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Alison Bechdel e “Você é Minha Mãe?”

Para quem já leu “Fun Home – Uma Tragicomédia em Famíli”a (Conrad, 2006) já é meio caminho andado para ler “Você é Minha Mãe?” (Are you my mother?), de Alison Bechdel.
A autora escreveu em Fun Home a história de seu pai, homossexual reprimido, que presumivelmente preferiu suicidar-se a encarar um escândalo público e o divórcio. Agora traz outra narrativa gráfica centrada na figura de sua mãe, Helen, um personagem importante, mas secundário em Fun Home. Foi o primeiro quadrinho finalista do National Book Critics Circle e foi classificado como o Livro do Ano pela revista Time.

708728Lançado pela Companhia das Letras este ano, pelo selo Quadrinhos na Cia, é notório ver a forte relação entre Fun Home e Você é Minha Mãe?, tanto de forma visual, quanto no roteiro. Bechdel, como outros autores de narrativas gráficas, costuma escrever autobiograficamente. O livro de 2006 conta sua infância até o momento que assume a homossexualidade, bem antes do suicídio de seu pai. Mesmo assim, para compreender Você é minha mãe? Um drama em quadrinhos, mesmo com os episódios da infância da autora, não será necessário ter lido a tragicomédia de Fun Home, mesmo sendo complementar, ela se centra mais na sua vida adulta, do momento que entrou na universidade e seus primeiros trabalhos de desenhista até o momento que escreve Fun Home e sete anos mais tarde ao começar a escrever esta mesma narrativa grafica que comentamos. Uma autobiografia onde a estranha relação com sua mãe é o principal teia narrativa e donde os problemas familiares e as próprias obsessões da autora se fundem num painel harmonioso e fantástico.

Neste painel se articula relações entre mulheres em três bases diferentes: mãe e filha, terapeuta e paciente, e amante-amante, e as três relações se mesclam contínua nos episódios vitais de Alison.  A autora descreve a estrutura gráfica revelando combinações entre esses elementos, planificando um resultado que varia entre a desconstrução literária e a análise psicológica.  E o texto em si é de uma complicação, pois a autora ao escrevê-lo o fez para entender essa relação peculiar, o que causa estranheza para o leitor, seja por ele fazer flash e reflash no tempo diversas vezes, ou mesmo por utilizar alguns recursos incomuns.

Bechedel lança sua preocupação, suas neuroses, sua insegurança, sua humanidade e mesmo sua insuportabilidade para com os leitores, desfragmentando seus sentimentos para nós, como se estivesse sendo analisada psicologicamente. Terapia e psicanálise são usadas para tratar dos temas principais nas graphic novels que Bechdel traz ao público leitor. Em Fun Home, usou do modo que a família conseguia se relacionar e apaixonar. Agora neste novo trabalho, traz a compulsiva necessidade de terapia cobre o manto da estrutura visual. Como nos esboços e nos quadros vem a figura de Donald Winnicott, um especialista britânico em psicanálise infantil e praticamente único personagem masculino do livro. O desenho do personagem lembra o pai de Alison, e sua leitura a ajuda a interpretar sua vida: desde as necessidades emocionais dos demais personagens ao paralelismo da relação da terapeuta com sua mãe, passando ao simbolismo com os diários e espelhos, a interpretação de sonhos e os pontos de vista perante objetos comuns.

Alison-Bechdel-photo-credit-Elena-SeibertVirginia Woolf é referencia nas páginas de “Você é Minha Mãe ? Um Drama em Quadrinhos” e seu olhar sincero transparece o interior da alma de Alison de uma forma que desarma qualquer introspecção pessoal que já tinha feito. Como narrativa gráfica é um trabalho formidável, elipses e justaposições por todos os lados, cada um dos sete capítulos começa com um sonho de Alison que transcorre sobre um fundo negro, enquanto todo o restante do capítulo transcorre sobre um fundo banco, numa linha clara e um tom de marca d’água. Os tons preto e branco são rompidos com pinceladas avermelhada e grená numa curiosa simetria simbólica. As transições entre as divisões dos quadros e linhas são feitas com elegância, integrando todas as partes da narrativa de maneira fluida. Cada personagem possui uma metalinguagem, mas a graphic novel retorce até o conceito de metalivro, ao explicar seus motivos, o processo de seu desenvolvimento, a inter-relação do livro com a obra anterior do autor, a vida dos personagens reais em que se baseiam… Não tenho conhecimento de uma narrativa tão ímpar

Ao escrever esta resenha, veio uma palavra que pode plantear todo o livro: catarse. Tanto pela forma de experimentar a liberdade em relação a alguma situação opressora, seja psicológicas ou cotidianas, por uma resolução que se apresente de forma eficaz o suficiente para que tal ocorra, como também, elas descargas de sentidos e emoções passadas ao leitor. Leiam e tirem as conclusões.

PS. O trabalho de Érico Assis na tradução foi incrível, o processo foi tamanho com vários livros consultados (e listados no final do livro), além das expressões bem especificas.
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