BR-TRANS: peça, no CCBB-RJ, sobre histórias de exclusão e violência no universo de travestis, transexuais e artistas transformistas

O clima de BR-TRANS é inicialmente convidativo e empolgante: o público vai entrando e se acomodando em seus lugares enquanto uma música dançante e original, que é tocada pelo músico Rodrigo Apolinário, que acompanha o espetáculo do início ao fim, embala a recepção da plateia, enquanto o ator Silvero Pereira, vestido como a primeira personagem da peça, Gisele, no centro do palco, movimenta seu corpo ritmicamente, de modo discreto, observando a entrada de todos com um sorriso simpático e comedido no rosto. Impossível não simpatizar com ele de cara, que posicionado no centro mas com gestual ainda sutil, apesar de trajar um vestido vermelho brilhante, já irradia seu carisma sem dizer uma palavra, apenas pelo olhar, pela postura. Há um magnetismo em sua presença e ele ainda não começou a mostrar tudo o que tem a dizer ao respeitável público.

Quando todos estão acomodados, Silvero apresenta-se e inicia o relato de uma série de fragmentos de vidas reais, movimentando-se pelo palco e intercalando sua dramaturgia com imagens que são projetadas na parede. Se o início é empolgante e alegre, a peça irá tratar, com sensibilidade e intensidade, de histórias e temáticas duras, carregadas de sofrimento e dor, violência e discriminação.

Há o momento em que fotos de travestis e transexuais assassinadas brutalmente em variadas cidades do país são então projetadas para a ciência da plateia, ao mesmo tempo em que são contabilizadas em termos numéricos. Desse modo, BR-TRANS é, em primeiro lugar, um espetáculo-denúncia, que, ao mesmo tempo, consegue ser engraçado em alguns momentos, mas acima de tudo se propõe a dar visibilidade àquilo que fica à margem de uma sociedade que por vezes se diz moderna e liberal.

Moderna, liberal? Mas onde estão as travestis ou transexuais no mercado de trabalho formal, onde estão que não seja em trabalhos de risco, ocupações que não são sequer consideradas como tal, desprezadas ou temidas pela população em geral, evitadas a qualquer custo? Onde estão que não as vejo, não os vejo, como médicos, professores, atendentes de banco, vendedoras ou gerentes de lojas, recepcionistas, tradutoras, jornalistas, engenheiros, advogadas, arquitetas, pedagogas, onde estão e como ganham a vida, por que caminhos transitam e a quem elas se dirigem? O que falam? Alguém as ouve? Alguém os ouve? Alguém as vê? Alguém os vê? Alguém as quer? É como diz uma das personagens vivida por Silvero Pereira: na escola e na faculdade, o que se aprendeu foi solidão, medo, ódio, exclusão, disciplinas que não estão na grade curricular oficial, mas que são obrigatórias, talvez as mais reais, as mais marcantes, talvez as únicas que não se pode esquecer.

br-trans

BR-TRANS é fruto da pesquisa cênica desenvolvida através do Edital Interações Estéticas 2012 (FUNARTE/MINC), em residência no SOMOS Pontão de Cultura LGBT (POA/RS) e idealizada por Silvero Pereira. Tal pesquisa parte da perspectiva do teatro como instrumento de transformação social, sendo este o caráter da peça, que traz à baila o sofrimento vivido por seres humanos do universo de travestis, transexuais e artistas transformistas.

Seu sofrimento tem a ver com todos nós, porque todos nós somos a sociedade que abriga o barbarismo da intolerância concretizado em atos de violência extrema. A pesquisa também parte da ideia que concebe a Arte Transformista como sendo uma legítima linguagem cênica e manifestação própria da Cultura LGBT. Assim, Silvero Pereira, que é responsável ainda pela dramaturgia, pelo figurino, pela trilha sonora pesquisada e, em parceria com Marco Krug, pelo cenário, está incansável. E toda sua emoção no desenvolvimento do trabalho cênico pode ser sentida e admirada pela plateia. Ele trata de questões difíceis, de ódio, do horror de vidas invisíveis e mais matáveis do que outras, dentro de uma lógica perversa que deveria escandalizar muito mais as supostas pessoas de bem, ele o faz de modo brilhante e é dirigido por Jezebel De Carli, sendo acompanhado pelo músico Rodrigo Apolinário, responsável pelas músicas originais. Ao final, é ovacionado com justa razão.

Ficha Técnica

Direção: Jezebel De Carli
Dramaturgia: Silvero Pereira
Elenco: Silvero Pereira
Músico: Rodrigo Apolinário
Cenário: Rodrigo Shalako
Iluminação: Lucca Simas
Design: Sandro Ka
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Produção do grupo: Ana Luiza Bergman
Administração e Produção Rio de Janeiro: Quintal Produções
Direção Geral: Verônica Prates
Gestora de projetos: Maitê Medeiros
Produtor Executivo: Iuri Wander

SERVIÇO

Temporada: de 06 de agosto a 06 de setembro
Horário: de quarta a segunda, às 19h30
Local: Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro)
Informações: (21) 3808-2020
Ingresso: R$10,00
Horário da bilheteria: de quarta a segunda, das 9h às 21h
Gênero: Drama Cômico
Duração: 70 minutos
Capacidade: 86 lugares
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos

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