Quinzena Macabra: Antagonistas

Resenha de Antagonistas (DEVWW55301, 132 páginas, R$ 43,50)

Antagonistas 01Antagonistas foi o primeiro suplemento lançado para Mundo das Trevas no Brasil, e se propôs a apresentar uma série de boas ideias para serem utilizadas na mesa de jogo. Este livro não é um manual de monstros para Mundo das Trevas, cheio de tabelas e fichas de NPC’s, que vão ser jogados como hordas contra os personagens dos jogadores.

No universo de horror do Mundo das Trevas os antagonistas não são vilões, no sentido tradicional da palavra, nem monstros. São aqueles que se opõem aos intentos do(s) protagonista(s). Num jogo onde a fronteira entre o bem e mal não está clara, e onde os personagens em muitos casos não podem ser chamados de “heróis”, faz sentido abolir o uso do termo “vilão”.

Antagonistas funciona como uma fonte de inspiração para mestres e, por que não, jogadores, que queiram elaborar adversários a altura dos protagonistas, contribuindo para a criação de crônicas interessantes e desafiadoras para os personagens.

O livro está dividido em cinco capítulos:

Introdução

Como a maior parte dos livros da White Wolf, Antagonistas inicia-se com um conto que serve como prólogo. Mystère em Detroit não possui a qualidade das histórias do módulo básico do Mundo das Trevas. Com uma narrativa em terceira pessoa bastante fraca, que não inova em nada o velho tema do feiticeiro orgulhoso e enche o leitor de explicações que são desnecessárias. Parece até que a White Wolf esqueceu que em histórias de horror é necessário surpreender o leitor/espectador, e isto é um pouco difícil quando um espírito ancestral explica tudo para você.

Além de apresentar a proposta do livro, sugerir ideias de antagonistas para uma crônica ambientada no Mundo das Trevas, a Introdução discute as possibilidades de abordagem para a relação entre protagonistas e antagonistas, tentando apontar algumas respostas para a pergunta, por que ele(a) confronta o grupo?

Nesta parte também temos a organização dos temas no livro e uma bibliografia sobre os mesmos, que em geral não sugere grandes livros e/ou filmes. O destaque fica por conta dos sites sobre lendas urbanas.

Capítulo 1: Os mortos-vivos

No Mundo das Trevas a morte é para sempre. Qualquer tentativa de fazer os mortos voltarem à vida vai gerar uma versão tragicômica da verdadeira vida, transformando os cadáveres em mortos-vivos. Neste capitulo são apresentadas ideias e regras para três tipos de cadáveres ambulantes: zumbis, imbuídos e reencarnados.

Zumbis são os cadáveres irracionais que atormentam os vivos e desejam consumir sua carne. Os zumbis são fundamentais para a moderna ficção de horror e por isso receberam grande destaque. São propostas três origens para estas criaturas amaldiçoadas (doenças que transformam os afligidos em cadáveres ambulantes; a feitiçaria, em especial o vodu caribenho; os locais e objetos amaldiçoados que não deixam os mortos descansarem), os possíveis usos destas criaturas em uma crônica e um conjunto simples, porém extremamente funcional, de regras para criar zumbis.

Antagonistas 02Os Imbuídos foram criados pela mão humana, ganhando consciência e vontade própria, porém devido a sua origem imperfeita eles não possuem uma alma mortal, nem uma bússola moral que os consiga guiar. Os imbuídos lembram muito a ideia apresentada por Mary Shelley em Frankenstein, ou em uma versão menos trágica nas Aventuras de Pinóquio, escritas pelo italiano Carlo Collodi. Parece que a White Wolf gostou tanto da ideia que resolveu expandi-la algum tempo depois com a criação de Promethean: the Created.

Reencarnados são aqueles que morreram, mas que possuem assuntos inacabados. Os reencarnados estão mortos, porém seu desejo é tão intenso que eles não podem descansar. Este tema, o homem que volta dos mortos para se vingar, é um clichê bastante antigo, e que não traz grandes novidades. A única inovação aqui é a apresentação de reencarnados que se ergueram pela força de criaturas estranhas ao homem, verdadeiros alienígenas que não podemos entender.

Ao final do capítulo são dados exemplos dos tipos de mortos-vivos apresentados. No geral eles são muito bons, com destaque para Bonequinha, uma imbuída criada por uma assassina demente, que agora vaga por uma casa abandonada em um subúrbio.

Capítulo 2 – A necessidade de vingança

Aqui são apresentados os indivíduos que decidiram dedicar suas vidas a eliminação do sobrenatural. Estes caçadores, motivados pelo ódio (que pode ser entendido como fé, vingança ou dever), são possivelmente as figuras mais angustiadas e desesperadas do Mundo das Trevas. Os caçadores não têm nenhum glamour. São indivíduos atormentados por perdas terríveis, que decidiram se lançar em uma luta suicida contra o desconhecido.

Antagonistas 03Neste capítulo os caçadores do sobrenatural são esmiuçados em suas motivações, e em sua maneira de interagir com a verdade dura e cruel de que os monstros são reais. Desde aspectos fundamentais (como por que alguém decide se lançar contra os monstros que moram na escuridão? ou de que forma os caçadores se conhecem?), até questões de ordem prática como financiamento (ou em outras palavras, de onde vem o dinheiro para as balas de prata?), praticamente tudo é exposto nesta parte do livro.

Infelizmente faltou pensar a relação dos caçadores com as pessoas “comuns” (os personagens mortais feitos com o modulo básico do Mundo das Trevas, e que não receberam nenhum dos modelos apresentado em Vampiro: o Réquiem, Lobisomem: os Destituídos ou Mago: o Despertar), não só pela possibilidade de “transição” (jogadores que se proponham a caçar o sobrenatural), mas também pela maneira como as informações destes desesperados podem ser úteis aos possíveis, e em geral acidentais, investigadores do oculto.

Capítulo 3 – Os justos e os perversos

Talvez este seja o melhor capítulo do livro Antagonistas. Aqui o foco está nos diversos tipos de seitas e organizações secretas que podem, de maneira brutal, acabar com as intenções de um grupo de jogo.

Como existe um número quase infinito de seitas, sejam elas laicas ou religiosas, o capítulo se propõe a discutir as motivações que levam alguém a procurar uma organização deste tipo, quais as principais técnicas utilizadas pelos seus líderes para recrutar e manter adeptos (com regras que cobrem a utilização de lavagem cerebral) e como estas podem se relacionar com os personagens dos jogadores.

Em seguida o livro trabalha com uma divisão semelhante à vista no capitulo 1, apresentando as ramificações dentro do tema. Esta tipologia se concentra em quatro categorias: facções, seitas adventícias, seitas mágicas e seitas seculares.

As facções são dissidências dentro de grandes religiões estabelecidas (como o cristianismo, o islamismo ou o judaísmo), que apresentam visões alternativas aos dogmas oficiais. No geral estes grupos surgem motivados pelo radicalismo, por uma busca pela “verdadeira” fé de outros tempos. No geral esta fé mais “exaltada” leva tais facções a se voltarem contra os “infiéis”, ou seja, todos aqueles que não se encaixam na visão de mundo perfeita destes ultrarradicais, como imigrantes, homossexuais e moradores de rua. Neste trecho também temos uma, infelizmente, breve exposição sobre as facções que partiram para o terrorismo.

Seitas adventícias abarcam todos os tipos de grupos que se diferenciam de maneira dramática das grandes religiões estabelecidas. As possibilidades são muitas: cultos a deuses ancestrais, seitas sensualistas e crentes nos OVNIS, são algumas das possibilidades. O curioso nestas seitas é o fato de como o líder, e sua visão deturpada do mundo, podem tomar proporções mórbidas e assustadoras, como nos grupos de suicidas, ou pior ainda, em seitas do morticínio que cultuam a morte.

No grupo seitas mágicas temos os grupos que são liderados por indivíduos que possuem habilidades sobrenaturais (ou por charlatães que apenas enganam seus seguidores), e aqueles que buscam poderes e em geral investem muito tempo e dinheiro nestas buscas.

Antagonistas 04Seitas seculares são grupos quer buscam algo mais prático e tangível do que a salvação eterna, o fim do mundo ou habilidades arcanas perdidas em livros antigos. Estas organizações se reúnem pelo poder. Isto acontece nas fraternidades comuns às universidades norte-americanas, que podem gerar várias histórias sobre sociedades secretas e conspirações, nas associações de ricos e poderosos que tentam exercer um controle ditatorial sobre suas áreas de interesse e nas empresas de tipo pirâmide, que conseguem extorquir milhões das pessoas desavisadas.

Este capítulo se encerra com um conjunto incrível de exemplos de líderes para seitas. Suas motivações e históricos são excelentes, e podem torná-los alguns dos mais memoráveis NPC’s que seu grupo de jogo vai enfrentar no Mundo das Trevas.

Capitulo 4 – O medo encarnado

Pode-se dizer que este é o capitulo menos coeso do livro. Aqui são apresentadas criaturas dos mais diversos tipos, que podem se tornar um estorvo para o seu grupo. Até mesmo a apresentação que antecede a lista de dez “criaturas”, parece mais uma discussão de como montar estratégias para apresentar os seus “monstros”, o que em alguma medida foge da proposta do livro. Entre os exemplos destacam-se, pela falta de qualidade ou pelo total nonsense, o Bolor Tóxico (um mofo semi-inteligente que pode ser o terror dos vampiros) e o Groetnich (um peixe pré-histórico que se esconde em lagos e devora pessoas).

Considerações finais

Após a leitura de Antagonistas fico com a impressão que o grande “pecado” do livro e ter tentado “abraçar o mundo”. Apresentando antagonistas para todas as linhas do Mundo das Trevas, o livro se tornou algo amorfo, um apanhado de diversos conceitos e ideias que em geral funcionam muito bem se utilizados com personagens mortais, e não com criaturas sobrenaturais.

Em todos os momentos onde os autores do livro tentaram explicitar a relação entre as criaturas sobrenaturais utilizadas pelos personagens jogadores (vampiros, magos e lobisomens), e os adversários propostos na obra a sensação que se tem e de que estão “forçando a barra”. Se gasta tempo demais criando vínculos que ao mero olhar de um narrador atento se desfazem.

Faltou ao livro um foco mais claro o que gera um efeito montanha-russa: bons trechos, aqueles onde as ideias lidam com personagens mortais, se espalham por um livro cheio de pontos baixos.

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Comentários 4
  1. Talvez a impressão do livro ser algo “fora-de-foco” seja porque a perspectiva do Antagonistas esteja mais próxima do que deva ser um suplemento: uma “caixa de ferramentas” combinadas em um ou mais temas específicos (no caso, o antagonísmo em relação aos personagens dos jogadores, os protagonistas). Dependendo dos tipos de antagonísmo evocados na crônica, o livro oferece algumas “peças à disposição do Narrador” (para quem o livro é voltado em sua inteireza).

  2. Esse livro já esta quase completamente defasado, o capitulo 1 pode ser prefeitamente substituido por Geist e os Prometeanos, o 2 por Hunter e os Zumbis do capitulo 1 mais o capitulo 4 inteiros são Terror B demais para o Mundo das Trevas, muito cinematografico e perverte complementa a atmosfera proposta pelo cenário.

    Mas o Capitulo 3 realmente é bom. E da para usa-lo em outros jogos como oWoD e Call Cthulhu.

    1. Não tão completamente defasado assim…na falta dos livros citados, o Antagonistas oferece boas possibilidades de crônicas (já usei a Aswang em uma crônica de “mal-entendidos” e a Fome para justificar um serial-killer canibal). E zumbis são ótimos “support cast”, sempre! hehehe

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