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Boogiepop Phantom – O desafio de domar o caos

Difícil. Esta com certeza é a melhor palavra para se começar um texto sobre Boogiepop Phantom. É um vocábulo que não só faz referência à trama extremamente complexa da série animada, como à própria escolha da primeira palavra para se iniciar um texto sobre Boogiepop Phantom – o que, sinceramente, poderia ter sido: sombrio, macabro, estranho, inspirador, brilhante… Daí, difícil.

Animado pela competente Madhouse (Sakura Cardcaptors, Chobits), Boogiepop Phantom foi ao ar pela primeira vez em janeiro de 2000 pela gigante TV Tokyo, em uma seqüência de 12 episódios que se estenderam por três meses de exibição. Infelizmente, ao contrário da abertura deste texto, uma só palavra para definir seu estilo não é o suficiente; neste caso, prefiro ficar com três: suspense, terror e psycho­ – este último é o que melhor define o anime, aproximando-o de séries como Paranoia Agent e Serial Experiments Lain, onde todos exibem um plot intrinsecamente filosófico e dark, levando o espectador a mergulhar profundamente na trama e capturar a maior quantidade de detalhes que puder para enfim tentar encaixar as diminutas peças do quebra-cabeça, e entender uma das múltiplas facetas de interpretação que esse tipo de obra evoca.

O enredo gira em torno de um fenômeno natural hipotético deveras incomum: um grosso feixe de luz é avistado nas proximidades da Shinyo Academy – uma escola local, e se interpõe durante alguns instantes entre a terra e o céu; o ocorrido provocara uma alteração no campo magnético da região, permitindo o aparecimento de uma espécie de aurora boreal – chamado erroneamente pelos habitantes de arco-íris, e que se faz presente na maioria dos episódios da série.

Entretanto, aparentemente a conseqüência mais importante do fenômeno vem a ser uma série de estranhos eventos envolvendo a população da cidade, como casos de desaparecimentos, suicídios e ganhos de estranhos dons por parte de alguns jovens. A culpa de algumas ocorrências é atribuída a uma lenda urbana, o Boogiepop (que vem a ser o próprio Shinigami – a Morte, para nós, ocidentais), embora seja revelado muito pouco sobre o tal mito.

A estrutura é bem peculiar e se permite narrar fatos inseridos em um intervalo de até cinco anos no passado; fazendo a narrativa viajar pelo tempo constantemente, intercalando os acontecimentos presentes com pertinentes passagens em flashbacks – o que muitas vezes pode ser tortuoso de acompanhar, já que se torna comum questionar-se em que momento no tempo realmente se está. Tal movimento por vezes revela um segundo ou terceiro ângulo de um mesmo ambiente ou cena, explicando através de uma dedução elegante algo que o espectador ainda não compreendia ou sequer havia percebido – os volumes três e quatro fazem isso muito bem.

Cada episódio é centrado em uma pessoa diferente – geralmente com dupla personalidade -, narrado pelo próprio protagonista; a trama explora de maneira deveras eficiente o que ocorrera na vida do personagem neste período de cinco antes do feixe de luz, e de como as escolhas feitas e os caminhos trilhados no passado, somados ao estranho ocorrido, refletem e influenciam sua vida no futuro (ou, no caso, presente).

Seguindo uma divisão nomeada por cenas, os episódios chocam e hipnotizam por retratar a vida de pessoas em forte crise emocional – fazendo uso de metáforas visuais belíssimas, cujo argumento comum é de cunho filosófico e advoga a favor de idéias como a inevitabilidade da evolução humana e a mudança de pensamento, a necessidade de superar erros passados e seguir em frente, a substituição da realidade por um mundo virtual como um erro, entre muitos outros; e é genial ao renegar parte do que defende, em uma clara colocação ambígua e aparentemente equivocada, para despertar a reflexão e atentar ao conceito de dualidade inerente à lógica do pensamento, e a discordância de opiniões opostas como algo saudável à discussão.

Começar a assistir Boogiepop Phantom talvez seja mais difícil que terminá-lo, já que sua primeira metade estranhamente parece narrar histórias aparentemente desconexas e independentes, que sempre deixam a sensação do inacabado; de fato, tal sentimento é algo proposital, já que os últimos seis episódios são dedicados a um exercício torturante, porém belo, de correlação, onde o roteiro se propõe a desenhar uma teia intricada de associações entre personagens, fatos e conceitos, reservando dois plot twists para os minutos finais da série.

A profusão de sons e ruídos e seus mais variados significados também aguçam a mente, e integram o quebra-cabeça de maneira surpreendente. Uma nota crescente em especial é a chave para um dos conceitos mais belos da obra; o responsável por expressar o tempo como sendo uma percepção – uma discussão da física quântica – que define passado, presente e futuro como coexistentes. As músicas de abertura e fechamento também são contextualizadas, com letras pertinentes aos ideais defendidos no roteiro.

O traço simplista e a retratação fiel da fisionomia humana provocam confusões no sentido de identificar os personagens, mesmo porque eles são numerosos. Mas o ganho em realismo e a ilustração eficiente da tridimensionalidade dos mesmos equilibram este demérito quase ilusório. A ambientação escura se faz presente durante os onze primeiros episódios, e se encaixa muito bem com o clima sombrio e misterioso que a trama pede; apenas no volume final é que contemplamos o sol brilhante e um verdadeiro arco-íris.

Boogiepop Phantom é um título extremamente complexo e profundo por todos estes motivos discorridos ao longo do texto, encantando e conquistando quem se submete a entendê-lo; devendo ser visto e revisto para uma compreensão mais completa. Certamente já é um clássico do gênero, e uma obra-prima da animação mundial. Indispensável para os amantes da animação japonesa e altamente recomendável para os admiradores de uma boa história.

[xrr rating=5/5]
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