fôlego incansável de Woody Allen para filmar de forma praticamente continua. Assim como todo o ano temos um especial de TV do Roberto Carlos, (quase) sempre tem um novo filme do diretor e roteirista que já deu ao cinema obras-primas como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, “Hannah e suas irmãs”, “Zelig”, “A Rosa Púrpura do Cairo”, entre outras.

Mas Allen nem sempre acerta e, mesmo que ainda mantenha o respeito de boa parte dos cinéfilos de todo o mundo graças a seus trabalhos em dramas como “Ponto Final: Match Point” (2005) ou “Blue Jasmine” (2013) ou nas comédias como “Meia-Noite em Paris” (2011, por qual ganhou o Oscar de Melhor Roteiro), de vez em quando ele derrapa um pouco nas suas intenções e acaba entregando projetos bem acabados tecnicamente, mas que é sentida um pouco a falta de sua criatividade. É o caso de seu mais recente filme, “Roda Gigante” (“Wonder Wheel”, 2017), que conta com um visual fantástico e um ótimo elenco, que peca justamente no que o octogenário diretor sabe fazer melhor: contar uma história.

Ambientada nos anos de 1950 em Coney Island (fora da tradicional Nova York urbana do cineasta), a trama é centrada em Ginny (Kate Winslet), uma garçonete frustrada com a vida que é casada com Humpty (Jim Belushi), um operador de carrossel que trabalha em um parque na praia. Um dia, ela conhece Mickey (Justin Timberlake), um salva-vidas aspirante a escritor, e os dois acabam se envolvendo, deixando-a com mais disposição e acreditando que tudo irá mudar para melhor, só por estar apaixonada. Só que a filha de Humpty, Carolina (Juno Temple), reaparece na vida do pai após ser jurada de morte por gângsters e também se interessa por Mickey, deixando a situação ainda mais complicada para Ginny.

Se há algo inquestionável em “Roda Gigante” é a sua fotografia, impecavelmente realizada por Vittorio Storaro, em seu seu segundo trabalho com Woody Allen (o primeiro foi “Café Society”, seu filme anterior). Com uma paleta de cores que privilegia o azul e o amarelo dourado – para evidenciar o clima quente a que são submetidos os personagens – Storaro (vencedor de três Oscars) também obtém um resultado interessante com um efeito que simula as luzes de neon dos brinquedos do parque que acabam entrando pela casa da protagonista onde muitas sequências importantes da história acontecem.

Além disso, ele também utiliza cores mais frias nos momentos em que Ginny se sente mais melancólica e nostálgica a respeito de seu passado que ela acredita ter sido mais glamuroso. A nostalgia, aliás, é evidenciada pelo ótimo design de produção, assinado por Santo Loquasto, e os figurinos de Suzy Benzinger, realmente impecáveis.

O problema é que tanto cuidado para criar uma forma deslumbrante não esconde as fraquezas que surgem no conteúdo. Aqui, Woody Allen não consegue desenvolver uma história que fuja dos padrões que ele mesmo estabeleceu anos atrás. Como de praxe, o cineasta emula os seus ídolos, como já fez, por exemplo, com Ingmar Bergman em dramas como “Interiores”.

Desta vez, o diretor homenageia o escritor e dramaturgo Eugene O’Neill, que é citado como o autor favorito de Mickey e mesmo algumas cenas têm uma composição mais teatral e menos cinematográfica, com o intuito de dar um tom mais trágico à trama, especialmente em sua parte final. O problema é que Allen nem sempre acerta no tom e cria momentos ora melodramáticos demais, ora frios demais, podendo diminuir o interesse no que se desenrola.

Outro ponto fraco é o desenvolvimento raso de alguns personagens. Um bom exemplo disso está em Ritchie, o filho de Ginny, interpretado por Jack Gore. O menino se mostra um piromaníaco, distúrbio que o faz criar fogueiras (que podem gerar verdadeiros incêndios), sem que saibamos exatamente por que ele age dessa maneira, o que pode gerar uma certa frustração. Isso sem falar na escolha equivocada do diretor e roteirista de escolher Mickey como uma espécie de seu alter-ego (afinal, a história começa a ser contada pelo ponto de vista dele), pois ele nunca se revela realmente interessante, já que está mais preocupado em conquistar mulheres e sua aptidão literária jamais é demonstrada. Tanto que, lá pelas tantas, a sua narração é sacada do filme e isso praticamente nem é notado, o que mostra que até o cineasta já não via mais importância nele.

Felizmente, o ótimo elenco contorna estas inconsistências com ótimas atuações. O destaque principal vai para Kate Winslet, em sua primeira parceria com Allen. A atriz consegue transmitir nitidamente os conflitos de Ginny, que não esconde a frustração de que sua vida não foi para a frente, além de se sentir melancólica com a sensação de envelhecimento. Seu momento mais brilhante está num monólogo difícil que ela faz com o pé nas costas e torna Ginny mais humana e cativante. Justin Timberlake usa o seu já conhecido carisma para tornar Mickey um cara atraente mesmo com suas falhas.

Juno Temple está se especializando em dar vida a personagens que misturam ingenuidade com sensualidade e deixa Carolina com uma ambiguidade que é bem-vinda para a história. Jim Belushi, acostumado a fazer homens bonachões e com um certo senso de humor, é bem sucedido em dar um tom mais amargo para Humpty, que faz o possível para dar conta de sua família, mas se preocupa com a situação da filha envolvida com maus elementos. Mais uma vez, Allen consegue boas performances de atores que geralmente não são escalados para dramas mais intensos, como é o caso de Belushi.

“Roda Gigante” acaba sendo apenas “mais um filme” de Woody Allen e não deve fazer parte do grupo de suas obras mais memoráveis. Mas, obviamente, mesmo uma produção menor do cineasta é muito superior à maioria dos filmes que são lançados durante o ano. Quem é fã de longa data do diretor pode até apreciar seu mais novo projeto. Mas quem espera algo a mais, pode se decepcionar. Do jeito que ficou, ao acender das luzes do cinema, o que fica na cabeça são mesmo as belas imagens. Mas os diálogos, que costumam ser a marca registrada de Allen, ficam difíceis de lembrar. Ou seja, o jeito é esperar seu próximo filme de 2018, que, aliás, já está em andamento.

Leia também a crítica na cobertura do Festival do Rio

Filme: Roda Gigante (Wonder Wheel)
Direção: Woody Allen
Elenco: Kate Winslet, Justin Timberlake, Jim Belushi
Gênero: Comédia, Drama, Romance
País: EUA
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Imagem Filmes
Duração: 1h 41 min
Classificação: 12 anos

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